BANALIZAR O MAL
Com este tempo indigente, vê-se mais televisão. Um fim de semana alargado não promete grandes notícias, e os telejornais repetem à exaustão os mesmos temas. Como se costuma dizer, não é por muito madrugar que amanhece mais cedo. Já dá praticamente para saber de cor os episódios da investigação jornalística em torno da pedofilia nos Açores, com as habituais vozes distorcidas e as imagens desfocadas. Nem o responsável local da PJ se poupou a aparecer vezes sem conta. Durante a semana, é raro o dia em que não é notícia um flagrante de um abusador sexual de menores ou uma ida a tribunal de um pedófilo de província. Será que bruscamente se descobriu que o País "doce" do Doutor Salazar é, afinal, um amontoado oculto de perversos e de tarados, escondidos por detrás de uma moita ou de uma confortável posição institucional? A violência sexual contra menores sempre existiu e começa, tantas vezes, por perto. Na família, na "querida família" do Natal, o pai, o padrasto, o tio, o irmão mais velho, o primo ou o vizinho criminosos, ganham o silêncio por causa da familiaridade insuspeita e da respeitabilidade geral indiscutível. Esta pedofilia "caseira" é menos sensacionalista do que a outra, mas porventura mais violenta e mais tenebrosa. Com esta peripécia permanente em torno da "pedofilia que dá notícia", onde se explora o lado voyeurista que há em cada um de nós, as televisões e os jornais não estão apenas a estimular julgamentos antecipados, nos cafés, nos passeios, de par com a divulgação cirúrgica das confusas e (para a "opinião pública") aparentemente contraditórias decisões judiciais dos processos em curso. Estão também - o que é bem pior - a banalizar o mal.
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