FECHAR OS OLHOS
Bem pode M.M. Carrilho pregar a favor da qualificação dos portugueses. Também o "abaixo de cão", que coloca exclamações à frente de coisas como acreditar que a SIDA se pode propagar através de um simples aperto de mão ou sentando o rabiosque numa sanita. E por aí fora. Não nos bastava ser o País da União Europeia mais vitimado pelo seu número de infectados com o HIV, como a esta infelicidade se junta a endémica ignorância acerca da fisiologia da doença. É deveras grave que, quase no ano da graça de 2004, ainda haja cidadãos nacionais que proferem as maiores barbaridades acerca da doença. Tantos e tantos milhares de contos, e agora de euros, gastos em campanhas de informação, para nada ou para muito pouco. Nestas ocasiões lembro-me sempre de uma frase de Vasco Pulido Valente, escrita em contexto totalmente diferente: como é que uma raça tão estúpida pode ter descoberto alguma coisa, nomeadamente continentes. Ou de Jorge de Sena, que não se cansava de explicar que nós não possuíamos grandes tradições culturais, mas que tivemos sempre grandes homens que se tinham enganado no lugar onde nasceram. Ao contrário do que nos momentos de puro oportunismo de exaltação dos nossos "sucessos" acontece - quando nos dizem que é para combater o "pessimismo nacional" e que é preciso massajar o ego pátrio -, eu creio firmemente que o que de bom nos tem acontecido tem sido fruto do puro acaso. Naturalmente que estou à partida a excluir megalomanias como o Euro 2004. Estas respostas broncas acerca da SIDA são um mero subproduto do obscurantismo intelectual e societário que, após 30 anos de democracia, se mantém indemne. É mais do mesmo medo visceral do "outro", uma pequena mas séria manifestação portuguesa de uma certa "pequena burguesia de espírito". No fundo, e o que é mais grave, revela uma doentia insensibilidade para com o sofrimento dos outros, coisa a que, de forma analfabeta, com estas respostas demonstram, se fecha os olhos.
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