1.1.04

LER

Lawrence Durrell, autor de O Quarteto de Alexandria

...Lawrence Durrell, O Quarteto de Alexandria (Justine, Balthazar, Mountolive e Cléa). Alexandria, a principal personagem dos livros, aquela Alexandria, não existe mais. Este Quarteto é uma das mais poderosas e belas obras literárias que jamais tive o privilégio de poder ler. Por isso, no dealbar de um ano novo, ocorreu-me a sua revisitação. As traduções portuguesas não são particularmente recomendáveis. Encontram-se na Editora Ulisseia (Clássicos do Romance Contemporâneo). Será sempre preferível qualquer edição original de bolso, que inclua todos os livros, e que se acha com facilidade nas lojas da FNAC, passe a publicidade. Há uma figura recorrente no Quarteto, o do "velho poeta" de Alexandria, Konstandinos Kavafis. Nestes tempos de erradas percepções, de má-fé impune e de profundas ignorâncias, deixo um poema seu, traduzido por Joaquim Manuel Magalhães e Nikos Pratsinis. O poema de Kavafis, como qualquer poema, é um mundo que literalmente não reenvia para lado nenhum, como lembra Eduardo Lourenço num dos seus ensaios. À semelhança dos livros de Durrell, o poema diz-nos de um mundo já desaparecido, a que os eventuais leitores emprestam as cores, os aromas e os sentidos que a obra de arte consente, partindo do princípio que são realmente "bons leitores".

Konstandinos Kavafis

NUM LIVRO VELHO

Num livro velho - mais ou menos de há cem anos -
por entre as suas folhas esquecida,
encontrei uma aguarela sem assinatura.
Devia ser a obra de artista assaz forte.
Levava por título, «Apresentação do Amor».
Mas antes lhe convinha, «- do amor dos ultra estetas».
Pois era evidente quando se via a obra
(com facilidade se sentia a ideia do artista)
que para quantos amam um tanto higienicamente,
mantendo-se dentro do permitido de todas as maneiras,
não era destinado o adolescente
da pintura - com olhos castanhos de cor profunda;
com a beleza selecta do seu rosto,
a beleza das atracções perversas;
com os seus lábios ideais que levam
o prazer a um corpo amado;
com os seus membros ideais moldados para leitos
a que chama depravados a moral corrente.

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