18.1.04

JOSÉ CARLOS ARY DOS SANTOS (1937-1984)



O Diário de Notícias andou a semana toda a perguntar a leitores, com direito a fotografia e a profissão, se sabiam quem era Ary dos Santos. Naturalmente as respostas variaram entre o disparate e a aproximação. Houve sensatos que declararam não fazer a mínima ideia. Para além de poeta do amor e da cidade, Ary era essencialmente uma voz. Enorme, incómoda, corrosiva, por vezes irritantemente panfletária e de rima despropositada, essa voz (ao lado de outras vozes diferentes, como Natália Correia, Cesariny, Luis Pacheco ou Francisco Sousa Tavares, num registo completamente distinto) tinha o timbre da indignação e da insubmissão. Ao mesmo tempo que se entregava generosamente à vida, através da publicidade onde trabalhou, dos poemas que inventou, das canções que "poemou", Ary dos Santos sofria por dentro essa ternura mansa e quase vegetal de que falava O' Neiil e que, afogada precocemente em álcool e solidão, o exauriu aos 47 anos. Era convictamente comunista, morrendo na mágoa da rejeição da sua efectiva militância, pela ortodoxia de costumes do PCP, por ser homossexual. Frequentou as Faculdades de Direito e de Letras, contudo teve o bom-gosto de não concluir qualquer licenciatura. Em 1966, quando editou a sua Antologia de Poesia Portuguesa Erótica e Satírica, Natália Correia incluiu nela dois poemas de Ary dos Santos. É um desses textos, praticamente desconhecido no acervo mais divulgado do poeta, que aqui fica em jeito de saudação memorialística.

Em louvor e simplificação de Mário Cesariny de Vasconcelos

Por quê Mário?
Por quê Cesariny?
Por quê - ó meu Deus de Vasconcelos?
Não sabes que um polícia de costumes é o agente interino
da moral dos vitelos?

Alarga Mário a larga pássara do canto
e verás que à ilharga da imagem
o deus da vadiagem
fará de ti um santo.

Meu santo minha santa
Filomena tirada dos altares
quando a alma dos outros é pequena
melhor é ir a ares.

Areja Mário a pluma que sobeja
ao teu surrealismo
antes o ar de Londres que o de Beja
antes a bruma do que o sinapismo

Fornica meu poeta
sem a arnica
dos padrecas da terra.
Antes em Telavive que o tal estar
aqui
de cu pró ar
a ver quem nos enterra.

A fundo Mário se quiseres
baratinar os chuis.
Nem vinho já sabemos nem mulheres
mas os colhões de teres
os três olhos azuis.



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