3.1.04

A ESPELUNCA

Tal como eu previra, não houve transição de ano, entre nós, apenas um contínuo. Logo a abrir, a divulgação da cartinha cobarde que fala no Chefe do Estado. Não tem importância, dizem-nos, mas teve a suficiente para ser junta ao folhetim, de acordo com a burocracia e a "sensibilidade" jurídicas em vigor. Do Chefe do Estado passou-se ao Governo e seguramente que os não sei quantos volumes do "processo mais famoso de Portugal", com mais cartinhas cobardes em anexo, irão parir mais "intoxicação". Para além do desencanto e da depressão, isto provoca, pelo menos a mim, nojo. Começo a ter nojo de ter que viver aqui e de ter que trabalhar para "isto". Este "Portugal SA" não me interessa. Já há uns anos, num livrinho cuja leitura recomendo ( também não sei bem para quê nem para quem ), A Inquisição e os Cristãos Novos, de António José Saraiva, explicava-se bem a nossa propensão histórica para a denúncia anónima e para a delação manhosa. São conhecidos os resultados que isso deu. No essencial, esta cobardia societária e cultural não mudou. Até na sua exploração "política" não mudou. Por isso mesmo, julgo que o "processo propriamente dito" morrerá semi-virgem na oportunidade devida. Entretanto, continuará a servir-se requintadamente nas aberturas dos telejornais e nas capas dos jornais. Alguém, no seu perfeito juízo, pode levar as "instituições", os "pilares" do regime e o "sistema" a sério, numa socidade de patifórios acobardados no anonimato de má-fé ? Definitivamente não pode. Ao pé do "sistema", O Cabaret da Coxa, do Rui Unas, é um espectáculo de gala. Os 30 anos do 25 de Abril mereciam melhor destino do que ser comemorados, não num País, mas afinal numa espelunca, entre suínos.

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