
No dia 27 de Julho de 1970, faz hoje trinta e sete anos, desaparecia o Doutor António de Oliveira Salazar. Menos de quatro anos depois, na noite de 25 para 26 de Abril de 1974, o General António de Spínola, na RTP, anunciava o propósito, uma vez derrubado o regime do defunto, de manter a integridade da Nação "no seu todo pluricontinental". Em cerca de um ano, isto é, entre este anúncio e a independência da última colónia, Portugal cedeu gratuitamente a terceiros cerca de quinhentos anos de história. Spínola obviamente já tinha saído de cena. Para o efeito, o ministro dos negócios estrangeiros do novo regime e meia dúzia de ideólogos do MFA andaram um pouco por todo o lado a preparar a rápida transumância. A "correlação de forças" no terreno e fora dele, uma expressão tão cara ao PC, encarregou-se do resto. Valeu ao novo regime, uma vez encerrado abruptamente o ciclo colonial - sem sequer ter sido ponderado o ciclo "federal" proposto pelo antigo governador militar da Guiné - a circunstância de aquele ministro, já transformado em primeiro-ministro, e ao arrepio dos "conselhos" de brilhantes economistas que viríamos a conhecer mais tarde, ter solicitado a adesão de Portugal à então CEE. Foi este verdadeiramente o acto fundador desta outra fase da vida nacional, tal como, cinquenta anos antes, tinha sido o "28 de Maio" ou o discurso da Sala do Risco. Despojados de memória, de territórios ultramarinos, de "patriotismo" e enterrado com o Doutor Salazar um determinado registo geo-estratégico e geo-político, precisávamos rapidamente de nos agarrar a outra coisa que continuasse a justificar-nos enquanto nação. Essa outra coisa foi - é - a Europa. Salazar dizia de Marcello Caetano, seu involuntário sucessor, que era "um fraco". Era. Era-o tanto quanto foi um insigne jurista e um eminente professor. Caetano catalisou as direitas que julgavam poder escapar ao sortilégio do antigo catedrático de Coimbra. À sua sombra floresceram "alas liberais" e pusilânimes de diversas proveniências. Toda esta gente acalentou o sonho de uma direita "liberta" de Salazar: uma direita liberal, moderna e europeia. Tentaram isso com Marcello, tentaram isso, depois, com o PPD, com o PSD, com o CDS e com o PP. Este regime, com a pressa de se querer ver livre do espectro salazarento, não quis ou não soube interpretar Salazar. Preferiu escondê-lo, como se tivesse vergonha da história. Aquelas direitas partidárias também por causa do trauma do anti-fascismo. Durante os quarenta anos que governou Portugal, Salazar manteve a viabilidade do país como nação. Primeiro, preservando a independência e a integridade nacionais aquando dos conflitos espanhol e mundial de 39-45, sempre em absoluta consonância com a aliança inglesa. Depois, colocando o país na NATO, na OCDE, no Banco Mundial, no GATT e na EFTA, entre outros organismos internacionais. A terceiro-mundista ONU nunca suportou o nosso estatuto pluricontinental e apoucou o mais que pôde o regime, diminuindo a sua capacidade de acção internacional na defesa do Ultramar. Muitos compatriotas nossos, de cá e espalhados pelo mundo à conta da oposição a Salazar, juntaram-se a este coro de carpideiras emancipadoras. Salazar fez sentido enquanto não houve Europa e o país possuia uma fronteira ilimitada que ia para além do Atlântico. Salazar deixava de fazer sentido com a Europa e com um país periférico confinado à sua exígua fronteira terrestre, à burocracia demo-liberal de Bruxelas e aos negócios obscuros com as nomenclaturas que mandam nas ex-colónias. O país, esse, já tanto lhe faz ser governado por este ou por aquele, de plástico ou de plasticina, venha ele de fora ou de dentro, ou vá ele de dentro lá para fora. Em certo sentido, o Doutor António de Oliveira Salazar foi o derradeiro patriota.