
Numa intervenção no Parlamento, a semana passada, Zita Seabra chamou a atenção para o "clima persecutório, de intolerância, de intimidação, de perseguição na Administração Pública inadmissível em qualquer país democrático e assente num Estado de Direito" a propósito das "sucessivas medidas persecutórias por delito de opinião" a que o governo e os delegados do PS se têm entregado, com recurso a "delatores, que antes do 25 de Abril chamávamos, e hoje chamaremos novamente, de "informadores." E, depois, dá nota de um caso concreto que seria ridículo se não fosse trágico. "Que dizer de uma dirigente que acha normal ir à televisão defender que a forma eficaz de dar entrada da correspondência no serviço é os funcionários irem ao seu gabinete para que ela abra os sobrescritos e dê ou não entrada à correspondência? O método eficaz é ser ela a abrir e ler, uma a uma, a correspondência no seu gabinete. Todos os dias a senhora, sentada certamente – que a autoridade exerce-se sentado –, abre, frente ao funcionário de pé – que o respeitinho é muito bonito –, a correspondência que lhe venha eventualmente dirigida." E Zita conclui que importa continuar "a denunciar firmemente todas estas perseguições e tentativas de transformar a Administração Pública num campo minado por medos, por compadrios partidários, por comissários políticos e ministros capazes de aceitar que o seu gabinete seja caixa de correio de delações políticas, de pequenos denunciantes de crimes de lesa ministro." A isto, o líder da bancada absolutista, o dr. Alberto Martins, respondeu, irritado, que "o PS não recebe lições de democracia de ninguém". O dr. Martins tem uma "história" que lhe aconselharia, no mínimo, algum recato. Foi projectado para a política por causa do famoso "pedido da palavra" numa cerimónia na Universidade de Coimbra, em Abril de 1969, presidida pelo então Chefe de Estado. Era presidente da Associação Académica e o incidente foi objecto de um livro mencionado no IV Volume das "memórias" de José Hermano Saraiva - o ministro da Educação Nacional nesse momento - intitulado "Dossier Coimbra", de António da Cruz Rodrigues e José Maria Marques, da Livraria Sampedro Editora, 1969, muito raramente comentado a propósito disto e pouco abonatório da para sempre fixada pelo politicamente correcto. Por um lado, dizia-se que os tribunais absolviam os detidos "por carência de fundamento" para as acusações. Por outro, organizavam-se excursões académicas a Lisboa para pedir ao PR que os amnistiasse dos "processos pendentes". Como escreve Saraiva, a rapaziada queria "um pretexto para um 69 condigno do 68 francês". Todavia, o mais lapidar "retrato" do dito Martins fica encerrado neste parágrafo do livrinho de J. H. Saraiva. "O relato do livro Dossier Coimbra é um depoimento que não pode ser omitido no processo. O livro foi "abafado" (ignoro por quem) e triunfou a versão politicamente vencedora. Escrevo estas linhas com a desolada certeza de que não vou alterar as convicções estabelecidas. Que pode um pequeno sopro de verdade contra uma enraizada ficção política, que já tem heróis, dá dividendos (até faz ministros!) e é um dos pilares do regime instalado?" Pois é, dr. Martins. O senhor lá saberá por que não recebe lições de democracia de ninguém.