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10.10.09

NOVENTA ANOS DE JOSÉ HERMANO SARAIVA OU A DIFERENÇA ENTRE HOMENS E HOMÚNCULOS


Primeira parte da entrevista ao jornal Sol (revista Tabu). Vale a pena cotejar com as "memórias" também editadas noutra ocasião pelo Sol e que, suponho, há em livro. E compará-las com as desse monumento à reciclagem política que é Adriano Moreira, a man for all seasons, venerador de ambos os regimes e por ambos (e por Mário Crespo) venerado.
«Como ministro pouco contacto tive com ele [Oliveira Salazar]. A ideia que tinha dele era realmente a de um justo, no sentido religioso do termo. E uma homem com uma inteligência privilegiada. Grande escritor e de um grande humanismo - naqueles 40 anos não há "casos", não houve nada disso. Muito coerente, não era democrata, não acreditava na democracia. Mas alguém acredita? Contam-se umas tretas, convence-se uma malta... Mas voltando ao Salazar, penso que o país lhe deve muito. E chegou ao fim na miséria. Eu ajudei a pagar a conta dele do Hospital da Cruz Vermelha. Não há outro caso de estadista deste género. Era um homem com um grande respeito pela verdade.»

11.8.07

DESCONFIADO DOS CUSTOS DO PROGRESSO


«Os fascismos eram demagógicos, populistas, progressistas, industriais, ateus, racistas, urbanos. O espírito e a obra do professor Salazar é o contrário de tudo isso: elitista, conservador, rural, tradicionalista, crente, desconfiado dos custos do progresso, surdo ao clamor das massas, essencialmente humanista e democrata-cristão, inspirado nas encíclicas papais. Pode argumentar-se que os fascismos não eram pela democracia baseada nos partidos políticos e o dr. Salazar também não. Mas concluir que quem não é democrático é fascista, é boçal ou desonesto.»

José Hermano Saraiva, Álbum de Memórias

5.8.07

MEMÓRIAS DE SARAIVA- 2


Prosseguem, no Sol, as "memórias" de José Hermano Saraiva. No fascículo desta semana vem o desaparecimento, em Março de 1993, do irmão António que marcou gerações de portugueses interessados minimamente nesta treta. Mas também lá vêm as habituais picardias decorrentes do - graças a Deus - espírito petulante do autor. Sobre um assessor presidencial de Mário Soares, Saraiva escreve o seguinte: "Respondi, portanto, ao tal senhor do telefone, que um pedido presidencial é um assunto sério e não se trata pelo telefone. Devia, pois, enviar o convite escrito, preto no branco, e depois se veria. Aí o dialogante identificou-se: era o eng.º José Manuel dos Santos, nós até já nos conhecíamos de qualquer parte, etc. Confirmava-se a minha desconfiança: em Portugal toda a gente pode chamar-se José Manuel dos Santos.". Mais adiante, e a propósito das gentes que frequentam as escolas secundárias, Saraiva dá-nos um retrato muito fidedigno e actual: "Penso que ainda são bípedes mas já não são racionais. A percentagem de jovens deste tipo, que já nem sabe falar e vive numa penumbra instintiva, que não consegue atingir o patamar da consciência plena e responsável, é cada vez maior". Finalmente, e agora do irmão António, por ele citado, acerca de licenciaturas - um assunto tão depressa dentro como fora da "ordem do dia" -, esta reflexão: "Por este caminho, acabamos por anexar a certidão de licenciatura ao registo de nascimento. Nascem todos srs. drs., e não se fala mais nisso." Aprende-se muito com os velhinhos.

14.7.07

MEMÓRIAS DE SARAIVA


Nos seus livrinhos semanais de "memórias", José Hermano Saraiva vai ajustando contas com a petite histoire. Neste 5º exemplar, Saraiva já deixou de ser ministro da Educação - meteórico, audaz, agitado, diferente - e passou a nosso embaixador no Brasil onde o "25" o apanhou. Como se sabe, foi substituido por esse socialista tardio chamado Veiga Simão, na altura uma "jovem" promessa do "marcelismo" cuja passagem por Moçambique acabou por o aproximar desse todo-o-terreno deste regime, o ancião Almeida Santos. Tanto assim que, enquanto Saraiva foi expeditamente demitido das suas funções no Brasil depois da "abrilada", Simão seguiu imediatamente para Nova Iorque como embaixador do novo regime na ONU. Finalmente, Guterres repescou-o para ministro da Defesa de onde saiu, sem honra nem glória, depois de alguém lhe ter "puxado o tapete" com os "espiões" militares. Estava, ao fim de trinta anos, "vingada" a esperteza luso-moçambicana deste físico que tanto se gabava da sua formação anglo-saxónica. Também se recorda neste número a figura - sempre apresentada na opinião que se publica como sinistra e venal - do Almirante Henrique Tenreiro, afinal um menino de coro ao pé dos arrivistas posteriores a actuais dos nossos partidos "democráticos". Mas o período mais curioso é o dedicado a esse herói do anti-salazarismo e "grande português" (por acaso, no programa da D. Elisa foi "defendido" por esse mito jurídico-político do sistema, o dr. Júdice, mandatário de Costa para a Câmara e do governo para o rio Tejo), Aristides de Sousa Mendes. "O salvamento dos 30000 refugiados deu-se ao mesmo tempo que o cônsul de Portugal em Bordéus, em cumplicidade com dois funcionários da PIDE, falsificava algumas centenas de vistos, que vendia por bom preço a emigrantes com dinheiro. Um dos que utilizavam esta via supôs que todos os outros vieram do mesmo modo - e assim nasceu a versão, hoje oficialmente consagrada, de que a operação de salvamento se deve ao cônsul de Bordéus, Aristides de Sousa Mendes. Este, muito afecto ao Estado Novo, nem sequer foi demitido, mas sim colocado na situação de aguardar aposentação. Os seus cúmplices da PIDE foram julgados, condenados e demitidos". Aprende-se muito com os velhinhos.

José Hermano Saraiva, Como íamos dizendo, memórias, confidências e lembranças, Álbum de Memórias, 6ª Década (Anos 70) I Parte: Em Brasília), pág. 17, Edições Sol

8.7.07

LIÇÕES DE DEMOCRACIA


Numa intervenção no Parlamento, a semana passada, Zita Seabra chamou a atenção para o "clima persecutório, de intolerância, de intimidação, de perseguição na Administração Pública inadmissível em qualquer país democrático e assente num Estado de Direito" a propósito das "sucessivas medidas persecutórias por delito de opinião" a que o governo e os delegados do PS se têm entregado, com recurso a "delatores, que antes do 25 de Abril chamávamos, e hoje chamaremos novamente, de "informadores." E, depois, dá nota de um caso concreto que seria ridículo se não fosse trágico. "Que dizer de uma dirigente que acha normal ir à televisão defender que a forma eficaz de dar entrada da correspondência no serviço é os funcionários irem ao seu gabinete para que ela abra os sobrescritos e dê ou não entrada à correspondência? O método eficaz é ser ela a abrir e ler, uma a uma, a correspondência no seu gabinete. Todos os dias a senhora, sentada certamente – que a autoridade exerce-se sentado –, abre, frente ao funcionário de pé – que o respeitinho é muito bonito –, a correspondência que lhe venha eventualmente dirigida." E Zita conclui que importa continuar "a denunciar firmemente todas estas perseguições e tentativas de transformar a Administração Pública num campo minado por medos, por compadrios partidários, por comissários políticos e ministros capazes de aceitar que o seu gabinete seja caixa de correio de delações políticas, de pequenos denunciantes de crimes de lesa ministro." A isto, o líder da bancada absolutista, o dr. Alberto Martins, respondeu, irritado, que "o PS não recebe lições de democracia de ninguém". O dr. Martins tem uma "história" que lhe aconselharia, no mínimo, algum recato. Foi projectado para a política por causa do famoso "pedido da palavra" numa cerimónia na Universidade de Coimbra, em Abril de 1969, presidida pelo então Chefe de Estado. Era presidente da Associação Académica e o incidente foi objecto de um livro mencionado no IV Volume das "memórias" de José Hermano Saraiva - o ministro da Educação Nacional nesse momento - intitulado "Dossier Coimbra", de António da Cruz Rodrigues e José Maria Marques, da Livraria Sampedro Editora, 1969, muito raramente comentado a propósito disto e pouco abonatório da para sempre fixada pelo politicamente correcto. Por um lado, dizia-se que os tribunais absolviam os detidos "por carência de fundamento" para as acusações. Por outro, organizavam-se excursões académicas a Lisboa para pedir ao PR que os amnistiasse dos "processos pendentes". Como escreve Saraiva, a rapaziada queria "um pretexto para um 69 condigno do 68 francês". Todavia, o mais lapidar "retrato" do dito Martins fica encerrado neste parágrafo do livrinho de J. H. Saraiva. "O relato do livro Dossier Coimbra é um depoimento que não pode ser omitido no processo. O livro foi "abafado" (ignoro por quem) e triunfou a versão politicamente vencedora. Escrevo estas linhas com a desolada certeza de que não vou alterar as convicções estabelecidas. Que pode um pequeno sopro de verdade contra uma enraizada ficção política, que já tem heróis, dá dividendos (até faz ministros!) e é um dos pilares do regime instalado?" Pois é, dr. Martins. O senhor lá saberá por que não recebe lições de democracia de ninguém.

3.7.07

MEMÓRIAS DE ADRIANO


Estive a ler um bom bocado do último livrinho das memórias de José Hermano Saraiva. Passa-se na década de 60 e era então professor no famoso Instituto de Estudos Ultramarinos, à Junqueira, que ficou sempre conhecido pela escola de Adriano Moreira - com benevolência - ou pelo curso "da banana", com maldade. Percebo pelas palavras de Saraiva que, apesar da admiração pelo fulgor e pela inteligência de Adriano, não se gramavam. Aliás, Saraiva faz questão de frisar que é a única pessoa com quem não mantém relações. Esta leitura coincidiu com uma entrevista que Mário Crespo efectuou ao antigo ministro do Ultramar a propósito da inevitável presidência europeia. De facto, Adriano Moreira é um caso sui generis. Tudo lhe aconteceu ou muito cedo, ou muito tarde. Foi, muito novo, secretário de Estado e depois ministro de Salazar. Saiu cedo. Podia ter sido um "delfim" até porque, a avaliar por um texto de Vitorino Magalhães Godinho, escrito na altura em Moreira o varreu do seu Instituto - a ele e a outros como Jorge Dias -, possuia todos os "requisitos". O que lhe sobrava em manha, faltava-lhe, segundo Godinho, em "ciência", mas isso são contas de outro rosário. No Instituto, comportou-se sempre como um supra-Salazar. Assim se manteve até ao "25" onde, como era de esperar, sofreu uns safanões. Com a emergência das universidades privadas, Moreira aparece a dar aulas, muito concorridas, à António Maria Cardoso. Até eu, na ingenuidade deslumbrada dos meus dezanove anos, corri a ouvi-lo. Também dirigiu o CDS onde acabou por filiar-se. Recordo ter ido ouvi-lo num comício no Pavilhão dos Desportos e de o homem, com o entusiasmo, às tantas já falar como se não tivessem passado vinte anos. O resultado é conhecido. Apadrinhou Manuel Monteiro e este resultado também é conhecido. Moreira, estulto como sempre foi, adoptou a democracia e a democracia adoptou-o a ele. É tão consensual e venerado como o último democrata ou o primeiro anti-fascista. É escutado em silêncio e arrebatado na exposição. Convence pela retórica sempre luminosa. Aquando do apoucamento das universidades por este governo e por este Gago, não os poupou à sua acutilância. Não quer dizer que, se for preciso e se lhe acenarem com a veneração e o respeito a que está habituado, não lhes devolva o cumprimento. Adriano Moreira, numa palavra, aguentou-se. É um sobrevivente da sua própria história, em alguns momentos - como os relatados no 3º volume das memórias de Saraiva -, desagradável. Não admira, pois, que este regime o tenha como "senador" por entre Mário Soares, Dias Loureiro, João Salgueiro, Freitas do Amaral ou, até, já Jorge Coelho. Moreira sempre foi um institucionalista e, para o pior e para o melhor, esta gente já tem trinta anos disto enquanto ele tem seguramente mais umas boas duas dezenas deles. Como se costuma dizer, ele é que os topa. Eles, coitados, nunca o toparam.

20.6.07

DA PETULÂNCIA

"Porquê esse desejo de todos me verem pelas costas? A resposta [do irmão António José Saraiva] surpreendeu-me: «És das pessoas mais inteligentes e puras que conheço. Mas tu também sabes isso e não o ocultas de ninguém. O teu grande defeito é a petulância. As pessoas aceitam melhor a incompetência, o desmazelo, a inferioridade, que a petulância. E tu és petulante. Mas isso não tem cura.»

José Hermano Saraiva, Como íamos dizendo... (memórias, confidências e lembranças), Álbum de Memórias, I Volume, Junho de 2007