31.5.05

TRABALHO DE CASA

José Medeiros Ferreira, na sequência do referendo francês e das reacções oficiais portuguesas, explica sucintamente qual é o bom "trabalho de casa" para os próximos tempos.

LER...

... no Nova Frente, A Palavra e a Mentira. E continuar a ler e a contribuir para o Despesa Pública, salvo seja.

POR QUE...

... é que o Senhor Presidente da República não dá o exemplo do seu "espírito patriótico" poupando uns milhares de euros nas patéticas comemorações do 10 de Junho, que deslocam o "país oficial" todinho para Guimarães?

A FRENTE DA RECUSA...

... francesa. Para ler no Le Monde.

La France de 2005 présente donc tous les signes d'une angoisse sociale majeure. Car ce n'est pas seulement un rejet des institutions européennes qui s'est exprimé. C'est aussi la peur que font peser sur chacun le chômage et la mondialisation. Et la profonde défiance des électeurs à l'égard de leurs représentants politiques (...) Mais le ralliement majoritaire à un vote protestataire s'accompagne d'un nouveau phénomène, qui est aussi un enjeu pour l'ensemble des partis de gouvernement : la forte défiance des jeunes générations. Comme en 1992, les plus de 65 ans ont voté oui, dimanche. Mais toutes les autres tranches d'âge de la population ont voté non. Le traité a ainsi été rejeté par 59 % des Français ayant entre 18 et 24 ans, mais aussi, dans la même proportion, chez les 25-34 ans. C'est pourtant chez les 35-49 ans que le non atteint son plus haut niveau (65 %). Il y a treize ans, cette génération-là, alors âgée de 22 à 36 ans, avait voté à 52 % pour Maastricht.

Vejam lá se, por cá, conseguem perceber.

SETE PALMOS DE TERRA

O estado geral da pátria - aquele em que já nos encontrávamos e aquele que o governo prepara - só é aceitável para crentes. Como ensina a Igreja e recomenda o ex-cardeal Ratzinger, a verdadeira vida é a eterna. O resto não passa de uma sucessão de episódios e de equívocos sem importância. Acontece que, apesar das suas amplas distracções, Deus não dorme. Não fosse a bovinidade uma característica geral da raça, e quiçá o referendo sobre a Constituição europeia poderia tornar-se em algo parecido com o que aconteceu em França ou com o que acontecerá amanhã na Holanda. O verão, porém, amolece os corações e dá folga à carteira. O empadão "referendo-autárquicas" fará o resto. Os portugueses só deverão perceber lá mais para diante que já estão "sete palmos de terra" abaixo do razoável. De qualquer forma, não existe vida eterna para quem não acredita.

MELANCOLIA PRESIDENCIAL

Por causa da "concertação social", esse mito inventado, salvo erro, nos tempos do "bloco central", o sr. Presidente da República apelou ao ethos patriótico dos trabalhadores e dos patrões, em particular, e de todos nós, de uma maneira geral. Sampaio, que não se quis meter demasiadamente na primeira versão do "filme" do défice, protagonizada estoicamente por Manuela Ferreira Leite - nessa altura, é bom lembrar, "havia mais vida para além" dele -, decidiu agora acudir aos trabalhos de Sócrates nesta remake colorida do mesmo filme. Tirando Sampaio que, para sua felicidade, vive consoladamente em estado permanente de utopia, suspeito que o apelo ao patriotismo não surta grande efeito. As coisas foram longe demais para que alguém esteja disposto, de ânimo leve, a abdicar da sua vida "videirinha". Sobretudo quando se olha para os últimos três anos e se recorda que, afinal, a montanha nem sequer chegou a parir um rato. Como disse Vasco Pulido Valente, este pathos converteu-se numa "anarquia mansa" na qual verdadeiramente nada nem ninguém é levado excessivamente a sério. Compreendo, por isso, a melancolia presidencial. Ao fim de dois mandatos, Jorge Sampaio não conseguiu entender o país que o elegeu.

30.5.05

ENTENDER OU ENGANAR?

Alguns adeptos do "sim", quando olham para o lado oposto, vêem por lá "uma federação de medos". Lembram-me um ditame bíblico: "a sabedoria do prudente é entender o seu caminho, a estultícia dos tolos é enganar".

FINANÇAS À PARTE

A reunião extraordinária do Conselho de Ministros, que aprovou o "plano de consolidação das finanças públicas nacionais", não dedicou uma palavra - pelo menos que se saiba - às autarquias ou às regiões autónomas. Será que estas duas entidades são "filhas de um Deus maior", protegidas designadamente pelos signos de Outubro, ou será que não cabem no conceito de "finanças públicas nacionais" ? Parece que, "finanças" à parte, os contribuintes são os mesmos. Ou não são?

LER OS OUTROS

... no Random Precision, O Miguel Rolha. Assunto encerrado.

QUENTE E FRIO

Muito sinceramente, eu espero que a dra. Ana Gomes apareça rapidamente e várias vezes a defender o "sim" português. O seu glamoroso "optimismo", agora furioso com os franceses, é um bálsamo divertido para suportar o gongorismo de Freitas do Amaral, o arcadismo de Oliveira Martins ou, no limite, o fundamentalismo constitucionalista de Durão Barroso que aparentemente continua a não querer ver o que é evidente. Vale a pena ler o seu texto " a quente" no Causa Nossa. E vale a pena imaginar, daqui a uns meses, o que será um debate "pró-sim" entre, quem sabe, Vitorino, Marcelo e a própria Ana Gomes. Já li e vi muita coisa sobre o "29 de Maio". Talvez o melhor seja o pequeno texto de Luís Salgado Matos no Público, Os Novos Pobres (sem link), seguramente pensado "a frio". O processo de elaboração da "Constituição" europeia é o melhor exemplo do aumento do défice democrático: foi votada numa assembleia de "ancien régime", nomeada - quando a tradição constitucional europeia exige assembleias eleitas -, será ratificada por parlamentos nacionais, na ordem do dia corrente, entre a regulamentação das praias perigosas e a adaptação da rede dos jardins infantis à queda da taxa de natalidade. A elite tem agora que consultar a massa - que hoje segue os seus dirigentes menos do que ontem porque vê o célebre Modelo Social Europeu a desfazer-se sobre as marteladas globalizadoras. É a globalização que acentua aquela cisão entre a elite e a massa. A globalização é o aumento do comércio livre. É um novo passo na infindável revolução burguesa. Se gera novos ricos, faz nascer novos pobres. É a eles que por certo se refere D. José Policarpo quando no sermão do Corpo de Deus salientou as "condições aviltantes e a pobreza envergonhada" existentes em Lisboa. E na Europa, acrescentemos. Esta miséria material é envolta numa miséria moral bem mais terrível. A Europa tem medo. Medo dos imigrantes, do desemprego, do crime, do vizinho, do futuro. Se os sistemas políticos se deixarem deslegitimar pela cisão entre patrícios e plebeus, de um momento para o outro, a crise assumirá uma gravidade insuspeita. Como dizia um amigo, numa "sms" de ontem: seria engraçado ver alguns epígonos do "sim" a trabalhar numa fábrica de volantes de automóveis e a acordar todos os dias com o espectro de o patrão os mandar para a Roménia.

É VERDADE QUE...



Adenda: Em alguma blogosfera também perpassa um sentimento fúnebre por causa do voto francês. Não vale a pena. A "honra perdida" dos burocratas redime-se, entre nós, em Outubro, num momento verdadeiramente à nossa altura. Vital Moreira, Marcelo, Vitorino, Freitas, Marques Mendes, Ribeiro e Castro, Paulo Portas, Santana Lopes, Jorge Coelho, Medeiros Ferreira, Edite Estrela, Cavaco Silva, Sócrates, Eduardo Lourenço, E. Prado Coelho, Graça Moura e tutti quanti vão partilhar o "debate europeu" - que se espera "profundo" e "esclarecedor" - com a tagarelice dos autarcas e dos candidatos a autarcas os quais, obviamente, estarão interessadissimos nesse "debate". É que a "Europa" não dá nada e o Major Valentim Loureiro, por exemplo, sempre dá ou já deu frigoríficos.

29.5.05

LER...

... no Sítio do Não os resultados do referendo em França e os comentários respectivos. Como dizia o Eça, a França arde para iluminar o Mundo!

POR CÁ...

... não vai haver o mais vago debate sobre a "Constituição europeia". Não está na mentalidade do mendigo. Enquanto de Bruxelas escorrer um vintém, e tirando meia dúzia de excêntricos, toda a gente, se votar, vota "sim". Não se morde a mão que nos dá o pão.

Vasco Pulido Valente

LER...

A EUROPA DA BOA CONSCIÊNCIA E A CONSCIÊNCIA DA EUROPA



Sob o signo da chantagem e de verborreias apocalípticas sobre o "futuro da Europa", os franceses pronunciam-se hoje sobre a Constituição Europeia. Sabemos que o que move a maioria do eleitorado gaulês não é tanto esse "futuro" quanto o seu próprio e de meia dúzia de questões caseiras. Acontece que a Europa está em nós - franceses ou portugueses - há demasiado tempo para que não seja encarada como cosa nostra. Ao contrário do que a torpe "pedagogia" do "sim" insinua, aquilo a que eu chamaria "a consciência europeia" não se adquire automaticamente como acontece com a mera transposição jurídica, feita "a frio", das directivas e dos regulamentos burocráticos de Bruxelas. A "consciência europeia" é um dado cultural fundamental que caldeia todos os contributos de uma comunidade de nações, unidas na sua diversidade e, como tal, geradoras de um cosmopolitismo aberto ao mundo. Não é nem jamais poderá ser a concretização de uma ambição medíocre traduzida na uniformização de procedimentos para tudo e mais alguma coisa, desprovida de imaginação política e de uma visão de futuro. A "consciência europeia" - pelo menos aquela que eu defendo - não é seguramente mais feliz pela via da "administrativização" da vida dos indíviduos e das empresas, nem tão-pouco por lhes impingir, a torto e a direito, uma "norma". Esta é que é a verdadeira "Europa branca" de que fala Eduardo Lourenço no Público, num texto jesuiticamente temerário e prudentemente institucional. A "Europa branca", aliás, é excelentemente encarnada por esse modelo de "neutralidade virtuosa" que se chama Durão Barroso. É essa "Europa da boa consciência" - bem diferente da "consciência europeia" de que falei - que é hoje julgada em França, por mais que as questiúnculas domésticas pesem. Lá como cá, a Europa não está do lado de fora. A única diferença é que nós somos mais panhonhas e gostamos muito do "respeitinho", venha ele de onde vier. Tudo somado, a vitória do "não" representará a derrota da "Europa da boa consciência" e a vitória da "consciência da Europa". E isso é que importa.

EM FRANÇA, HOJE É DIA DE VOTAR...

28.5.05

A ANATOMIA DO "MONSTRO"...

... continua a fazer-se no DESPESA PÚBLICA, um blogue aberto pela Grande Loja, na sequência da sugestão de Saldanha Sanches, apontada no post anterior, Os Alvos Certos.

OS ALVOS CERTOS

Sob o título "Os cortes orçamentais- que alvos?", José Luís Saldanha Sanches, no Expresso-Economia, explica que, para controlar a despesa pública, "alvos não faltam: o modo como alguns sectores do Estado gastam o dinheiro dos contribuintes revela, nalguns casos, uma tal imaginação que merecia um prémio". Relembra, a título exemplificativo, "os submarinos do dr. Portas", "as equipas de futebol da Madeira a concorrer na divisão principal à custa de dinheiros públicos" ou "a GNR com milhares de homens fechados em quartéis à espera do golpe de Estado ou da insurreição popular". Saldanha Sanches cita "pequenos exemplos": "há pavilhões gimnodesportivos de terras sem habitantes tão vazios como as cabeças dos adidos culturais de algumas embaixadas portuguesas", "comarcas com juiz, ministério público e funcionários, mas sem processos", o Estado que "gasta milhões com advogados para não perder processo sobre processo", quando "os ministérios continuam a ter auditores e auditorias destinados a defender os interesses do Estado". Na sua opinião, "os apertos financeiros do Estado português deviam pôr tudo isso em causa: mas tal como não há nenhuma racionalidade no crescimento do Estado (vai crescendo ao abrigo de impulsos momentâneos), também não há nenhuma racionalidade no corte das despesas públicas". Cita a Grande Loja a propósito do "colégio" do Instituto de Reinserção Social, onde 31 almas asseguram a "recuperação" de nove(9) jovens delinquentes e faz votos "para que a sua recuperação seja tão completa que acabem por ser canonizados". Foi por causa deste episódio que me lembrei de proceder - com a ajuda dos meus eventuais leitores - à "anatomia do "monstro" no "Portugal dos Pequeninos", correspondendo involuntariamente ao apelo de Saldanha Sanches: "Tudo isto pode continuar ou não. Depende da opinião pública. Um prémio sobre a forma mais imaginativa de gastar o dinheiro dos contribuintes deixaria o júri perante as maiores dificuldades. Mas era bom que o concurso começasse já e que os alvos para os cortes começassem a ser identificados. Ninguém fará um blogue só com este objectivo, para que a enumeração comece e os alvos sejam devidamente identificados?" É - conclui ele - "o único modo de evitar que os cortes nas verbas das quantias destinadas aos cavalos da GNR ou do Instituto de Reinserção Social não sejam percentualmente iguais aos cortes nas verbas destinadas ao serviço de urgência do Hospital de S. João". Continuemos, pois, a descobrir os alvos certos.

A BOA RESPOSTA É "NÃO"

É o bom conselho da revista The Economist para os referendos em França e na Holanda. A partir do "Sítio do Não" e do Público. A revista britânica The Economist aconselhou ontem franceses e holandeses (estes votam dia 1 de Junho) a votarem "não" à Constituição europeia, assegurando que uma tal rejeição permitirá "uma pausa para reflectir" e não constituirá de forma alguma uma catástrofe para a União Europeia. "Um "não" será a boa resposta nos referendos francês e holandês (...) e uma boa resposta para a Europa", declara a revista no seu editorial.
"Uma derrota da Constituição não será a catástrofe que os eurófilos parecem temer: a vida vai continuar, mesmo em Bruxelas, e uma União que viveu durante meio século será certamente suficientemente forte para se acomodar a uma desfeita ocasional dos eleitores. Se fizer uma pausa para reflectir, isso poderá mesmo vir a ser rentável", defende a Economist. A revista considera que "as divergências de pontos de vista e os preconceitos nacionais na União Europeia são de tal forma consideráveis que é errado tentar fazer entrar cada vez mais domínios num quadro único." Um tal processo centralizador "tem limites".

A BEM DA NAÇÃO

1. Está em curso, pelo menos com alguma persistência desde há três anos, uma interessante "ofensiva" contra a "administração pública", contra o "Estado" e, no topo do bolo, contra a "função pública". Parte do país fala destas entidades como se vivesse noutro país e como se, em momento algum, nunca tivesse tocado ou sido tocado por elas. Respeitáveis sibilas, ilustres governantes, maravilhosos jornalistas, lustrosos académicos, todos, todos sem excepção, dia sim, dia não, lançam o seu pedaço de gasolina para a fogueira. Até neste blogue se anda a "dissecar" o célebre "monstro" através de pequenos exemplos de desperdícios e de actos de gestão aparentemente incompreensíveis. Apesar da frivolidade do meu exercício, nunca perdi a noção do que é que estamos a falar quando falamos do Estado. O Estado é aquilo que nós, portugueses, somos e nós somos aquilo que o Estado é.
2. É, aliás, curioso- o termo é propositadamente benevolente - verificar como muitos dos que tanto criticam a "gordura" da administração pública, já por lá andaram a chafurdar ou dela receberam ou recebem ainda a sua fatia. Quando se fala em "função pública", aquilo a que o Estado Novo chamava de "servidores", não se pode perder de vista o que é que lá cabe. Do corpo diplomático ao coveiro municipal, das magistraturas ao escriturário, dos médicos aos "técnicos de limpeza", dos professores aos contínuos, dos conservadores de museus aos técnicos tributários, dos catedráticos aos investigadores, dos motoristas aos corpos policiais, todos "servem" o Estado e por ele são pagos. Trabalham melhor ou pior? Estão bem ou mal distribuídos? São muitos ou são poucos? É mais ou menos equitativa a organização interna e a remuneração respectiva? São geridos correctamente? Para responder a estas questões, existem tutelas políticas, directores-gerais e chefias intermédias. E centena de presidentes de câmaras municipais, nunca se esqueçam deles. Em suma, uma "hierarquia" cuja competência e sentido de responsabilidade deviam ser permanentemente escrutinados. Tenho, no entanto, imensas dúvidas que o sejam.
3. Há, naturalmente, uma quantidade razoável de felizardos que podem acumular o que recebem do "monstro" com as suas actividadezinhas privadas. Dispenso-me de enumerar, basta exemplificar: juristas que exercem advocacia ou consultadoria, economistas que são revisores oficiais ou técnicos de contas, professores que dão aulas em estabelecimentos privados de ensino, escrevem nos jornais (eu também escrevo, mas é "de borla") e "comentam" na televisão, normalmente "contra" o Estado, polícias que são seguranças privados nas horas vagas, médicos e enfermeiros que repartem o seu tempo pelo SNS e pela "privada" e por aí fora. Ou seja, juntando os "funcionários" todos, os respectivos agregados familiares e as suas "ligações" mais ou menos perigosas, constata-se que quase toda a gente já foi "invadida" pelo Estado ou está à espera do o poder "invadir".
4. Veja-se o caso dos chamados grandes grupos económicos e financeiros. Na primeira oportunidade facultada por um governante amigo, também se aproveitam. A "sociedade civil" de onde eles emergem, bem como o glorioso "tecido empresarial português", raramente passam de uma ficção encenada a preceito para esconder a falta de imaginação e a subsídio-dependência. Esta gente passa o tempo na lamúria, em "colóquios" e a escrever cartinhas à "administração pública" a pedir coisas. Num país onde as "estruturas produtivas" são a miséria que se conhece, o Estado é fatalmente omnipresente.
5. Hipocrita e secretamente, todos suspiram para que assim seja e para que assim continue a ser. Por tudo isto, este clima de "guerra civil" que anda a ser alimentado por protagonistas de diversas proveniências, pode vir a ter consequências desastrosas para o equilíbrio democrático da sociedade portuguesa. Muito do eleitorado que vai efectivamente votar, é filho dilecto ou bastardo do Estado. Em menos de quatro anos, esse eleitorado já quis tudo e o seu contrário. É ele, afinal, quem verdadeiramente decide o que é "a bem da Nação".

27.5.05

ANATOMIA DO "MONSTRO" - 6

De António Alvim, esta "lembrança": Investigue-se os valores pagos em "outsourcing" às empresas de segurança dos centros de saúde e suas extensões, e hospitais. O mesmo para as empresas de limpeza. O mesmo referente às escolas. Na realidade, existem centenas de organismos públicos apetrechados com verdadeiros batalhões de "seguranças". A mais nuns lados, a menos em outros. Estes contratos têm custos elevados (eu sei do que falo porque, em ponto "pequeno", e em nome de um teatro nacional, subscrevi alguns) e seria interessante auditar, na razão custo/benefício, alguns deles.

ANATOMIA DO "MONSTRO" - 5

Via Reformista, de António Alvim, e não só: as trapalhadas com a colocação dos professores em que estiveram envolvidos David Justino, Abílio Morgado e Maria do Carmo Seabra, como responsáveis políticos da defunta coligação pela área da Educação, custaram ao erário público cerca de 20 milhões de euros. É, afinal, uma obra.

APRENDAM!

Questionado por que razão o governo holandês, à semelhança de Jacques Chirac, não faz um apelo ao voto no "sim" no referendo da próxima semana, o primeiro-ministro holandês explicou que os holandeses preferem o debate de ideias às declarações de voto. Aprendam!

DEPOIS DO "NÃO"



A dois dias do referendo em França, importa recensear alguma coisa que possamos aproveitar para o "day after" e, sobretudo, para nós. No Sítio do Não Francês convém ler este "Não da Esperança" de alguém que participou na redacção do tratado constitucional e da Carta dos Direitos Fundamentais e que é presidente da Comissão Económica e Monetária do Parlamento Europeu. É insuspeito: é membro do Partido Socialista Francês. Das razões apresentadas, traduzo (livremente) as que me parecem mais pertinentes para o "nosso" debate.
Os chefes de Estado e de Governo:
- suprimiram do texto final da Constituição a exigência de transparência que a Convenção pretendia impôr aos trabalhos do Conselho;
- não eliminaram a referência à "herança religiosa" e simultaneamente desvalorizaram o papel da Carta dos Direitos Fundamentais;
- retiraram da Constituição os tímidos avanços obtidos na Convenção na luta contra os "paraísos fiscais";
- retiraram os poderes do Parlamento Europeu em matéria de negociação do orçamento;
- consagraram uma Europa estilo "barco ébrio"/"bateau ivre", sem bússola nem farol que a oriente;
- não podem esperar a adesão a um texto que Tony Blair "venderá" aos ingleses sob o lema "isto-não-muda-nada";
- consagraram ligeiras correcções em relação a Nice, porém sem cuidarem de um projecto que faça avançar a Europa.
E conclui: "Depois do "não" francês, os europeístas sinceros, aqueles com os quais queremos ir em frente, deverão despir-se de preconceitos. E poderão fazê-lo a partir da dinâmica que será criada pelo "não" francês e no sentido de se relançar o projecto europeu, por forma a que a Europa possa funcionar sobre uma outra sustentação que não a do Tratado de Nice".

SIGILOS

Quando se ouviu falar em quebra do "sigilo fiscal", toda a gente acenou gravemente com a cabeça em sinal de concordância. Na SIC, o sr. ministro Campos e Cunha esclareceu que vamos ser salvos a prestações até sensivelmente 2008. E falou da questão do "sigilo fiscal" como uma das formas de combater o défice, particularmente destinada a "envergonhar" e a "embaraçar" o falso declarante perante o seu vizinho.No entanto, o sr. ministro omitiu quais seriam as consequências jurídico-fiscais a retirar da exposição e do opróbio públicos. Pôr o jornal 24 Horas a vender mais exemplares? Excitar a inveja e o ressentimento, duas das mais doces características portuguesas? Consultar pornografia fiscal na internet? Parece-me que foi lançada, certamente com a melhor das intenções, uma peneira para tapar o sol. A partir de 1 de Julho, com a entrada em vigor da nova taxa do IVA, a fuga fiscal vai aumentar. Os dos rendimentos superiores a 60 mil euros anos também farão tudo para declarar diferente. E por aí fora. Talvez o senhor ministro quisesse dizer "sigilo bancário" lá onde escreveu "sigilo fiscal". Só a quebra legitimada do primeiro pode ser de alguma utilidade cidadã. O vouyerismo fiscal assim anunciado não resolve problema nenhum nem envergonha ninguém, muito menos num país onde já quase toda a gente perdeu a vergonha há muito tempo.

ANATOMIA DO "MONSTRO" - 4

Do leitor Armando Esteves Fonseca, uma "achega" para a anatomia do "monstro". Aproveito para continuar a "desafiar" quem quiser, desde que devidamente identificado, para dar testemunho de algum "tentáculo" - pequeno ou grande - que seja do seu conhecimento. Prometo que, no final, mando tudo para o e-mail dos ministros responsáveis pelo sector em causa. Vamos "ajudar" o governo nas tais "auditorias trimestrais" a todos os ministérios, não vá ele esquecer-se de as fazer.


Abre-se uma "Casa da Cultura", iniciativa de louvar numa cidade de estudantes, com tão poucas salas de leitura e de estudo. Esperar-se-ia um local publico (da responsabilidade da Autarquia) virado para o utente. Desengane-se o utente: o local é agradável, está razoavelmente equipado mas, o utente logo se apercebe que mais importante que servir bem é criar um numero razoável depostos de trabalho, mesmo que inúteis e sem racionalidade. Assim, observa-se 2 ou 3 funcionários na recepção e bengaleiro, outro para fornecer os filmes DVD alugados, 3 ou 4 para atender o cliente (quando houver disponibilidade) relativamente à requisição de livros ou admissão na sala de leitura, 1 ou 2 funcionários para distribuir as pessoas na sala de leitura (tarefa complexa e de grande responsabilidade), mais um para as fotocópias e outro para fornecer os diários da républica requisitados. Sentamo-nos finalmente, espantados com tamanha organização. Mas desengane-se o utente: que uma das funcionárias tem também a tarefa desgastante de todos os dias cerca das 12h 25 minutos e das 18h20 ou 25 minutos (consoante a pressa nesse dia) dizer em voz alta bema udível, em toda a sala de leitura: Vamos fechar! Caramba que ainda nem há 2 horas entráramos e só agora nos estávamos precisamente a concentrar e a render o trabalho. Refira-se que a casa abre às 10 horas e encerra aos sábados às 16horas, aos domingos e feriados. Entretanto parece que noutros países Europeus existem Bibliotecas e salas de estudo abertas desde as 9 horas às 23 horas, sem encerrar para o almoço, e abertas ao fim de semana. Não têm é tantos funcionários!

ANATOMIA DO "MONSTRO" - 3

Do "colega blogueiro"/leitor António Duarte, este contributo para a anatomia do "monstro":

Metade do Caminho...

Portugal prepara-se para gastar em 2005 :
Juros Bonificados para habitação : 400 milhões de Euros.
Formação Profissional : 900 Milhões de Euros.

Pagamento às SCUTS em 2005 : 400 Milhões de Euros.As taxas de juros hoje, não justificam hoje, a manutenção de um encargo tão elevado para o Estado. Mas mais grave é alguém conseguir explicar como pode o Estado português gastar 900 Milhões de Euros em formação profissional, quando todos os dias, ouvimos, que o nosso problema é a falta de qualificação dos nossos trabalhadores. No que às SCUTS diz respeito, que sentido faz insistir num modelo que daqui para à frente será cada vez mais oneroso.Estão aqui, grosso modo, 1,7 mil milhões de euros. Metade da despesa pública que Campos e Cunha, quer que em 2008, não exista. Basta querer.
Nota : Dados transmitidos por Medina Carreira numa entrevista hoje à SIC Notícias.

26.5.05

O SENHOR QUE SE SEGUE

O nosso amigo Paulo Gorjão fica deliciado cada vez que brota um nome "presidenciável" do Largo do Rato. Manuel Alegre? Um excelente candidato. António Vitorino? Isso nem se fala. Soares II? Por que não? Vitor Constâncio? Outra extraordinária hipótese. Com o devido respeito, não ocorre a Paulo Gorjão que este "jogo da cabra-cega" só é revelador de uma coisa muito simples: o PS não tem a mínima ideia do que fazer com as eleições presidenciais. Eu sei que Vitor Constâncio estima a sua gravidade ao ponto de provavelmente se achar subtilmente presidenciável. Acontece que, a ser assim, o dr. Constâncio já representaria uma quarta escolha, numa falha notória de vontade própria e , por assim dizer, um "amanho". E nós podemos legitimamente perguntar: e por que não uma quinta, uma sexta ou uma dúzia delas? Para além disso, vai ficar associado a esta peripatética do défice, como uma espécie de "prefeito para a congregação da doutrina" do dito. Uma associação - pouco auspiciosa, aliás - que começou com Durão Barroso e Ferreira Leite, e se prolonga com Sócrates e Campos e Cunha. Como escreve a Ana Sá Lopes no Público, "a avaliar pelo caos que atravessa o PS em matéria presidencial, o primeiro que se apresentar corre o "risco" de ser nomeado". Quem será, pois, o "excelente candidato" que se segue?

ESQUIZOFRENIA

José Sócrates e o governo iniciaram um caminho aparentemente irreversível para o seu privado Gólgota. No dia do Corpo de Deus, a coincidência não podia ser maior. Com inteira honestidade intelectual, Sócrates confrontou o país com a sua miséria sumptuosa. Como deve ser do conhecimento dele, os miseráveis não suportam ser confrontados com a sua miséria. E, depois, algumas das "medidas", ou só produzem resultados a médio ou a longo prazo (e,aí, o governo seguramente será outro e outras serão as "medidas"), ou produzem resultados imediatos mas diminutos face à dimensão da coisa. Há, no entanto, um resultado imediato que os media, particularmente as sabidas televisões, não se cansarão de provocar. Em poucas horas, o calvário do governo passou inteirinho a ser o calvário de milhões de portugueses, indivíduos e empresas, grandes e pequenas. A "forma" como os noticiários, os artigos e os comentadores - mesmo os mais elogiosos - "puseram a coisa", suscitaram um pequeno pânico junto da opinião pública que, daqui em diante, será imparável. A aceleração vida pública registada nos últimos anos, na qual qualquer político mais desprevenido pode passar, sem saber como, de bestial a besta ou vice-versa, não concede grande margem de manobra ao PS. Ninguém verdadeiramente está disposto a ser incomodado com restrições e maçadas dos género daquelas que o primeiro-ministro explicou. Aliás, a maior parte do eleitorado que deu a maioria absoluta ao PS fê-lo no pressuposto de que não ia ser excessivamente perturbado. Da torrente castradora apresentada, escaparam as autarquias. Não terá sido por acaso. Se não foi, é de lamentar. Contudo, não será por isso que o "bom povo" não deixará de fazer notar a Sócrates, em Outubro, que não aprecia a maçada. O calvário de Sócrates já começou. Junta-se-lhe agora o nosso. Se isto não é pura esquizofrenia colectiva, então não sei o que é.

CHANTAGEM

Este é o tipo de argumento que dá imediatamente vontade de votar "não". Segundo o "paizinho" institucional da Constituição Europeia, o sr. Valery Giscard D'Estaing, o voto contrário à aprovação do Tratado Constitucional representa um "gesto inamistoso e agressivo para com os nossos parceiros que aceitaram que a presidência da Convenção fosse entregue a um francês", na circunstância, ele próprio.

25.5.05

ANATOMIA DO "MONSTRO" - 2

O Estado pagou ou vai pagar 105 mil euros de indemnização a Pedro Burmester, na sequência das trapalhadas com a Casa da Música. Consta que o outro administrador "despedido", Rui Amaral, exigirá mais. Dir-me-ão: "peanuts". Sim, não é essencialmente por aqui. Tal como não é por muito "congelar" os salários de conselhos de administração de empresas públicas ou equiparadas que a coisa melhora. Isto é puro "fogo-de-vista" populista. O problema surge quando se somam estes e outros "peanuts" e se lhes junta, por exemplo, as "macro" da Educação e da Saúde.


Nota: Os putativos leitores deste blogue que possam contribuir para a "anatomia do monstro", façam favor de escrever que eu publico, desde que não seja anónimo. A minha ideia é dar exemplos muito concretos, de preferência pouco conhecidos ou divulgados, da forma como se "alimenta" o "monstro".

ANATOMIA DO "MONSTRO"- 1

Até por se tratar de uma situação que conheço razoavelmente bem, não resisto a reproduzir um post sonegado à Grande Loja, lamentando, no entanto, o anonimato do autor. Se já havia qualquer coisa de absurdo nisto há três, quatro anos, constato que não se registaram entretanto alterações significativas. Aí está um bom sítio - tão bom como outro qualquer - para começar o trabalho de "avaliação" anunciado por José Sócrates. Para além do que evidencia este texto, o Instituto de Reinserção Social possui uma pesadissima estrutura de direcção "intermédia", tipo "em cascata", absolutamente injustificada. Não é, naturalmente, "filho único". Por outro lado, e como se constatou no "caso Vanessa", as famosas "equipas de reinserção social", tantas vezes afogadas no jargão mais primitivo da "psicologia social", passam amiúde ao lado do fundamental. O IRS deve ser um dos instrumentos para a prossecução da "política criminal" do governo e não propriamente um local para elaborados "testes psico-sociais" de reduzida valia prática.
Seisvirgulaoitentaetrês

Acompanhei esta manhã a visita do Senhor Ministro da Justiça a um dos centros de reeducação de menores, geridos pelo IRS (...não, é o outro, o Instituto de Reinserção Social).O Centro conta com modelares instalações, nas quais não faltam piscina e picadeiro e estábulo com vários cavalos, para aulas de equitação. Nele trabalham 31 funcionários administrativos, de todas as categorias, desde director e sub-director a tratador de cavalos. Para além destes 31 administrativos, conta ainda com a indispensável colaboração de 9 professores, médico e até um sacerdote, embora estes últimos não trabalhem ali a tempo integral. Ao todo são mais de 50 (cinquenta) funcionários e prestadores de serviços que, diariamente, ali labutam de forma esforçada, em prol da reinserção social de jovens que, por uma razão ou por outra, se desviaram das normas sociais estabelecidas ou, como dirá o sacerdote, que pecaram. Um último pormenor: estão internados neste centro 9 (nove) jovens.

A EUROPA DOS CRETINOS

Para ler a partir do "sítio do não português", um texto "irónico" de Michel Onfray no "sítio do não francês" . Experimentem retirar as referências exclusivamente gaulesas no texto e substituam-nas pelas nossas... Entretanto soube-se que o governo francês gastou mais de 130 milhões de euros no envio de exemplares da "constituição europeia" aos seus concidadãos. Sem aparente efeito: as últimas três sondagens registam uma avanço significativo do "não" no referendo de domingo. Por cá, como não há dinheiro nem vontade política de debater o assunto, vamos "misturar" o referendo com as eleições autárquicas, o que representa uma forma manhosa e pouco séria de o enfrentar.


L’Europe des crétins

por Michel ONFRAY


Les gens qui vont voter Non à la constitution européenne sont des crétins, des abrutis, des imbéciles, des incultes. Petit pouvoir d’achat, petit cerveau, petite pensée, petits sentiments. Pas de diplômes, pas de livres chez eux, pas de culture, pas d’intelligence. Ils habitent en campagne, en province. Des paysans, des pécores, des péquenots, des ploucs. Ils n’ont pas le sens de l’Histoire, ne savent pas à quoi ressemble un grand projet politique. Ils ignorent le grand souffle du Progrès. Ils crèvent de peur.
Jadis, ces mêmes débiles ont voté non à Maastricht ignorant que le oui allait apporter le pouvoir d’achat, la fin du chômage, le plein emploi, la croissance, le progrès, la tolérance entre les peuples, la fraternité, la disparition du racisme et de la xénophobie, l’abolition de toutes les contradictions et de toute la négativité de nos civilisations post-modernes, donc capitalistes, version libérale.
L’électeur du Non est populiste, démagogue, extrémiste, mécontent, réactif. C’est le prototype de l’homme du ressentiment. Sa voix se mêle d’ailleurs à tous les fascistes, gauchistes, alter mondialistes et autres partisans vaguement vichystes de la France moisie, cette vieille lune dépassée à l’heure de la mondialisation heureuse. Disons le tout net : un souverainiste est un chien.
En revanche, l’électeur du Oui est génial, lucide, intelligent. Gros carnet de chèque, immense encéphale, gigantesque vision du monde, hypertrophie du sentiment généreux. Diplômé du supérieur, heureux possesseur d’une bibliothèque de Pléiades flambant neufs, doté d’un savoir sans bornes et d’une sagacité inouïe, il est propriétaire en ville, urbain convaincu, parisien si possible. Il a le sens de l’Histoire, d’ailleurs il a installé son fauteuil dans son sens et ne manque aucune des manies de son siècle. Le Progrès, il connaît. La Peur ? Il ignore. Le debordien Sollers, le sartrien BHL [Bernard Henry-Lévy] et le kantien Luc Ferry vous le diront.
Bien sûr le Ouiste a voté oui à Maastricht et constaté que, comme prévu, les salaires s’en sont trouvé augmentés, le chômage diminué et fortifiée l’amitié entre les communautés. Le votant du Oui est démocrate, modéré, heureux, bien dans sa peau, équilibré, analysé de longue date. Sa voix se mêle d’ailleurs à des gens qui, comme lui, exècrent les excès : le démocrate chrétien libéral, le chiraquien de conviction, le socialiste mitterrandien, le patron humaniste, l’écologiste mondain. Dur de ne pas être Ouiste...
Citoyens, réfléchissez avant de commettre l’irréparable !

O MESMO?

Não faço ideia sobre o que Sócrates vai falar. Não me interessa. Tenho a experiência, dolorosa, da contabilidade falhada de Manuela Ferreira Leite e do fogo-de-artifício de Bagão Félix. Com uma e com o outro, nem a despesa diminuiu nem a receita cresceu. Exigiram-se contas de merceeiro, "sacrifícios", "contenção" e é o que se vê. Áreas da governação, como a cultura, andaram três anos a fazer figura de corpo presente e assim, pelos vistos, vão continuar. Repito. Não me interessa o "discurso" de Sócrates. Interessa-me sobretudo perceber se, apesar das contas, ele vai governar. Se a tal "vida para além do défice" tem espaço para respirar ou se a imaginação política deu definitivamente lugar ao "homem da Regisconta" em versão "democrática". Este blogue, na sua modesta iconoclastia, espelha quase dois anos de frustração. Não queria passar os próximos dois a dizer substancialmente o mesmo.

SÓ FALTA ELE

Não temos dinheiro para "mandar cantar um cego", mas em compensação temos o Benfica, o dr. José Barroso e agora o eng. º António Guterres, convocado para Alto Comissário da ONU para os Refugiados. Os protagonistas das duas mais extraordinárias fugas às responsabilidades políticas domésticas foram bem recompensados lá fora. Espero que desta vez nos poupem à tagarelice da "honra" e do "orgulho" nacionais com que a estupidez jubilatória brindou a chegada de Barroso à Comissão Europeia. O que é que o mundo reservará para Pedro Santana Lopes? Só falta ele para a nossa glória ser absoluta.

24.5.05

SEM COMENTÁRIOS

No seu Bicho Carpinteiro, Medeiros Ferreira cita com oportunidade o Velho Ditador, "sem comentários":

"Em 1928 era assim:

Mas não tenhamos ilusões: as reduções de serviços e despesas importam restrições na vida privada, sofrimentos, portanto. Teremos de sofrer em vencimentos diminuídos, em aumento de impostos, em carestia de vida... é a ascensão dolorosa de um calvário. Repito: é a ascensão dolorosa de um calvário. No cimo podem morrer os homens, mas redimem-se as pátrias.(Salazar
)"

NÃO EXISTEM SOLUÇÕES TÉCNICAS PARA PROBLEMAS POLÍTICOS

Para ler no Blasfémias.

EM FRANÇA...

... Nada de novo em relação a todas as sondagens mais recentes dos restantes institutos: depois da recuperação do "Sim" na 1ª metade de Maio, o "Não" volta a ganhar ascendência. Para ler no Margens de Erro, de Pedro Magalhães.

A FÁBULA

Um a um, todos os responsáveis políticos pela pasta das Finanças nos últimos anos vêm aparecendo nas televisões a perorar sobre o défice e a melhor maneira de o extirpar. Pôem um ar grave e, imagine-se, não coram de vergonha. Continuam a levar-se a sério e querem que nós, naturalmente, os levemos a sério. Reparem que, seja qual for o "quadrante" partidário, são sempre os mesmos. Em fábula, isto equivale a pedir a uma meia dúzia de gatos pardos que tome conta de um bando de pardais verdadeiramente "apardalados". No fim, não sobra pena nem asa.



Adenda: Nem tudo foi mau. Eduardo Catroga - praticamente todo -, o ECORDEP (Estrutura de Coordenação da Reforma da Despesa Pública) de Pina Moura, algo que o "bonzinho" Guterres ignorou, e a "lei de estabilidade orçamental" de Manuela Ferreira Leite constituem progressos interrompidos pelas intermitências políticas. Francamente má, apesar de se tratar de uma excelente pessoa, foi a passagem de Guilherme Oliveira Martins pela Praça do Comércio. O Centro Nacional de Cultura assenta-lhe melhor. Por pudor, devia pura e simplesmente abster-se de "comentar" estas matérias.

23.5.05

OUTRO?

Num local remoto do país, uns criminosos quaisquer fogem no carro da "autoridade" policial. As claques labregas do futebol vandalizam transportes públicos e agridem-se umas às outras nas ruas. Os partidos, os "parceiros sociais" e o governo estatelam-se aos pés de um défice crónico e aparentemente incontrolável. A economia não medra. Estamos a uns dias do dia 28 de Maio. Será preciso outro?

VIAGEM AO FIM DA NOITE

A partir de hoje, as carpideiras têm motivos de sobra para as habituais ladaínhas. Vitor Constâncio já rezou a sua missa encomendada de sétimo dia e Sócrates prepara-se para oficiar em conformidade. É, aliás, este o momento certo para se apresentar ao país com o seu ar charmoso de agente funerário. Não lhe faltam motivos. A economia - aquilo que verdadeiramente interessa - continua deprimida e, ou não cresce, ou avança anã. O governo, depois de uns fogachos e encerrado o capítulo futebolístico, vai certamente tentar enfrentar a realidade. Não estou, porém, certo que a realidade queira ser enfrentada. Nem aqui, nem na Europa de que tanto se fala. O que está a acontecer na Alemanha, o que pode acontecer em França depois de domingo, por exemplo, indicia muito maus tempos. A nossa endémica periferia será das primeiras a pagar a factura. E paga a dobrar. Paga por razões internas e paga pela circunstância de as duas maiores economias da União se encontrarem politicamente fragilizadas. Isto é demasiado sério para ser tratado aos berros, com demagogia ou com exercícios idiotas de recriminações recíprocas. Também não vale a pena "dramatizar". O que o país menos precisa é de "actores dramáticos" e de "reprises" medíocres. Provavelmente vão ser os mesmos a pagar a dita factura, com mais ou menos "preocupações sociais", com mais ou menos "coesão". A sorte da gente que nos governa - os de hoje, os de ontem e os de amanhã - é que, descontando meia dúzia de lunáticos, anda tudo bovinamente resignado. Esta anestesia democrática, no entanto, é perigosa. O "regime", onde quase todos os "actores principais e secundários" já passaram pelo "palco", está a caminho de uma viagem ao fim da noite na qual poderá não conhecer o caminho de regresso.

22.5.05

LER OS OUTROS

... no Blasfémias, Este ainda é o país dele. Mas, meus caros amigos, ainda tinham dúvidas? Esta é mais uma "noite dos desdentados" por conta de todas as televisões generalistas. Viva o "povo" ou a canalha, como preferirem. Vai dar ao mesmo.

A EUROPA DIVINA

Com o "debate" acerca da Constituição Europeia entre nós a dar os primeiros passos pela mão dos defensores do "não", parece-me importante ler a reflexão de Jean Baudrillard, publicada no jornal Libération, sob o título A Europa Divina. Baudrillard, em síntese, denuncia o "imperativo categórico" que surge por detrás dos adeptos optimistas do Tratado, a quem chama "a coligação da boa consciência" ou a "Europa Divina". Por isso o "não" jamais pode ser visto como um "não" à Europa, mas antes como um "não" ao "sim" que nos é imposto. Digo "nós", porque, no essencial, o discurso oficial "branco" e albanês a favor do "sim" em Portugal, procede desta mesma raíz, é filho dilecto do "pensamento único" que tantos "sins" dizem combater. E alerta para o "regresso" à divisão entre os que supostamente estão do "lado bom do universo" e os que se colocam do "lado das trevas da história". Este episódio da Constituição Europeia e do referendo revela a que ponto as coisas foram encaminhadas pela "Europa virtual e da simulação", no sentido de se instituir este "jogo" com "pergunta/resposta circular" no qual a pergunta não tem outra resposta senão um "sim" a ela própria. Baudrillard conclui da seguinte forma: "Seja qual for o resultado, este referendo, imobilizado entre o "sim" e o "não" como entre o 0/1 do cálculo numérico, não passa de uma peripécia. A própria Europa não é mais do que uma peripécia a caminho de um desfecho bem mais grave, o do apoucamento da soberania colectiva em cujo horizonte se antevê um outro perfil para além daquele do cidadão passivo ou manipulado: trata-se do cidadão refém, do cidadão tomado como refém pelos poderes, isto é, um sequestro que consiste numa forma de terrorismo, numa forma democrática de terrorismo de estado."


L'EUROPE DIVINE,
Por Jean Baudrillard

De toute façon les jeux sont faits puisque si le non l'emporte cette fois, on nous fera revoter jusqu'à ce que le oui l'emporte, comme on l'a fait pour le Danemark et l'Irlande (donc, autant voter oui tout de suite...). Ceci nous laisse toute liberté pour nous interroger sur la flambée du non en avril et sur les raisons de cette dissension tenace et silencieuse. Car cela seul a fait événement. La reprise en main du oui n'étant que celle d'une normalisation inexorable, seul le non fait mystère. Un non qui n'est pas du tout celui de ses défenseurs officiels, dont l'argumentation politique est aussi hétéroclite que celle du oui. D'ailleurs, le non d'inspiration politique n'aurait jamais suffi à faire flamber les sondages, et c'est lui qui régresse lentement sous la pression du oui... Le plus intéressant, la seule chose passionnante dans ce référendum en trompe l'oeil, c'est ce non qui se cache derrière le non officiel, ce non d'au-delà de la raison politique, car c'est celui-là qui résiste, et il faut qu'il y ait là quelque chose de bien dangereux pour que se mobilisent ainsi toutes les énergies, tous les pouvoirs confondus pour la défense du oui. Cette conjuration panique est bien le signe qu'il y a un cadavre dans le placard. Ce non est bien évidemment une réaction automatique, immédiate, à l'ultimatum qu'a été dès le début ce référendum. Réaction à cette coalition de la bonne conscience, de l'Europe divine, celle qui prétend à l'universel et à l'évidence infaillible, réaction à cet impératif catégorique du oui, dont les promoteurs n'ont même pas supposé un seul instant qu'il pouvait constituer un défi ­ et donc un défi à relever. Ce n'est donc pas un non à l'Europe, c'est un non au oui, comme évidence indépassable. Personne ne supporte l'arrogance d'une victoire a priori ­ quelles que soient ses raisons (lesquelles, dans le cas précis de l'Europe, ne sont rien moins que virtuelles). Le jeu est fermé d'avance, et tout ce qu'on sollicite, c'est le consensus. Oui au oui : derrière cette formule devenue banale se cache une terrible mystification. Le oui lui-même n'est plus exactement un oui à l'Europe, ni même à Chirac ou à l'ordre libéral. Il est devenu un oui au oui, à l'ordre consensuel, un oui qui n'est plus une réponse, mais le contenu même de la question. Ce qu'on nous fait subir, c'est un véritable test d'europositivité. Et ce oui inconditionnel génère spontanément, par une réaction à la fois d'orgueil et d'autodéfense, un non tout aussi inconditionnel. Je dirais pour ma part que le vrai mystère, c'est qu'il n'y ait pas une réaction plus violente, plus majoritaire encore, pour le non et contre cette oui-trification. Il n'y a même pas besoin de conscience politique pour avoir ce réflexe : c'est le retour de flamme automatique contre la coalition de tous ceux qui sont du bon côté de l'universel ­ les autres étant renvoyés dans les ténèbres de l'Histoire. Ce sur quoi les forces du oui et du Bien se sont trompées, c'est sur les effets pervers de cette supériorité du Bien, et sur cette sorte de lucidité inconsciente qui nous dit qu'il ne faut jamais donner raison à ceux qui l'ont déjà. Déjà, lors de Maastricht et du 22 avril, les forces politiquement correctes, qu'elles soient de droite ou de gauche, n'ont rien voulu savoir de cette dissidence silencieuse. Car ce non en profondeur n'est pas du tout l'effet d'un «travail du négatif» ou d'une pensée critique. C'est une réponse en forme de défi pur et simple à un principe hégémonique venu d'en haut, et pour lequel la volonté des peuples n'est qu'un paramètre indifférent, voire un obstacle à franchir. Il est évident que pour cette Europe conçue selon un modèle de simulation qui doit être projeté à tout prix dans le réel et auquel chacun est sommé de s'adapter, pour cette Europe virtuelle, copie conforme de la puissance mondiale, les populations ne sont qu'une masse de manoeuvre qu'il faut annexer de gré ou de force au projet pour lui servir d'alibi. Et les pouvoirs ont bien raison de se méfier partout du référendum et de toute expression directe d'une volonté politique qui, dans le cadre d'une véritable représentation, risquerait de tourner mal pour eux. Ce sont donc les parlements qui, la plupart du temps, seront chargés de blanchir l'opération et d'avaliser l'Europe en douce. Mais nous sommes habitués à cette malversation de l'opinion et de la volonté politique. Il n'y a pas si longtemps, la guerre d'Irak a eu lieu grâce à une coalition internationale de tous les pouvoirs contre la volonté exprimée, massive et spectaculaire, de toutes les populations. L'Europe est en train de se faire exactement sur le même modèle. Je m'étonne d'ailleurs que les partisans du non ne fassent pas usage de cet exemple éclatant, de cette grande première dans le mépris total pour ­ la voix des peuples. Tout cela dépasse de loin l'épisode du référendum. Cela signifie la faillite du principe même de la représentation, dans la mesure où les institutions représentatives ne fonctionnent plus du tout dans le sens «démocratique», c'est-à-dire du peuple et des citoyens vers le pouvoir, mais exactement à l'inverse, du pouvoir vers le bas, par le piège d'une consultation et d'un jeu de question/réponse circulaire, où la question ne fait que se répondre oui à elle-même. C'est donc, au coeur même du politique, la faillite de la démocratie. Et si le système électoral, déjà miné par l'abstention, doit être sauvé à tout prix (avant même de répondre oui, l'impératif catégorique est de voter à tout prix), c'est qu'il fonctionne à l'envers d'une véritable représentation, dans l'induction forcée de décisions prises «au nom du peuple» même si, secrètement, celui-ci pense le contraire. Il y a donc, derrière l'abréaction immédiate à la «pensée unique» de l'Europe, incarnée par le oui ­ pensée libérale d'une Europe qui, faute d'inventer une autre règle du jeu, n'a d'autre solution que de se dilater et de s'agrandir par annexions successives (à l'image de la puissance mondiale), il y a donc, dans le non dont nous parlons, dans le refus de cette Europe-là, le pressentiment d'une liquidation bien plus grave que l'emprise du marché et des institutions supranationales ­ la liquidation de toute représentation véritable ­, au terme de quoi les populations seront définitivement assignées à un rôle de figuration, dont on sollicitera de temps en temps l'adhésion formelle. Quant au résultat final, un certain suspense demeure : si c'est bien, selon toute vraisemblance, l'hégémonie insolente du oui qui a suffi à générer le sursaut révulsif du non, alors la recrudescence de la campagne en faveur du oui devrait logiquement engendrer un renforcement du non. Mais il n'est pas sûr que ce non venu des profondeurs de ce qu'on a pu appeler jadis les majorités silencieuses, résiste à une intoxication massive. Il y a fort à parier que nous allons repartir vers une régulation consensuelle, sous l'autorité spirituelle de tous les pouvoirs. Quel que soit le résultat d'ailleurs, ce référendum, coincé entre le oui et le non comme entre le 0/1 du calcul numérique, n'est qu'une péripétie. L'Europe elle-même n'est qu'une péripétie de plus sur la voie d'une échéance bien plus grave, celle d'une déperdition de la souveraineté collective ­ à l'horizon de quoi se dessine un autre profil que celui du citoyen passif ou manipulé : celui du citoyen-otage, du citoyen pris en otage par les pouvoirs, c'est-à-dire ­ la prise d'otage étant devenue la figure même du terrorisme ­ une forme ­ démocratique ­ de terrorisme d'Etat.

Adenda: Ler no Sobre o Tempo que Passa, O Sim através do Não.

CONTRA O OPTIMISMO OBTUSO

Do suplemento Actual do Expresso, retenho quatro coisas interessantes: a entrevista de António Guerreiro a Alberto Manguel, "Babel revisitada", sobre o livro e a "concorrência" da "web"; o artigo de Joaquim Manuel Magalhães, "Poesia que não se defende a si mesma", sobre o barroco poético português; a entrevista a Allain de Botton, autor de "Status Ansiedade" ("a misantropia pode representar uma calibragem perante o optimismo obtuso e doentio da nossa época") e o artigo do entrevistador, Paulo Nogueira, sobre o livro (tradução de Pedro Serras Pereira para a Dom Quixote): "Como antídoto contra a angústia do status, o ensaísta sugere a "misantropia inteligente" de Schopenhauer, cuja posição é curta e grossa: o que é que interessa aquilo que uma cambada de bestas pensa de nós?... E, afinal de contas, é melhor ser um falhado inteligente do que um idiota eficiente (acho)". Também acho.

A INCREDULIDADE ...

... estampada no rosto e no gesto de Salazar quando, além túmulo, lhe revelaram que, quase oitenta anos depois, andavam à volta com o défice. "Essa gente não tem emenda", comentou, divertido, o ditador. E acrescentou: "Também, o que é se pode pode esperar de um país cujo primeiro rei e pai da Pátria batia na própria mãe e a pôs na prisão? Eu levei quase cinquenta anos a tentar perceber e ainda hoje, mesmo depois de morto, graças a Deus, não tenho nenhuma certeza". Não resistindo à pilhéria e antes de regressar à tumba, o mais ilustre varão do Vimieiro ainda teve tempo para murmurar: "E diziam que comigo era só vinho tinto, futebol e fado... Estes rapazes da democracia, afinal, aprenderam tudo comigo. É preciso dar ao povo só e exclusivamente o que o povo pode e quer ver. Ao menos que ganhe o Benfica, do meu velho amigo Eusébio. Ainda se chamará Eusébio?"

OS PEQUENOS INIMIGOS

Tantos laços a quebrar, acanhamentos secretos a vencer, pequenos combates a travar... Teme-se ser... de uma singularidade insustentável, não ser semelhante a não importa quem... a falsa coragem espera pelas grandes ocasiões: a coragem verdadeira consiste em vencer todos os dias os pequenos inimigos... Um homem sem comunhão. A verdade da vida estava do lado daqueles que não tinham vencido. Esses não estão sós, pensou. Sabem para onde vão.

Paul Nizan

21.5.05

PARA O ARGUMENTÁRIO DO "NÃO"

A entrevista de Laurent Fabius ao Le Monde: "Je constate aussi que plusieurs arguments développés par le oui peinent à convaincre. "Votez oui, sinon vous n'avez rien compris au texte" : cela sent un peu l'arrogance. "Oui, ou vous n'êtes pas européen" : beaucoup de proeuropéens vont voter non. "Oui, car les autres pays disent oui" : alors pourquoi nous consulter si nous n'avons aucun choix ? "Oui, et il sera possible de renégocier ensuite" : dans ce cas, pourquoi cela serait-ce impossible avant ?" Para o Sítio do Não.

LER...

... no Esplanar o "retrato" fabuloso de António Costa Pinto, uma luminária institucional da história pátria contemporânea, devidamente apascentada pelos vários poderes, executivos e presidenciais. Num outro plano, o Expresso conta que Marques da Costa, também das bandas da "história política" e assessor presidencial precisamente para a "política", vai a Oxford proferir uma conferência sobre os tempos do governo Santana Lopes e a posição do Presidente sobre o mesmo. Talvez ele consiga explicar aos ingleses por que é que foi um dos defensores da hipótese Santana Lopes junto de Sampaio e um dos melhores "interlocutores" de Belém junto da defunta coligação e vice-versa. A "história" destes cortesãos há-de, um dia, ser contada.

PAUL RICOEUR (1913-2005)

Paul Ricoeur, um dos grandes filósofos do século XX, agora desaparecido, questionou, entre outras coisas, o papel da "consciência" como estando na base do célebre "sujeito" estudado pela filosofia tradicional, com paragem obrigatória, por exemplo, em Descartes ou em Kant. Chamou a Marx, Nietzsche e Freud, os "mestres da suspeita". Com eles, explicou Ricoeur, deu-se início à discussão sobre o "sujeito fundador","central" e "consciente" inventado pela metafísica, o "velho" sujeito senhor de si e do mundo. Marx, Nietzsche e Freud, ao trazerem para o debate um sujeito dobrado pela sociedade, pela história e pelo inconsciente, respectivamente, inauguraram uma "outra" prática filosófica, marcada pela suspeita, na qual nada pode ser tomado como definitivo e onde a contingência, a dúvida e a incerteza são as "regras" possíveis. Cristão, e ele próprio "sujeito" da história, Paul Ricoeur fica como uma das mais lúcidas vozes do pensamento contemporâneo - indispensáveis os seus contributos recentes sobre a justiça e sobre "o justo", a propósito de casos judiciais conhecidos - justamente quando o "pensamento" passa por um período de ocaso e de infantilização.

DE RABO NA BOCA

A questão "Campos e Cunha pode sair" merece maior atenção e menos ironia. De certa maneira, Vasco Pulido Valente, nos seus artigos no Público de ontem e de hoje ("Uma questão política" e "Sete luminárias", sem links disponíveis), explica o essencial. Em 1983, quando ainda não pertencíamos à então Comunidade Europeia, Mário Soares e Mota Pinto formaram um governo, dito de "bloco central", para "salvar" a economia e as finanças públicas. Soares disse ao seu ministro das Finanças, Ernâni Lopes, para fazer o que era preciso fazer, doesse a quem doesse, que ele, Soares, "cobria" politicamente tudo. Assim aconteceu. E nas eleições de 1985, o PS perdeu mais de 20 por cento do seu eleitorado e Mário Soares começou as presidenciais de rastos. Já não estamos em 1983, não nos espreita o FMI (agora chama-se Comissão Europeia), mas a situação tem demasiadas semelhanças. Ali como hoje, trata-se de uma questão de governabilidade do país, ou seja, de uma questão política. Exibir bons académicos, excelentes contabilistas e luminosos "técnicos" não chega. Não só não chega como não resolve praticamente problema nenhum. O ministro das Finanças, num quadro como o nosso actual, tem de ser porventura o mais político dos ministros, logo seguir ao primeiro-ministro. Cavaco Silva chegou lá rapidamente, ainda com Sá Carneiro. O poder "absoluto" que exigiu e obteve posteriormente, mostra que até ele, o supremo "tecnocrata", intuiu que tudo passava pela "política". Por isso, a aparente força da independência "política" de Campos e Cunha, acaba por ser sua maior fraqueza. Manuel Pinho - já se percebeu - não conta. E José Sócrates, por mais que se esprema, não é Mário Soares. Estamos, pois, de novo, com a "pescadinha de rabo na boca".

SAÍDAS

Campos e Cunha pode sair? Se houvesse eleições legislativas amanhã, quem não saía de casa era eu.

20.5.05

CAVACO



Passaram 20 anos sobre a mais célebre rodagem de um automóvel feita até hoje em Portugal. No Casino da Figueira da Foz, local de paragem desse automóvel, a figura esquálida do seu proprietário impôs-se à canzoada “laranja” em busca de um chefe. Meses depois, em Outubro, o praticamente desconhecido professor de economia conquistava o lugar de primeiro-ministro. Seguiram-se duas maiorias absolutas que, para o melhor e para o pior, mudaram a “vida material” do país. Sem pergaminhos “históricos” na “luta” pela democracia, arrostando com o ódio de classe da “esquerda caviar” e da “direita colorida”, Cavaco Silva domesticou ambas durante dez anos. Tinha a seu crédito um perfil de autoridade irrepreensível, sustentada no voto popular maioritário, algo que a democracia portuguesa ainda não tinha experimentado. No final da década, agastado com o nepotismo partidário que floresceu à sua volta, foi-se embora. Os honrosos 46 por cento que obteve nas presidenciais contra Sampaio, em 1996, representaram a gratidão possível num território, a política, onde ela é quase sempre “letra morta”. Neste momento, e se o quiser, Cavaco está a uns escassos meses de ser eleito Presidente da República. No poder e fora dele, aprendeu. Quando chegou à Figueira da Foz era uma espécie de “anti-político”. Hoje é um dos poucos políticos com a seriedade e o prestígio imaculados. Goza de uma rara respeitabilidade geral que meia dúzia de lugares-comuns idiotas e recorrentes não chegam a ferir. Tem a vantagem, sobre os seus adversários e inimigos, de saber o que quer. Eles só sabem que não querem Cavaco. Como “alternativa”, convenhamos que é confrangedora. Na hora da verdade, não deixarão de lhe apontar as “amizades”, os “apoios” e o “passado”, em nome de um “combate ideológico” anacrónico no qual o país não está minimamente interessado. Cavaco, no entanto, já paira sobre tudo isso e há muito tempo. Os “sinais” mais recentes mostram que, apesar de Sócrates, a vida pública permanece deficitária de uma austera credibilidade democrática. A hipótese presidencial de Cavaco é o lance seguro para a garantir.

O "SR. EUROPA"

Numa rápida passagem pela periferia, José Manuel Barroso declarou, com aquele ar de que "não-é-nada-comigo", que "Portugal tem mais margem para a consolidação orçamental" e que era preciso "determinação" para levar a cabo o que for preciso para a garantir. À beira de completar-se um ano sobre a sua irresponsável fuga, Barroso vem agora "dar lições" ao pagode como "Sr. Europa". Também por causa deste "Sr. Europa" - que vai aparecer em tudo o que é palanque a favor do "sim" - muita gente será tentada a votar "não" no referendo à Constituição Europeia. Ele representa dignamente o que há de mais detestável em Bruxelas. E nós, pelo menos, não temos quaisquer desculpas para não o conhecermos. Ou será que já se esqueceram dele? Pobre, pobre Europa...

19.5.05

SE...

... isto for verdade, Sócrates estará a dar "esperança de vida" ao cancro autárquico e a dizer a todos os outros que há "iguais mais iguais". Por outro lado, não consegue escapar ao jargão "eleitoralista". A questão é muito simples. Ou o governo "deixa entrar" a "realidade" para a debelar ou a "realidade" encarregar-se-á de tomar conta dele.

LER...

O LADO NEGRO DA FORÇA ESTÁ ENTRE NÓS

18.5.05

É A VIDA

A "auto-estima" nacional, já de si um bocadinho frouxa, foi certamente abalada pelo rude golpe da Alvaláxia. Depois de tanto folclore "nacionalista" durante todo o dia, os compatriotas de Putin acabaram da melhor maneira, com uma taça ao colo. São péssimas notícias para Sócrates que contaria certamente com a bola para temperar a "rédea curta" que terá de anunciar em breve aos incréus. E também quando os primeiros "erros de casting" do governo se começam a pressentir. Como dizia o ex-favorito, é a vida.

O SÍTIO DO "NÃO" II

Seguindo a sugestão de JPP, relembro um texto de Novembro de 2004 sobre a Constituição Europeia. Ainda "havia" Pedro Santana Lopes, Durão Barroso tinha acabado de passar um mau bocado na aprovação da sua Comissão e o referendo estava previsto para agora e não em Outubro próximo, como parece que irá acontecer.

NÃO, OBRIGADO
Circunspectos e desconfiados, os chefes de estado e de governo da União Europeia foram a Roma subscrever a “Constituição europeia”. Apesar das poses de circunstância e da gravitas exigida pelo momento, ninguém ignora que este transe não é seguramente dos melhores. Mesmo assim, não há plumitivo que não manifeste a sua “fé” neste extraordinário texto jurídico-político supostamente destinado a elevar a nossa condição de “cidadãos europeus” e a glorificar a burocracia de Bruxelas. Entre nós, nem mesmo o dr. Sampaio resistiu a exibir uma prosa melancólica nos jornais em defesa da “Constituição”, enquanto Santana Lopes, pouco à-vontade, se estreava nestas lides e José Sócrates apelava vigorosamente ao voto positivo em futuro referendo. Tudo isto se passou no rescaldo da infeliz prestação de Durão Barroso por causa da sua Comissão. Ao ceder ao “politicamente correcto” perante um PE tão reforçado pelas disposições do novo tratado como diminuído no perfeito equívoco da sua representatividade política, Barroso ficou prisioneiro de um sistema que, contrariamente ao que se supõe, não augura nada de bom para o futuro próximo da Europa. Na realidade, a “Constituição europeia”, um produto exclusivamente gerado entre os salões das cimeiras e os corredores anódinos do funcionalismo europeu, pouco ou nada diz ao “cidadão europeu” que tanto é citado. Aliás, a construção de uma “Europa virtual”, feita no sossego dos gabinetes e entre duas ou três chamadas de telemóvel, deverá custar caro aos seus virtuosos promotores, já que a “cidadania europeia” permanece na mais profunda ignorância em relação ao que efectivamente se passa. Também é verdade que as actuais lideranças políticas da Europa não ajudam ao exercício. A elas cabe a difícil tarefa de tentar convencer os respectivos cidadãos nacionais da bondade do tratado que subscreveram. Porém, que tipo de confiança pode gerar nas opiniões públicas nacionais e europeia a generalidade das criaturas que compareceram em Roma na semana passada? Suponho que muito pouca. A política doméstica já prepara um “consenso” albanês para o “sim” no referendo anunciado para a Primavera de 2005, sob o alto patrocínio do Senhor Presidente da República. Os poucos que ousarem opor-se a este artificialismo doentio, em nome de uma ideia diferente e verdadeiramente cosmopolita da Europa, deverão ser sumariamente considerados como anti-patriotas mal formados ou marginais enfurecidos. Eu, pelo menos, não me importo.

O SÍTIO DO "NÃO"

Em boa hora, José Pacheco Pereira lembrou-se dos defensores do "não" à Constituição Europeia. sobretudo dos que não são nem "pc's", nem "bloquistas" nem outra coisa qualquer, mas que se preocupam com os destinos da Europa e do país nela. Criou um blogue, O Sítio do Não, para nele se juntarem os que entendem que vale a pena a blogosfera "politicamente incorrecta" nesta matéria, se pronunciar. JPP justifica assim esta iniciativa:


Todos aqueles que querem votar “não” e não se revêem no “não” do PCP e do BE à Constituição Europeia, de que estão à espera para organizar um movimento que explique as suas razões aos portugueses? Ou o derrotismo face à gigantesca coligação do “sim”, com todos os partidos e todos os meios, já impera? Os partidários do “sim” usam toda a sua força institucional. O Presidente da República já anda em campanha pelo “sim” nas escolas, mostrando que nesta matéria não se importa de ser presidente só de uma parte dos portugueses. Sócrates, Vitorino, Cavaco, Marcelo, Marques Mendes e Portas virão defender o “sim”. O dinheiro da Comissão e do Parlamento Europeu já flui para encartes, artigos, panfletos e colóquios com os pódios ou as audiências cuidadosamente equilibrados para se parecer que se debate, quando não se debate, ou, quando se debate, não haver exposição pública dos argumentos do “não”. Está na hora de se exigir à rádio e à televisão públicas um acesso igual aos defensores do "sim" e do "não", como é suposto numa democracia.Senão tudo será, como já é, prudente, sottovoce, regrado e controlado para que o “sim” ganhe pela porta de trás, sub-reptício, a reboque de umas eleições autárquicas em que, está-se mesmo a ver, a questão europeia vai ser muito discutida. Está pois na altura de criar um movimento, um fórum de debate público, um ajuntamento, seja lá o que for, para explicar porque razão se deve pensar duas vezes antes de assinar de cruz um tratado cujas implicações podem ser trágicas para quem deseja uma Europa unida mas uma Europa de nações e não uma híbrida construção transnacional, pouco democrática, subordinada a um directório franco-alemão e a uma burocracia internacional que funciona, como todas as burocracias, para aumentar o seu poder.

E conclui:


Há um conjunto de blogues e de co-autores de blogues que são a favor do “não” à Constituição Europeia. Não têm as mesmas razões, nem os mesmos argumentos, mas o movimento do “não” tem que ser agregador, não sectário e ter fronteiras largas. A sugestão que faço é criar-se um blogue do “não” para que todos contribuam começando um debate organizado, mesmo que o façam duplicando aí as notas que originalmente publicam nos seus sítios. Para facilitar criei um blogue, SÍTIO DO NÃO, como sugestão. Não posso, no entanto, garantir aí mais do que colaboração, nunca a gestão solitária do sítio para que não tenho disponibilidade de tempo. Entregarei a casa e as chaves a quem queira seriamente tratar do assunto, ou encerrá-lo-ei caso apareça melhor iniciativa com o mesmo fim.

VALE A PENA?

Às primeiras horas do dia, não há praticamente nenhum meio rádio e televisivo que não bombardeie com o jogo da bola da noite. Há "reportagens" nos "pontos" mais inverosímeis e com as perguntas mais idiotas, como se todos e em todo o lado tivéssemos a obrigação de acompanhar o desenlace de uma taça de futebol. Não adianta dourar a pílula com gente desta. E é esta mesma gente que se "indigna" quando lhe pedem sacrifícios. Será que, com uma raça destas, vale mesmo a pena alguma coisa?

UMA BIOGRAFIA

17.5.05

O MÁGICO NÚMERO SETE...

... é o título do post de José Medeiros Ferreira que reproduzo seguidamente e que serve para saudar o blogue Bicho Carpinteiro que o antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e respeitado Amigo inaugurou esta semana com Joana Amaral Dias e Maria João Regala. A seguir atentamente como sugere o Paulo Gorjão.

Ninguém saberá quantificar ao certo o nosso deficit orçamental. Já aconteceu o mesmo com a França no ANCIEN REGIME. Quando começaram as contas de Necker, começou A REVOLUÇAO. Deste modo o recente número 7 é um verdadeiro número mágico. Tanto pode pecar por excesso como não. Qual será o próximo número? E porque se tolera tanto os erros dos orçamentistas?

O JOVEM CULTO II

Prossegue, no Diário de Notícias, o texto de Manuel de Lucena sobre Hitler, O Jovem Culto. A primeira parte está aqui.


"No pólo oposto ao de Heiden e Domenach está Kimberley Cornish, filósofo australiano descendente de ingleses, alemães e judeus, que em 1998 publicou um livro algo estranho, The Jew of Linz (Londres, Century Books) cujo subtítulo esclarece tratar-se de uma digressão sobre "Wittgenstein, Hitler e a sua secreta batalha pelo espírito". Nem menos. Batalha pelo espírito ou pela mente o original reza mind. Na exposição seguinte usarei a tradu- ção francesa (Wittgenstein contre Hitler, Paris PUF), que, saída no mesmo ano, corrige erros do texto original, reordena os seus capítulos e acrescenta um interessante prefácio do autor. É um livro com duas dimensões:

a) Uma, filosófica, aborda precisamente o problema da natureza do espírito (ou da mente). De acordo com Cornish, Hitler coincide com Wittgenstein quando este nega que cada pessoa tenha o seu espírito e que haja tantos espíritos quantas as pessoas (um comentador chama a isto "teoria da não-propriedade privada do espírito"), mas afasta-se dele quando nega que o espírito seja universal, comum a todos os homens, afirmando muito pelo contrário a existência de um espírito ariano, exclusivo da "boa raça". O filósofo australiano não pretende que Hitler tenha chegado a esta concepção por razões essencialmente intelectuais ou que "fosse capaz de a defender num seminário em Cambridge"; e antes pensa que ele "simplesmente partilhou a visão mística" de Ludwig Wittgenstein, à qual este "só mais tarde deu revestimento lógico". Mas nem por isso deixa de filiar o pensamento de ambos em Schopenhauer, cuja filosofia muito frequentada terá sido pelo jovem Adolf; e censura quem ao considerar o nazismo se recusa a reconhecer-lhe profundidade filosófica.

b) Histórica, a outra dimensão assenta no facto - desconhecido até 1987 - de Hitler e Wittgenstein terem sido contemporâneos na Realschule de Linz, estabelecimento de ensino secundário; e explora a hipótese de eles aí se terem enfrentado num conflito ao qual o Mein Kampf faz alusão e que os terá marcado para sempre. Não havendo nenhuma positiva notícia de que os dois rapazes, que não frequentavam o mesmo ano, se deram realmente um com o outro (há uma fotografia colegial onde surgem juntos, mas, nela, a identidade de W., muito provável, não é absolutamente evidente), Cornish acha todavia inverosímil que "duas personalidades tão dominadoras", dois tamanhos "prodígios da linguagem" - um teórico dela por excelência e o outro grande mestre da sua prática - tenham andado na mesma escola, ao mesmo tempo, sem se tocarem. E, não se conformando com esta ideia põe-se a investigar minuciosamente a passagem de ambos por Linz, bem como a inserção da poderosa família Wittgenstein nos círculos económicos, políticos e culturais, austríacos e não só; e, ainda, as relações que com essa família Hitler e a sua terão estabelecido. Chegando a extraordinárias conclusões. Por um lado, a de que o ódio de Hitler pelos judeus, além de precoce e não tardio como pretendem conceituados historiadores, foi de origem muito pessoal, fruto do seu recontro com W. e com a família deste Karl Meier-Wittgenstein, pai de Ludwig, grande industrial e mecenas, apoiou pintores da Secessão vienense, aos quais Hitler se opunha, e protegeu músicos judeus (e não judeus, como Brahms) inimigos do seu amado Wagner; para já não falarmos da possibilidade, mais vaga, de uma avó de Hitler ter ficado grávida de um príncipe Sayn-Wittgenstein em cujo palácio serviu... (os Meier- -W. também gostavam de passar por príncipes mas não eram). À luz de tudo isto, Cornish, concordando com quem diz que "sem Hitler não teria havido Holocausto", julga que "sem os Wittgenstein não teria havido Hitler". E não é tudo. Por outro lado, a de que sem Hitler não teria havido um certo Wittgenstein, tão influenciado pelo futuro Führer quanto este o foi por ele um Wittgenstein anti-hitleriano e militante comunista, que terá contribuído decisivamente para a derrota nazi na Segunda Guerra Mundial, fornecendo ao Exército Vermelho "as técnicas de decifração de cifras e códigos alemães que possibilitaram as vitórias russas na frente leste". Portanto, Wittgenstein acabou por vencer, salvando in extremis muitos milhares de membros de um povo para cuja desgraça involuntariamente contribuíra e do qual não julgara aliás fazer parte, sendo judeu de raça mas não de religião. Claro que o nosso australiano se congratula com essa acção salvífica; mas também julga ter descoberto que a militância de Ludwig, "estalinista puro e duro", o levou a servir a União Soviética à custa da Inglaterra, sua pátria de adopção, por ele traída quando recrutou Kim Philby e os outros espiões do círculo de Cambridge. No termo de uma minuciosa análise das actividades de W. em Cambridge, Cornish é obrigado a confessar que não obteve provas cabais disto mas tão-só múltiplos indícios que fazem do filósofo o mais verosímil suspeito do dito recrutamento, feito quase com certeza por alguém pertencente aos meios académicos por ele frequentados, sobre os quais exercia uma influência intelectual e política maior. Mais longe do que isto não consegue Cornish ir.Característica geral do seu método é acumular indícios que sozinhos pouco ou nada provam - e sobre os quais ele se lança, cheio de wishful thinkings que não tenta disfarçar - mas que tomados no seu conjunto se tornam impressionantes, compondo uma História que parece ora tentadora ora delirante. Não tenho aqui de escolher entre a sedução e a repulsa, porque, quanto ao meu assunto, as análises de Cornish, não demonstrando embora que o pensamento do Führer foi tão profundo como o pinta, bastam para vermos que esteve precoce e seriamente ligado aos debates fundamentais do seu tempo; e para pressentirmos que não foi por acaso que um Heidegger julgou poder servir-se do nazismo.Como veremos para a semana, os mais famosos biógrafos do Führer contam-nos coisas que rimam com este pressentimento, embora o não façam seu."

DUPLA PERSONALIDADE

O dr. Marques Mendes que agora pede medidas "rápidas" para combater o défice será o mesmo dr. Marques Mendes que foi "ajudante" do dr. José Barroso e, por sinal, um dos melhores propagandistas políticos do seu funesto governo? Será?

O ESTILO MANUELINO

Vai para quatro anos que o dr. Vitor Constâncio anda a dizer a mesma coisa à porta de Belém. Apesar de ter sido chamado por dois governos politicamente distintos para chefiar uma "comissão" de avaliação das contas públicas, o certo é que não consegue chegar a conclusões substancialmente diferentes. Qualquer analfabeto simples já conhece de cor os "diagnósticos" do dr. Constâncio. Sucede que, quem tinha responsabilidades e deveres perante os "diagnósticos", apenas os aproveitou para fazer bravatas fáceis e algum circo de circunstância. Por isso, ontem lá vimos de novo o governador a "vender" o mesmo produto, três anos depois. Algures na Europa o primeiro-ministro ficou "alarmado". Não cometo a indelicadeza de supôr que ele não fazia a mínima ideia do que se passava. Prometeu "acção" para depois do dilúvio, ou seja, para quando tiver a certeza "com o que é que conta". Eu defendi, muito antes das eleições, que Sócrates, sobretudo com maioria absoluta, tinha de "fazer o que devia ser feito". A dupla ilusionista Bagão Félix e Santana Lopes, com o desastroso orçamento que o dr. Sampaio achou por bem que o Parlamento aprovasse a correr, minou o terreno. É assim que o "acto falhado" do actual ministro das Finanças, antes de tomar posse, traduzido na menção de que provavelmente seria necessário aumentar impostos, pode bem vir a traduzir-se num facto consumado. Vamos ver até onde é que a classe média (impostos e despesa) e as nomenclaturas partidárias "regionais" (SCUT's e obras públicas) estão dispostas a ir. Sim, porque mais cedo do que tarde, o "estilo manuelino" ("manuelino", de Manuela Ferreira Leite) estará de volta pela mão de Campos e Cunha. Porventura menos agreste, menos "duro", menos retórico, mais "social", mais simpático, mas o mesmo "estilo". É fatal como o destino.

16.5.05

O MUNDO SEGUNDO CONSTÂNCIO

O dr. Vitor Constâncio vai explicar ao dr. Jorge Sampaio que, afinal, não há vida para além do défice.

O NOSSO KUMBA

O sr. Kumba Ialá, autócne da Guiné-Bissau e seu putativo Presidente, decidiu ontem voltar ao trono. Com a subtileza que caracteriza a gestão política nas ex-colónias portuguesas, o sr. Kumba não se preocupou um segundo com as repercussões do seu gesto. O presidente interino parece que continua a ser presidente e interino. E o governo deve estar à espera de ver o que é que as forças armadas vão fazer. Pelo meio existe Nino Vieira que quer ser o Valentim Loureiro das eleições de Junho próximo. A coisa, em suma, promete. Esta palhaçada protagonizada pelo sr. Kumba deve muito a Portugal. Depois do eufemismo chamado "independência", não houve cão nem gato que não corresse para a Guiné para "cooperar". Então em matéria de direito, nem se fala. Juristas a despontarem para o sucesso e reputados universitários das nossas faculdades de direito espalharam os seus conhecimentos por toda a Guiné com os resultados amplamente "pedagógicos" que estão à vista. Nababos do negócio e empresários "imaginativos" fizeram o que puderam para ganhar "o deles", sempre, naturalmente, a favor da emancipação local. O próprio sr. Kumba é um produto da nossa bendita colonização. Até foi jogador do "Louletano"... Ao fim destes séculos todos, continua-se sem se entender muito bem o que é que estivemos a fazer em África. Tudo bem espremido, acabámos verdadeiramente a semear apenas "Kumbas Ialás" e "Ninos Vieira" por todo o lado. Eles também são o que nós somos. E nós somos - nunca fomos outra coisa - o que eles são.

A ÚNICA QUESTÃO...

... verdadeiramente importante desta semana, é saber por que é que...

... este rapaz, bem parecido e oriundo do "lado bom da força",...


... foi tomado pelo "lado negro"...


... e se transformou num dos melhores "maus da fita" de todos os tempos e, indiscutivelmente, um dos meus preferidos. No cinema como na vida, percebe-se no fim da saga -já visto no "episódio VI" - que, afinal, por detrás do pior vilão se esconde uma boa alma. Desconfiem, pois, sempre dos "bonzinhos". E fujam dos sobreiros e do défice, a nossa pequenina e pacóvia "guerra das estrelas". Que a força, seja lá ela qual for, nos acompanhe. Ámen.

15.5.05

O PATHOS PRESIDENCIAL

Depois de ter sido "invadido pela história", quando se candidatou a líder do PS, Manuel Alegre, nas declarações que prestou ao Expresso, mostra-se agora "invadido" pelo realismo. Disse ele que "só por milagre" apareceria na corrida a Belém, que não contassem com ele para uma "candidatura armadilhada" em que a "esquerda" pela primeira vez perderia e que, sobre a matéria, nem sequer sabe o que pensa José Sócrates. Eu desconfio que nem o próprio Sócrates sabe. O pathos presidencial socialista instalou-se com a segunda fuga de Guterres, desta feita a ser "o" candidato. A partir daí começou a atrapalhação, agravada paradoxalmente com a maioria absoluta. Sócrates sabe que é um fait divers dizer para dentro do partido que, a seu tempo, haverá uma boa "surpresa" para Belém e que o "país é maioritariamente de esquerda". Salvo melhor opinião, não julgo que existam segundas, terceiras ou quartas "boas soluções" surpreendentes, nem tão-pouco que o país seja maioritariamente de esquerda. O "entusiasmo" manifestado por Jorge Coelho perante a hipótese Alegre, bem como o lugar-comum de que o PS possui "muitos e bons" para o efeito, explica praticamente tudo. O PS não tem um pingo de uma ideia sobre a matéria e anda a fazer o pior que se pode fazer nestas circunstâncias: vai dando uns tirinhos de pólvora seca. Uma candidatura presidencial vencedora, como o PS bem sabe - porque apoiou todas até agora - não é imposta pelos partidos. "Impôe-se" aos partidos e fala directamente com a nação. Aos olhos da opinião pública, o PS parece estar irremediavelmente a tratar do assunto como se andasse na escolha de um chefe de repartição. A reacção de Alegre é, por isso, humana e politicamente justificada. Por outro lado, não existe no país uma "esquerda maioritária". A 20 de Fevereiro "cresceram" todas as "esquerdas" e o PS foi arrancar a maioria absoluta aos abstencionistas e ao "centro " político que apoiara Durão Barroso três anos atrás. O que se está a passar em Lisboa é bem elucidativo. A "direita" avança unida e a tal "esquerda maioritária" aparece com três rostos distintos, até mais ver. É claro que uma candidatura presidencial "federaria", em tese, isto tudo. Tenho, porém, dúvidas que o "combate" ideológico seja o que mais interessa aos portugueses nas eleições presidenciais. Os valores que todos os estudos de opinião atribuem a Cavaco Silva não são compatíveis com uma leitura superficial feita exclusivamente a partir desse "combate". Aliás, como é que Sócrates, alguém que na batalha pelo poder interno no partido se reclamou da "esquerda moderna" e social-democrata , ia aparecer ao país, daqui a oito meses, com um discurso de "esquerda requentada"? Manuel Alegre, por exemplo, já deu mostras que entendeu isto. E Sócrates, em última análise, o que quer mesmo é governar. É para isso que foi escolhido e não propriamente para andar "a brincar" aos candidatos presidenciais.

14.5.05

UMA BOA PERGUNTA...

...aqui. Amanhã tratamos deste assunto.

A ESPIRAL

A semana passada, o "painel" de "popularidade" dos políticos no activo do jornal Expresso, revelava que os portugueses se tinham aparentemente reconciliado com eles, todos. Não houve comentador oficioso que não desse graças por tamanha felicidade. Parecia que a remoção de Santana Lopes tinha operado um milagre e reconciliado a pátria com a política. O sossego, porém, não durou três dias úteis. A sublime aliança da comunicação social com a investigação criminal deu cabo dele num abrir e fechar de olhos. De dia para dia surgem cada vez mais políticos com a honra perdida por detrás de um sobreiro abatido. Até agora só os marginais PC e BE escapam. Não enxergo razões para tanta agitação. De há muito se sabia que as fronteiras entre as secções partidárias, os escritórios de advocacia e as empresas de serviços, designadamente financeiros, ou da construção civil, eram ténues. Era cada vez mais díficil entender onde acabavam umas e começavam os outros. Como esta promiscuidade é genuinamente democrática - toca praticamente a todos -, o mais natural é que a montanha venha a parir um rato. Para além disso, convém sempre recordar, toda a gente é inocente até prova em contrário. O pior, contudo, são os "sinais". Neste contexto, não vale a pena voltar à contabilidade, como propôs o ministro das Finanças. As crianças deprimidas tendem a comer mais chocolates. As "famílias", desconfiadas e razoavelmente fartas destes "sinais", "vingam-se" no consumo. Infernal como sempre, a espiral está de volta.