10.5.05

CENTO E OITENTA E UM

Boaventura Sousa Santos, uma espécie de eminência parda da "sociologia portuguesa" - isto existe? -, arrasta-se há anos à frente de uma coisa chamada "observatório permanente para a justiça". Presumo que o referido "observatório", na sua inefável beatitude, produz documentos sobre o aparelho judiciário nacional e sobre as "estratégias" a seguir pelo poder político no sentido de o dito "aparelho" poder servir melhor o bom povo. Ao que estimo, depois de acompanhar parte do debate na RTP sobre a justiça, de muito pouco têm servido as "análises" do prof. Boaventura e do seu "observatório". Eu tento manter-me prudentemente afastado destas questões, apesar de ser jurista. Maçam-me e não me interessam profundamente. A elas prefiro, sem pestanejar, quatro episódios seguidos da série "Sexo e a Cidade". Talvez por isso os meus preclaros colegas me achem "complicado" e fora do registo "sério" que a nobreza do direito recomenda. Eles tomam-se, imagine-se, por subtis. O prof. Boaventura, que para sua felicidade não é jurista, deixou cair um dado interessante no programa. Abriu um rolo de papel que trazia e no qual se desenhavam os 181 - cento e oitenta e um! - actos processuais que normalmente são praticados num "processo ordinário". Este escandaloso número que nos coloca apenas uns míseros metros adiante do Burundi, é bem o espelho da mediocridade burocrática, formalista e anti-democrática que domina a justiça portuguesa. Cheia de vícios corporativos, atafulhada de reverências inócuas e balofa nos procedimentos, a "justiça" portuguesa falhou os trinta e um anos de regime democrático. E isto é tanto mais grave quando ela devia ser precisamente um dos seus pilares. É por isso que eu aplaudo a técnica dos "pequenos passos" que este governo aparentemente está disposto a seguir. Anos e anos de porfiados estudos, "diagnósticos", "pactos" e parvoíces do género deram em nada. Os juristas, como se sabe, são os maiores especialistas em onanismo. Pedir-lhes que "reformem" ou que "se reformem" é pedir o céu. Os cento e oitenta e um actos processuais a que aludiu o prof. Boaventura representam a glorificação da inanidade anti-cidadã que, por manifesta generosidade, se apelida de "justiça". Deus me livre e nos livre de tropeçar nela alguma vez.

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