Depois de ter sido "invadido pela história", quando se candidatou a líder do PS, Manuel Alegre, nas declarações que prestou ao Expresso, mostra-se agora "invadido" pelo realismo. Disse ele que "só por milagre" apareceria na corrida a Belém, que não contassem com ele para uma "candidatura armadilhada" em que a "esquerda" pela primeira vez perderia e que, sobre a matéria, nem sequer sabe o que pensa José Sócrates. Eu desconfio que nem o próprio Sócrates sabe. O pathos presidencial socialista instalou-se com a segunda fuga de Guterres, desta feita a ser "o" candidato. A partir daí começou a atrapalhação, agravada paradoxalmente com a maioria absoluta. Sócrates sabe que é um fait divers dizer para dentro do partido que, a seu tempo, haverá uma boa "surpresa" para Belém e que o "país é maioritariamente de esquerda". Salvo melhor opinião, não julgo que existam segundas, terceiras ou quartas "boas soluções" surpreendentes, nem tão-pouco que o país seja maioritariamente de esquerda. O "entusiasmo" manifestado por Jorge Coelho perante a hipótese Alegre, bem como o lugar-comum de que o PS possui "muitos e bons" para o efeito, explica praticamente tudo. O PS não tem um pingo de uma ideia sobre a matéria e anda a fazer o pior que se pode fazer nestas circunstâncias: vai dando uns tirinhos de pólvora seca. Uma candidatura presidencial vencedora, como o PS bem sabe - porque apoiou todas até agora - não é imposta pelos partidos. "Impôe-se" aos partidos e fala directamente com a nação. Aos olhos da opinião pública, o PS parece estar irremediavelmente a tratar do assunto como se andasse na escolha de um chefe de repartição. A reacção de Alegre é, por isso, humana e politicamente justificada. Por outro lado, não existe no país uma "esquerda maioritária". A 20 de Fevereiro "cresceram" todas as "esquerdas" e o PS foi arrancar a maioria absoluta aos abstencionistas e ao "centro " político que apoiara Durão Barroso três anos atrás. O que se está a passar em Lisboa é bem elucidativo. A "direita" avança unida e a tal "esquerda maioritária" aparece com três rostos distintos, até mais ver. É claro que uma candidatura presidencial "federaria", em tese, isto tudo. Tenho, porém, dúvidas que o "combate" ideológico seja o que mais interessa aos portugueses nas eleições presidenciais. Os valores que todos os estudos de opinião atribuem a Cavaco Silva não são compatíveis com uma leitura superficial feita exclusivamente a partir desse "combate". Aliás, como é que Sócrates, alguém que na batalha pelo poder interno no partido se reclamou da "esquerda moderna" e social-democrata , ia aparecer ao país, daqui a oito meses, com um discurso de "esquerda requentada"? Manuel Alegre, por exemplo, já deu mostras que entendeu isto. E Sócrates, em última análise, o que quer mesmo é governar. É para isso que foi escolhido e não propriamente para andar "a brincar" aos candidatos presidenciais.
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