13.5.05

O BELO E A CONSOLAÇÃO

À procura da gravação de All About Eve, fui dar com uma cassete com uma entrevista televisiva com o filósofo americano Richard Rorty. Aqueles que porventura se maçam a ler isto, perguntar-se-ão como é que, em menos de 24 horas, eu consigo passar de Fátima para o pragmatismo norte-americano. Justamente quando esta "corrente", na linha de Heidegger, critica aquilo a que este chamava a "tradição onto-teológica". Mas é esse o interesse do lance pragmatista, não sobrestimar a perspectiva do "objectivo", da "salvação", seja pela religião, seja pela filosofia, distinguindo antes a contingência e a "história" como factores de "avanço". Se é que ele existe. Por outro lado, num livro de entrevistas de Joseph Ratzinger que também ando a ler, há uma passagem que me apetece considerar "pragmatista". Quando lhe perguntam se há muitos caminhos para Deus (Deus está praticamente banido do jargão pragmatista), o então cardeal respondia simplesmente:" tantos, quanto há pessoas". Se isto não é pragmatismo... Volto a Rorty. Confessa-se um tímido que prefere, de longe, a companhia dos livros à das pessoas, apesar de ser um universitário. E, sendo o tema das entrevistas "o belo e a consolação", Rorty explica que encontra isso, não particularmente na filosofia, mas antes num pássaro raro ou na observação cuidada de uma flor. E - conta ele - se por hipótese a humanidade perecesse inteira, a sobrevivência de uma roseira seria suficiente para continuar a existir beleza. Os pragmatistas combatem a distinção platónica entre a aparência e a realidade, entre a "alma" e o "corpo" e não sentem qualquer tipo de necessidade "exterior", de um "mais-além". Eu estou cada vez mais assim, nas minhas contradições. Deixem-me, pois, oscilante entre a palavra complexa de Ratzinger e a felicidade que sinto ao pé do meu "labrador retriever" ou no meio de livros que me falam do "belo" e da "consolação". Os "nós secretos da vida", a que aludia Nietzsche, ao contrário daquilo que os tolos pensam, estão à distância simples de uma mão. Para a humanidade indiferente, não existe uma "moral" ou uma "estética". A sorte dessa mal chamada "humanidade" é que ainda há homens como Rorty ou Ratzinger que, cada um à sua maneira, contrariam o "humano" para tentar dar um qualquer "sentido" ao belo e à consolação. Isto apesar de nenhum "sentido" nos salvar ou danar, se existir algum.

3 comentários:

Filipe Feio disse...

É uma série de entrevistas? É que vi na semana passada uma com George Steiner, na SIC...

Anónimo disse...

Penso que sim. Já vi várias delas e sempre acerca de temas filosóficos científicos e artísticos. Pena não existirem mais programas como este e a horas decentes, visto que a SIC transmite-os pelas 04:00... Bem, pelo menos transmite-os...

Anónimo disse...

Estava eu numa daquelas noites em que a insónia nos decide fazer companhia e se lembra de ligar a televisão para combater o tédio do tédio quando me deparo com este programa que, não percebendo muito belo qual o objectivo dado que só assisti duas vezes, me intrigou e despertou o meu interesse. se alguém souber porfavor ilucide-me! é que gostei daquele ambiente de entrevista intimista acerca de grandes temas com grandes senhores. Na verdade até nem me importo das horas da transmissão, a minha decepção foi quando esta não se deu... Agora as minhas segundas à noite ficam mais pobres...

Tânia Palmeiro