26.5.05

ESQUIZOFRENIA

José Sócrates e o governo iniciaram um caminho aparentemente irreversível para o seu privado Gólgota. No dia do Corpo de Deus, a coincidência não podia ser maior. Com inteira honestidade intelectual, Sócrates confrontou o país com a sua miséria sumptuosa. Como deve ser do conhecimento dele, os miseráveis não suportam ser confrontados com a sua miséria. E, depois, algumas das "medidas", ou só produzem resultados a médio ou a longo prazo (e,aí, o governo seguramente será outro e outras serão as "medidas"), ou produzem resultados imediatos mas diminutos face à dimensão da coisa. Há, no entanto, um resultado imediato que os media, particularmente as sabidas televisões, não se cansarão de provocar. Em poucas horas, o calvário do governo passou inteirinho a ser o calvário de milhões de portugueses, indivíduos e empresas, grandes e pequenas. A "forma" como os noticiários, os artigos e os comentadores - mesmo os mais elogiosos - "puseram a coisa", suscitaram um pequeno pânico junto da opinião pública que, daqui em diante, será imparável. A aceleração vida pública registada nos últimos anos, na qual qualquer político mais desprevenido pode passar, sem saber como, de bestial a besta ou vice-versa, não concede grande margem de manobra ao PS. Ninguém verdadeiramente está disposto a ser incomodado com restrições e maçadas dos género daquelas que o primeiro-ministro explicou. Aliás, a maior parte do eleitorado que deu a maioria absoluta ao PS fê-lo no pressuposto de que não ia ser excessivamente perturbado. Da torrente castradora apresentada, escaparam as autarquias. Não terá sido por acaso. Se não foi, é de lamentar. Contudo, não será por isso que o "bom povo" não deixará de fazer notar a Sócrates, em Outubro, que não aprecia a maçada. O calvário de Sócrates já começou. Junta-se-lhe agora o nosso. Se isto não é pura esquizofrenia colectiva, então não sei o que é.

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