23.5.05

VIAGEM AO FIM DA NOITE

A partir de hoje, as carpideiras têm motivos de sobra para as habituais ladaínhas. Vitor Constâncio já rezou a sua missa encomendada de sétimo dia e Sócrates prepara-se para oficiar em conformidade. É, aliás, este o momento certo para se apresentar ao país com o seu ar charmoso de agente funerário. Não lhe faltam motivos. A economia - aquilo que verdadeiramente interessa - continua deprimida e, ou não cresce, ou avança anã. O governo, depois de uns fogachos e encerrado o capítulo futebolístico, vai certamente tentar enfrentar a realidade. Não estou, porém, certo que a realidade queira ser enfrentada. Nem aqui, nem na Europa de que tanto se fala. O que está a acontecer na Alemanha, o que pode acontecer em França depois de domingo, por exemplo, indicia muito maus tempos. A nossa endémica periferia será das primeiras a pagar a factura. E paga a dobrar. Paga por razões internas e paga pela circunstância de as duas maiores economias da União se encontrarem politicamente fragilizadas. Isto é demasiado sério para ser tratado aos berros, com demagogia ou com exercícios idiotas de recriminações recíprocas. Também não vale a pena "dramatizar". O que o país menos precisa é de "actores dramáticos" e de "reprises" medíocres. Provavelmente vão ser os mesmos a pagar a dita factura, com mais ou menos "preocupações sociais", com mais ou menos "coesão". A sorte da gente que nos governa - os de hoje, os de ontem e os de amanhã - é que, descontando meia dúzia de lunáticos, anda tudo bovinamente resignado. Esta anestesia democrática, no entanto, é perigosa. O "regime", onde quase todos os "actores principais e secundários" já passaram pelo "palco", está a caminho de uma viagem ao fim da noite na qual poderá não conhecer o caminho de regresso.

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