11.6.06

SEM TECTO, ENTRE RUÍNAS


1.Este blogue começou há três anos. Por essa altura, o meu pai entrava pela última vez no IPO para ali morrer cerca de mês e meio depois. O final da tarde desses dias era invariavelmente marcado pela passagem pelo terceiro piso do edifício onde estava internado. Durante dois anos vi ali desaparecer gente de todas as idades e de todas as "classes", uma espécie de "diário de mortes anunciadas". Ajudou-me a relativizar tudo o resto e a perceber, por fim, para onde é que todos caminhamos. Por outro lado, dois meses antes do blogue surgir, tinha largado a direcção do Teatro Nacional de São Carlos, uma episódica "aventura" que terminou cedo demais. Para quem estava habituado a ir àquele Teatro desde os dez ou onze anos, a sensação foi a de ter sido arrebatado prematuramente a um qualquer "desígnio" natural. Por isso, na fase inicial destes "pequeninos", dei tanta atenção à chamada "cultura". Valeu a pena? Não valeu. A Pedro Roseta sucedeu Maria João Bustorff e a Bustorff, a profª Pires de Lima. Vista de fora, a imagem é praticamente a mesma de então: paralisia. Três esforçadas e generosas criaturas, todavia quase o mesmo "fio condutor", marcado pela menorização orçamental e pela crónica indecisão sobre o que deve ser - se tiver que ser - um ministério da Cultura.
2. Depois, os "pequeninos" começaram a interessar-se mais pela chamada política "geral" da nação e, intermitentemente, pela "global". Outro desastre. Em apenas três anos, três governos, todos de maioria absoluta e todos absolutamente incapazes de se entenderem com o país e de fazer o país entendê-los. Com alguma injustiça - reconheço-o hoje sem ironia - "bati" o mais que pude em Pedro Santana Lopes, o "mais humano, demasiado humano" dos três primeiros-ministros que tivemos neste período. A seguir fiz quase o mesmo em relação a Mário Soares para pôr Cavaco em Belém. "Soarista" impenitente, tentei em vão alertar para o perfeito disparate da sua terceira candidatura. O milhão de votos do nefelibata Alegre representou uma humilhação desnecessária para o democrata inteiro e corajoso que é Mário Soares. Dez anos depois da primeira tentativa que também apoiei, aqui e no Independente, "puxei" naturalmente por Cavaco. Por agora, estou a ver no que é que dá.
3. Um propósito destes "pequeninos" foi sempre o de Gore Vidal, "I am not my own subject". Todavia nunca me impedi de escrever sobre livros, gestos, pessoas, coisas e circunstâncias que me agradaram e que me desagradaram. As últimas tiveram infelizmente maior peso. Aliás, este blogue começou por falar em Fátima Felgueiras, na altura uma mera foragida da justiça e hoje, de novo, uma autarca eleita pelo "povo". Recorro a ela porque é um fenómeno que ilustra bem o que tenho procurado exprimir aqui sobre o país, ou seja, a "circularidade" geralmente medíocre do regime. E à mediocridade do regime junta-se a colectiva, a minha incluída. Estes três anos foram de um total desalinho profissional e pessoal. Por junto, uma mão cheia de não-acontecimentos, de promessas virtuais, de actos falhados, de caminhos e de pessoas que não levaram a lado nenhum. Se tivesse de escrever a "história" destes três anos, ela pouco mais "falaria" do que de um imenso fracasso. Até os "pequeninos" se ressentiram disso. Silêncios comprometidos, cumplicidades e solidariedades inesperadas, amizades desconfiadas, outras desfeitas, incompreensões, eis o preço pago pelos "pequeninos" pela sua liberdade intransigente. É, porém, um preço que me dá gosto pagar e do qual não abdico. Os "pequeninos" existem porque me dão gozo e porque há por aí centenas de leitores anónimos que têm sido a minha mais fiel companhia silenciosa, sejam eles detractores ou "apoiantes". À aventura juntei entretanto dois "colaboradores" que pouco colaboram, donde me atrever a falar exclusivamente na primeira pessoa.
4. Ao contrário de Gianni Vattimo, não sou um optimista. Espero quase sempre o pior do "outro" e desconfio do "progresso". Tecnicamente deveria ser considerado um "reaccionário". Como Vattimo, no entanto, sou um "mezzo credenti" que, contra toda a esperança, confia no amor de Deus, na Sua "caritas". Não confio absolutamente em mais nada e em ninguém. O "Portugal dos Pequeninos" entra, assim, no seu quarto ano de existência. Na belíssima expressão de Raul Brandão, sem tecto, entre ruínas.

39 comentários:

Anónimo disse...

A great pretender.

Anónimo disse...

Pauso regularmente por aqui. A escrita é escorreita. O pensamento, claro e conciso. Às vezes revolto-me. Tanto pessimismo! Eis o Portugal medícocre! Tanto descrédito! Há razões concerteza. Somos a nossa história pessoal. Mas é preciso acreditar, é preciso lutar contra este mal que se agarra a nossa pele de portugueses. É urgente lutar contra “este” triste fado. É preciso sublimar o nosso fado, transformando-o em crença nas nossas capacidades, em sonho que “comandará a vida”.

Insurgo-me também contra a saúde, contra a justiça, contra a educação, contra a sujidade das nossas cidades, contra a falta de ordenamento do nosso litoral. Mas... ainda temos o Gerez, o Alentejo, o Mar, as Praias, o Clima... a nossa bela língua, os nossos poetas... e tantos portugueses em quem vale a pena apostar.

No desempenho das minhas funções eu tenho que acreditar que este país vale a pena.( Se não acreditasse por onde andaria a minha produtividade? ). Luto diáriamente contra a concorrência que me vem do estrangeiro. Tenho que convencer os meus clientes que somos os melhores. Se eu não acreditar nisto é... a falência.

A solução não está nos politicos (muito menos em Cavaco... o homem pode até ser muito competente, mas não irradia empatia nenhuma!... "não se resitem?")
Cada vez acredito mais que este país é, antes de tudo, um caso mental.
E se os bloguers ajudassem na cura?

Anónimo disse...

João,
Pregou-me um susto de morte quando iniciei a leitura deste texto.
Não desista nunca desta luta que parece inacabável.
Um grande abraço e os meus mais sinceros parabéns,
André

Anónimo disse...

Muitos parabéns! Pelo empenho, pela escrita e pelo resultado de tudo isto!

Pedro Correia disse...

Parabéns pelos três anos e pelo blogue, sem dúvida com lugar garantido no "top ten" da qualidade na blogosfera. Abraço.

Anónimo disse...

parabéns por este espaço intorneável da blogosfera tuga...

Anónimo disse...

João

apesar de às vezes lhe ter deixado aqui algumas "pulgas", leio-o diariamente. Parabéns pelo aniversário do blog.

Cumprimentos de uma ex-colega da Católica.

Fátima

de Matos disse...

Um magnifico texto, a condizer com o percurso deste blogue, eu sou leitor assiduo mas recente nestas aventuras, e acredite, o seu blogue é um dos melhores, os meus parabens e continue.
Abraço

Torquato da Luz disse...

Venho aqui todos os dias. Discordo às vezes, concordo quase sempre. Em suma, não dispenso. Parabéns!

Anónimo disse...

Este blog simboliza o Cancioneiro do Regime:

o portuguesinho lambe botas, graxista, por vezes funcionário da Administração, que come ostras uma vez por ano e tamarindos uma vez na vida; que trata da sua "vidinha" à pála do Orçamento, que vai ao Magreb mais por antinomia do que por c(u)nvição e que, nas "contas" de Medina Carreira, devia ser exterminado.
Que usa como substância aditiva o Abrupto e que só não anda com um terço e crucifixo no bolso das calças, por vergonha...

Anónimo disse...

sou leitor assiduo.parabens!

Rui

Anónimo disse...

Mesmo sob a capa do "cinismo" ele há cada imbecil torcido!

Anónimo disse...

PP,

ainda bem que reagiu. é porque se revê na fotografia de família...

cumprimentos

Anónimo disse...

pp,


torna-se preocupante que só veja o argueiro nos olhos dos outros, distorcendo.
se fosse o pateta/delirante do VPV ou outro think thanker qualquer a escrever algo "parecido" com o meu comentário - cancioneiro do regime - vc não só citava, como aplaudia...


kynokós

Carminda Pinho disse...

Vim aqui parar através do Tugir, blog que leio todos os dias.
O texto que publicou, tocou-me, vou passar a visitá-lo assíduamente.
ah! e parabens.

Anónimo disse...

Meu querido amigo e colega João,antes de mais tás d PARABÉNS!!!
Mas,porra,não resisto a mandar umas palavrinhas ao "cínico":1º)Vá à merda!; 2º)P/confirmar a regra,qdo alguém brilha,aparece sp 1 invejoso!
E agora continuo contigo JG:desde q abriste este blog,apanhei o vício d te ler(passei palavra a mui amigos e viciaram-se também).Às xx passo p/links p/completar!Mas s/tudo o q aqui expressáste,sentiste e sofreste,eu percebi profundamente e passei a admirar-te.Somos colegas d profissão há mui anos,ms só c/os "pequeninos" te conheci melhor;às vezes comento-te aqui,mas fundamentalmente dá p/discutirmos pessoalmente mui coisas e a >parte delas p/nos RIRMOS mesmo qdo somos adversários nas politiquices.És fabuloso e és um SER excepcional.Continua JG,tás no bom caminho (os "cínicos" q se LIXEM!);mais,Amigo,ag tens de ESCREVER UM LIVRO e o teu nome perdurará p/alem dos "cínicos".
Deixo-te um grande XI-CORAÇÃO.
FáPD

Anónimo disse...

A ideia do livro é a melhor de todas!PaRaBéNs!E venham no minimo mais 3 anos...

Anónimo disse...

Ao contrário dos outros comentadores, não o conheço... não sei quem é... o que faz.. estamos portanto em igualdade... Vim aqui por acaso uma vez e de vez em quando volto...
Não desista, não deixe o desanimo estragar a vida, a produtividade artistica ou outra, não deixe de sonhar, mas mantenha os olhos abertos e os sentidos em alerta total. Seja exigente consigo e deixe os cães ladrar... UM Abração

Anónimo disse...

Augusto Abelaira, Sem tecto entre ruínas, editora Bertrand, Lisboa, 1979. Sory...

João Gonçalves disse...

Abra o livro do Abelaira e leia-o.Desde a primeira folha. Veja a quem é que o Abelaira foi buscar o título.

Susana Barbosa disse...

Muitos parabéns ao "Grande" Portugal dos Pequeninos!

Anónimo disse...

Elucidando o anónimo:

A partir de Húmus, de Raul Brandão, que usou a expressão, dois escritores desenvolveram o mesmo tema. A saber: Vergílio Ferreira em Signo Sinal e Augusto Abelaira em Sem tecto, entre ruínas. Se conhecesse o livro, saberia.

Francisca disse...

Parabéns, muitos e por tudo:)

Anónimo disse...

que diabo! não desanime tanto!

se lhe servir de consolação pense no que eramos, digamos, em 1975, para não dizer pior!

é certo que fomos muito ingénos e idealiastas, que que tinha um olho, se aproveitou e bem!

mas para nossa satisfação, ainda cá estamos. certo?

Pitucha disse...

Parabéns!
Comecei a minha vida "blogoesférica" por aqui e continuo a deleitar-me com o que escreves e como o fazes.
Beijos

Macro disse...

Aproveito para felicitar este blog e os seus autores e desejar-lhes muitos e bons anos de vida.

Creio que no tempo em que vivemos ser céptico ou relativista ou ainda pessimista ainda é a melhor forma de não nos desiludirmos com a vida - que mais tarde ou mais cedo, acaba por nos matar, sem piedade.

Com os meus modestos 39 anos já assisti a muitas e já fiz muitos funerais. Qqr dia alguém dirá o mesmo de mim, talvez num blog chamado "Esperança"...

Felicidades para todos Vós

RPM

Anónimo disse...

Cínico: bons vómitos e melhor azia.

Anónimo disse...

Continue.E já agora reúna as crónicas. Eu compro.

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Meu caro João
É um prazer ler-te. Às vezes o conteúdo é crespo, mas a forma é sempre refulgente.
Parabéns pela tua disciplina, e coragem, na partilha.
Parabéns pelo triénio do teu “blog”.
Continua a escrever, a libertar a alma das peias da vulgaridade.
Muitos pensam que escreves com acrimónia.
Eu creio que procuras viver melhor através da escrita.
Mesmo aqueles que te criticam, a partir do que escreves, não resistem a vir dar uma espreitadela.
Este é o poder dos paradoxos existenciais.
A prosa é muito mais do que ideias alinhavadas pela razão... é também a forma visível da emoção.
Um abraço.

Nelson Reprezas disse...

Um abraço de parabéns.
Gosto mesmo quando não concordo. Gosto sempre.

Anónimo disse...

Homem, vc não tem nada de pequenino! Pequeno é, sem dúvida, o Portugal. E os de lá.
1.Mantenha-se ao largo da "Cultura", cultura não é o que eles chamam
2.Política? Esses homens teem décadas a mais.
3.E, apesar, "you are your best subject"... Se muito estes três anos de desalinho lhe poderão ter custado, não se sinta incluido na mediocridade, só porque não levaram a lado nenhum. Quem sabe esta rotura não tenha sido necessária para que seja quem hoje é e possa vir a ser.
4.A fé não se discute. A relevância da fé em pessoas mede-se pela importância que lhes der. E, no contexto de 1. e 3., valerão elas mais?
Fique de fora cá dentro. Mantenha-se bem livre, que essa é a sua riqueza. Parabéns ao blog.
kk

Anónimo disse...

Amigo, parabéns. Será que citei alguém? Sabias que, no Egypto, existe uma terra, a terra Núbia, onde as casas são sem tecto e, entre ruinas. Desce-se o rio Nilo entra-se pelo deserto e encontra-se aquela beleza enorme, a terra Núbia, principio dos principios. E na verdade, sem tecto e entre ruínas e tanta riqueza. Para ti ofereço-te esta visão apaixonada que tenho de uma terra sem tecto e entre ruínas. Para o teu «amigo» intelectual primário, espero que actualize a base de dados, há muito mais, muito mais coisa para além disso. E depois dizer-mos as mesmas coisas que foram já ditas ou escritas, é uma questão filosófica e da ciência, interessante. Mas agora, agora mesmo, só me interessa desejar-te que a janela da alegria se escancare de vez e ofereço-te um verso da minha mãe, alô, intelectual, veja se advinha, aí vai com toda a minha amizade.
FINALIDADE
Gostaria de morrer como as árvores,
a morte vindo lenta do fundo das raízes.
Silenciosa,
como um pensamento que não se transmmite.
Morrer como as árvores,
ainda que o mundo passe e grite.
Como as árvores,
que deram flor ou fruto
e foram copa fechada e abrigo de ninho enxuto.
E sombra de ramo audaz
que numa tarde de Estio
perde as folhas uma a uma, nas margens de qualquer rio.
Morrer como as árvores
-Tão completamente!-
que nem a seiva mais forte
no mistério da semente,
fosse capaz,
de limitr-me a sorte!

M Isabel G disse...

muitos parabens pelo seu fantastico blog.
isabel

Ant.º das Neves Castanho disse...

Discordo quase sempre. Faz-me até sentir que vivo noutra realidade (e feliz por isso).

Mas reconheço que é dos (muitíssimo) poucos a que ainda regresso.

Talvez pela frontalidade e ausência de hipocrisia. Ou por simples curiosidade adolescente...

Como passageiros de aviões diferentes que se vislumbram e cruzam um breve e solitário minuto no espaço, o meu leve aceno de simpatia e, porque não dizê-lo, de reconhecimento por este espaço...

Anónimo disse...

... como não podia dar-lhes os PARABÉNS, no dia 11, com um pouco de antecedência deixei aqui, a minha pequena homenegem, no comentãrio de 6.6.05
... regressada “hoje” de retiro forçado, senti uma «enorme satisfação» ao ler os 36 comentários de felicitações, relativamente ao «BLOG POR MIM ELEITO»
... mais palavras não serão necessárias, senão que “PARABÉNS”, “CONTINUE”, “FORÇA”, “AQUI ... ESTAMOS CONSIGO” – Caro João

... e, antes de terminar gostaría de lembrar o que li, no Post de António Leite Matos

“Todos os dias deviamos ouvir um pouco de música,
Ler uma boa poesia,
Ver um quadro bonito e,
Se possível, dizer algumas palavras sensatas”
(Goethe)

... e, “CONSULTAR ESTE BLOG”

... até breve


Anonymous said...
... foi em 11.6.2003

PORTUGAL DOS PEQUENINOS
O Blog, por mim eleito
Recorda.lo-ei, a meu jeito
Textos que mostram grande cultura ... inteligentes
Unicos e, pertinentes
Gentis, cáusticos ou galanters
Aqui, sempre presentes
Leitura fácil ... elegantes

Durante – 3anos – permanente
Obrigada ... pela magnífica qualidade
Sempre ... quase sempre «EXCELENTE»

Posts, de harmonia, sensualidade
E, de menos bons ou emocionantes momentos
Que, nos tem vindo a habituar
Unicamente, quis homenagear
Entre, o bom e, o mau comentar
Notícias, que nos chamam à realidade
Ilustrações, onde a estética é permanente
Nunca, descorando o fino humor e, o tom
Obrigada ... pela magnífica qualidade
Sempre ... quase sempre «EXCELENTE»
2:58 PM

Anónimo disse...

... entendo a “ilustração” porem “eu”, leitora assidua gostava “bem mais” de outra

... quer se queira ou não este BLOG tem um “ROSTO”

Nancy Brown disse...

um extraordinário exercício de reflexão e crítica auto, João Gonçalves.
também não acredito na bondade do ser humano.
o ser humano é aquilo que dita a sua circunstância.
só quem já reflectiu muito sobre a sua maneira de ser, pode chegar a essa conclusão.
contudo, ao invés do João, eu continuo a acreditar, muito ingenuamente, que tudo ainda é possível.
não somos perfeitos e isso pouco me consola.
ah... e não escrevi isto para si, mas para mim!

Luís Serpa disse...

O seu texto é bom demais para passar sem uma observação.


Não li todos o comentários: o que vou escrever é, porventura, redundante (tudo o que escrevemos é - que o nosso ego nos perdoe - redundante). Não partilho o seu pessimismo, mas não sei porquê. Não estamos "sem tecto, entre ruínas", por muito bonita que a expressão seja (e é-o). O pessimismo é cómodo. Nem sempre é verdadeiro, infelizmente.