17.5.09

O VERDADEIRO CRISTO-REI


Por natureza, não existem "intimidades" com pessoas como Sócrates. Dar capa a uma revista com o adjectivo "íntimo" referindo-se ao primeiro-ministro equivale, em muito mau, a uma espécie panfletária de "Férias com Salazar" da Garnier. E que de "íntimo" tem Sócrates para nos revelar? Desde logo o velho cliché de George Harrison repetido à náusea e com evidente falsa modéstia: "felicidade é abrir os jornais e não falarem de nós." Alguém acredita nisto, vindo do expoente da maior máquina de propaganda instalada no regime em trinta e cinco anos de "democracia"? A coisa começa bucólica, como numa redacção da antiga terceira classe.«A Banda de Murça encaixa-se num cafezito da vila. Faltam poucos minutos para as 09h30. Os músicos mais novos entabulam conversas de adolescente na esplanada. Eles e elas de óculos escuros, aqueles óculos escuros que absorvem quase toda a expressividade ao rosto, de tão generosos na massa com que são concebidos.» Pouco depois, o êxtase. «Vem aí!» O povo aperta-se. Sócrates sai pela porta direita do Volkswagen Phaeton V10, o ministro Pedro Silva Pereira aparece pela outra. Mas o povo só quer saber do primeiro. «Batam palmas ao home! Atão ninguém bate palmas ao home?», indigna-se uma vitaminada anciã. «Eu até batia, mas não posso...», encolhe-se um jovem a seu lado. O braço que carrega ao peito pode ser aceite como atenuante.» O admirável líder é, na prosa bajulatória, «um profissional do ósculo. E são várias as mulheres que, armadas de vontade, desembainham as espadas e derrubam quem quer que se atravesse entre os seus lábios e a face rosa do secretário-geral do PS.» Até eu me comovo com estas túrgidas manifestações de ternura político-religiosa. Mas há mais. «Abundam vocábulos como «magnânimo», «magnífico» e «extraordinário» na voz do cacique local do PS e presidente da autarquia. E ele? Bem, ele é mais "modesto". «Ando pelo país com grande à-vontade», confidencia-nos o secretário-geral socialista, já dentro do carro, a caminho de Vila Real. Diz que não costuma ser brindado com muitos impropérios nas suas deslocações privadas ao cinema, ao teatro e aos restaurantes. Embora às vezes ouça mensagens indecorosas.» E "humano". «Sócrates entra no Volkswagen e a sua personalidade quase se altera. «Ricardo, dás-me uma pastilha elástica, por favor?» O motorista estica-se e tira uma caixa do porta-luvas. Sócrates contempla a paisagem, espia constantemente o Nokia de última geração («adoro gadgets...») e boceja com alguma frequência. Não consegue disfarçar o cansaço. É quase todos os dias assim. «Normalmente levanto-me muito cedo», afiança.» Ele, o nosso Cristo-Rei da modernidade, vela por nós e crucifixa-se por nós. «Nos momentos difíceis, é importante estar à frente da batalha.» E os momentos têm sido difíceis. «Não há ninguém no activo que tenha vivido uma situação semelhante.» Mas, logo de seguida, o nosso "Cristo" aparece numa estação de serviço para beber um café e passar pela bruxa Maya. «Sócrates surpreende o empregado de balcão, que fica meio embasbacado. «Um cafezinho, por favor.» Mesmo em mangas de camisa e pose descontraída, o primeiro-ministro faz-se notar. Particularmente a duas mulheres, mãe e filha («a minha mãe tem 88 anos e adora-o», diz a primeira da segunda), que abandonam o carro na fila do abastecimento só para o cumprimentar. A filha mais contida, a mãe nem por isso: «Não perco um programa seu.» Segue-se uma coincidência feliz. «Sócrates encontra, depois, um conterrâneo, amigo de um amigo. «O Quim Barros? Você é amigo do Quim Barros?» Luís Bernardo, o assessor de imprensa, e Almeida Ribeiro, o chefe de gabinete, riem-se, cá fora: «Juramos que nada disto foi preparado ou encenado.» Portugal é que é pequeno.» Não é pequeno. É pequenino. Demasiado pequenino. De tal forma que não falta o "momento-farsa". «Mantém o vício da filosofia. Mas o actual momento presta-se a outras literaturas. «Ando a ler uma obra muito interessante, chamada A Ascensão do Dinheiro, de Niall Fergusson.» Ou o "momento-bola", sempre do agrado da massa distraída. «Sócrates é do Benfica. Mas não se diz apaixonado pelo futebol. O seu craque preferido é Pablo Aimar, mas o clube que mais aprecia é o FC Porto. «Tem feito um grande campeonato. É a única equipa que dá gosto ver jogar.» E o Benfica, como sai o Benfica da crise? «Há tantos treinadores de bancada que não me atrevo a contribuir para essa indústria tão produtiva.» É do Benfica, mas o que mais aprecia é o FCP. Até na bola, a relação com a verdade é retorcida. «A minha qualidade de vida declinou muito desde os tempos em que era feliz», remata o admirável líder. A nossa também. Sobretudo desde que ele desceu à terra.

Adenda:

«O artigo dá para perceber o que vão ser os próximos tempos de comunicação política de um novo José Sócrates, subitamente humanizado - de que já sabíamos ter "arrepios" e "insónias" -, um homem como todos nós. A encenação tem sido conduzida com mestria inegável, ou não fosse o PS servido por aquela que é provavelmente a mais eficaz de todas as agências de comunicação em Portugal - refiro-me à LPM de Luís Paixão Martins. Na mesma linha, uma revista cor-de-rosa dava esta semana capa e manchete à mudança de domícilio "íntimo" de Sócrates, servida com fotografia do secretário-geral do PS a andar na rua do prédio onde agora supostamente vive com a namorada - que também se via à porta do mesmo edifício - para assim manter momentos só seus, de "privacidade" tornada pública. Somando isto a um casamento pré-anunciado, temos todos os condimentos de uma nova fase da política à portuguesa - a vida supostamente privada do primeiro-ministro, fornecida a todos os portugueses por spins e profissionais da comunicação como novela em episódios rigorosamente encenados e produzidos. Depois não se queixem.» (Paulo Pinto Mascarenhas)

14 comentários:

Anónimo disse...

Cada vez mais gosto de ver TV...A bicha do pessoal no Centro de empregos e para os subsidios de desemprego, o homem dos dinheiros a rectificar os numeros,o outro a dizer que deixou o papel no bolso do casaco e a mulher depois a rematar que nao tinha tempo para as compras na Turquia.... um pagode ....

Amado Estriga disse...

Caro João Gonçalves
Creio compreender o seu afã em zurzir o Pinto de Sousa mas....não,de repente lembrei-me de algo que deixei escrevinhado no passado dia 16 e a que chamei, "Questiono-me". Acho que era mais ou menos isso que lhe ia dizer...se tiver paciência,passe por lá. Abraço.

ATTO, VENº E OBGDO disse...

O verdadeiro "action man".

Um novo "dick" turpin.

Anónimo disse...

Ele devia lavar a boca com açido sulfurico antes de falar do Benfica.Ele não é e nunca será Benfiquista.Ela sabe lá o que é isso.E claro que ele simpatiza com o fcp,no fundo o fcp e socrates assemelham se e muito.
Sao ambos antros de corrupção,gozam de impunidade,não têm vergonha na cara e destroem a imagem de Portugal.
Os Benfiquistas jamais perdoarão a socrates o branqueamento do apito dourado e as piores consequencias ainda estão para chegar.

ATTO, VENº E OBGDO disse...

Zézito, zézito, que belo narizito :)

Fernando Antolin disse...

A Garnier era bem mais jeitosa que a F.Câncio.

Anónimo disse...

Estes retratos "humanos" do palhaçóide ainda irritam mais que as prosas políticas sobre o animal... Este tipo tem potencial para ser um verdadeiro zé(zito)-ninguém!

PC

Anónimo disse...

Quem será o Garnier do Sócrates,para quem ele se esforça tanto que quer ser o mais bem vestido do Mundo indo comprar as roupinhas às lojas de super-luxo de Rodeo Drive.

Anónimo disse...

Parabéns João. Mais um excelente texto. Está lá tudo. O homem, só a ferros, deixará a cadeira do poder.

garganta funda.... disse...

O tamanho do nariz do Zézito, ou é do Pinóquio, ou dum marrano...

Kinkas disse...

O grupo do Joaquim Oliveira entregou-se ao socretismo e basta pedir que é à vontade do freguês. Por isso, o LPM tem sempre o sucesso garantido. No universo do grupo Oliveira, os outros políticos são seres menores de um país que caminha para a sul-americanização. À atenção do PPM: será que um dia destes teremos o jornal i a entregar-se à propaganda socretina?

Anónimo disse...

Fica-se a saber que sócrates trata o chauffeur por «tu». E este, como trata Sócrates?

CALA-TE BOCA... disse...

Achtung: das Führer

Anónimo disse...

Será que o trabalho foi escrito pela impagável f ?