À medida que se aproxima o início da campanha oficial para as "europeias" de 7 de Junho mais o respectivo "debate" se esfuma nas coisinhas do dia-a-dia. Não é por acaso que este governo - porventura o que tem tanto sentido apurado para a propaganda quanto para a mistificação como o lado mais perverso dessa mesma propaganda - se lembrou da ridícula fórmula da "west coast", como que a recordar aos nossos parceiros que não somos bem um país mas antes uma bela língua de areia adequada para relaxar junto ao mar. Por isso aqui recordo, uma vez mais, Francisco Lucas Pires (FLP) na véspera do 11º aniversário da sua morte. Ironicamente estive com ele nessa véspera de há onze anos - era, também, uma quinta-feira - até às primeiras horas do último dia, na secção A do PSD (a que, na altura, eu pertencia), numa sessão em que ele era o único orador. Não o via há muito tempo e levei-lhe a sua tese de doutoramento para a autografar. Imaginam como me custa sempre pegar nesse livro. Lucas Pires foi meu professor na Católica e, atrevo-me a dizer, alguém com quem sempre mantive uma enorme cumplicidade intelectual para além da admiração. FLP era um homem de pensamento e produziu provavelmente a única mais-valia que o CDS teve nesse campo - o saudoso "grupo de Ofir" - a que também pertenceu o José Adelino Maltez. No PREC, forneceu ao partido uma teorização sobre a constituição ideal ("Uma Constituição para Portugal"), escreveu artigos para uma das melhores revistas de pensamento político da época, a "Democracia e Liberdade", e dava aulas com uma lucidez adivinhativa e tímida própria dos melhores. Nunca foi um político de acção ou de intriga e, como tal, não escapou à tortura das novas e das velhas nomenclaturas do regime e do seu próprio partido. Gostava mais dos homens do que apreciava as "arrumações" partidárias e isso foi-lhe fatal. Acabou por ser eurodeputado pelo PSD e alvo do escarninho público de muitos alarves que transformaram o CDS em PP e o PP numa quase irrelevância, bem como de muitos inquisidores de pacotilha cheios de esqueletos no armário. Até Portas arrebatou um orgasmo televisivo contra ele num daqueles seus frenéticos momentos de falso moralismo político. Homens como ele fazem à nossa medíocre vida pública, tão poluída por tantos arrivistas e ignorantes esquecíveis. FLP tratou de "pensar a Europa" num momento em que, cá dentro, toda a gente se preparava para se servir dela. Homens como ele não têm "herdeiros". Sobretudo à direita onde, por mais que puxe pelo bestunto (Pacheco Pereira é mais da não esquerda do que da direita), não consigo enxergar ninguém a não ser gente em bicos dos pés para agradar à esquerda ou então "liberais" à espera de Godot. À esquerda, talvez apenas José Medeiros Ferreira e Manuel Maria Carrilho sejam dignos de menção por direito próprio e não partidário. Francisco Lucas Pires chegou cedo demais e partiu demasiado cedo. Nunca o merecemos.
6 comentários:
Permita-se-me que destaque dois pedaços lapidares da posta:
«Nunca foi um político de acção ou de intriga e, como tal, não escapou à tortura das novas e das velhas nomenclaturas do regime e do seu próprio partido. Gostava mais dos homens do que apreciava as "arrumações" partidárias e isso foi-lhe fatal.[...]Homens como ele fazem falta à nossa medíocre vida pública, tão poluída por tantos arrivistas e ignorantes esquecíveis. FLP tratou de "pensar a Europa" num momento em que, cá dentro, toda a gente se preparava para se servir dela.»
Recordo-me muito bem do interesse que me suscitava Francisco Lucas Pires, a cujo discurso só pude aceder mediante a TV. Um político que falava com um sorriso largo e demonstrava com brilho superior. É bíblico que um homem bom sucumba sob pedras e insídias, sob silêncios desprezivos na proporção do mérito que detinha. Mas também é bíblico que não se perderá um só cabelo e o pensamento (livros-outros documentos) de FLP pode ser revisitado para co-fermentar um momento inteiramente novo, autêntico, que urge para o País.
Hoje Portugal resvala numa grunhice oleosa e baixa na manufactura política e na venalidade de alguma opinião. Haverá ainda homens que leiam o Pensamento de FLP e baseiem a sua acção em critérios intrínsecos e não na porcaria da propaganda e na "mistificação como o lado mais perverso dessa mesma propaganda"?!
concordo consigo. são tão poucos os homens de ideias
no campo político: sá carneiro, pacheco, medeiros, carrilho,barreto.
desinteressei-me da politica activa há 25 anos. não suportava tantos palermas complexados.
nunca li nada de lucas pires, mas tenho dele boa recordação como homem.
estamos todos na fila de espera, até aí já fui ultrapassado por muitos.
arrium porrium
radical livre
Posso assinar por baixo?
Belo texto que nos lembra quem não devemos esqueçer.
Saudades ... faz ainda muita falta. Um homem sereno, claro e firme. Aparecem muito poucos numa geração.
Lucas Pires era um politico de primeira agua. Sim, jà hà poucos.
O contacto que tenho tido com os seus textos e com o produto do seu trabalho deixa-me a melhor das impressões: Francisco Lucas Pires é um desses homens raros cuja marca perdura para além da existência.
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