O livro do João Amaral - que se lê de um fôlego - explica, como Marcelo notou, que não foi nenhum republicano excitado quem varreu definitivamente a hipótese monárquica. Foi Salazar. Salazar achava que a monarquia era uma instituição e não propriamente um regime. Por isso preferiu "roubar" a instituição, dissolvendo-a no regime. Um pouco como D. Carlos (que dizia mandar numa monarquia sem monárquicos), Salazar desprezava os monárquicos de serviço a quem apelidava de "os nossos pobres meios monárquicos" e a quem acusava, tipicamente, de "insensatez". Nesta matéria, de facto, não mudaram muito como pude constatar recentemente. Nunca mereceram D. Carlos. Defensor de que não valia a pena a nação dividir-se por causa do que não interessava - república ou monarquia -, Salazar meteu a "instituição" no bolso. Fez bem. Não se fala, pois, mais nisso. Mas de Salazar fala seguramente o livro da foto, sobre a mítica "Cilinha" Supico Pinto, uma mulher literalmente "de armas" e, já nessa altura, aberta à modernidade, como diria o dr. Soares. Fernando Dacosta apresenta, às 18.30, na Sociedade de Geografia, ao lado do Coliseu.
Adenda: O "Estado Novo" nunca teve propriamente uma "primeira-dama". Maria do Carmo Carmona, Berta Lopes e Gertrudes Tomáz eram personagens secundárias ao lado dos também secundários maridos. O presidente do Conselho era celibatário e Marcello, quando lhe sucedeu, vivia a tragédia da doença da mulher, aparecendo publicamente com a filha. Cecília Supico Pinto foi, a partir de 1961, a verdadeira e única "primeira-dama" do regime. Era bonita, elegante, de boas famílias, católica, salazarista, patriota e acreditava genuinamente na política colonial em vigor. Até hoje, para Cecília, a África que foi portuguesa designa-se por "províncias ultramarinas". Nunca foi, por isso, incoerente nem nunca enganou ninguém. Dirigiu, até à extinção, em Junho de 1974, o Movimento Nacional Feminino e acreditou ingenuamente que as "suas" forças armadas iam continuar a acarinhá-la. Como aconteceu a muita coisa no PREC, os ficheiros do Movimento desapareceram. Apesar de ter dirigido um movimento de mulheres, Cecília odiava, como lhe competia, feministas que apelidava de "mulheres feias e mal vestidas". Dizia piadas a Salazar e permitia-se fumar diante dele. Conhecê-la, através deste livro, é conhecer uma parte da nossa história contemporânea, a que coincide com a derradeira guerra colonial de um país que foi, durante quinhentos anos, um "império". Não é nostalgia. É memória.
Adenda: O "Estado Novo" nunca teve propriamente uma "primeira-dama". Maria do Carmo Carmona, Berta Lopes e Gertrudes Tomáz eram personagens secundárias ao lado dos também secundários maridos. O presidente do Conselho era celibatário e Marcello, quando lhe sucedeu, vivia a tragédia da doença da mulher, aparecendo publicamente com a filha. Cecília Supico Pinto foi, a partir de 1961, a verdadeira e única "primeira-dama" do regime. Era bonita, elegante, de boas famílias, católica, salazarista, patriota e acreditava genuinamente na política colonial em vigor. Até hoje, para Cecília, a África que foi portuguesa designa-se por "províncias ultramarinas". Nunca foi, por isso, incoerente nem nunca enganou ninguém. Dirigiu, até à extinção, em Junho de 1974, o Movimento Nacional Feminino e acreditou ingenuamente que as "suas" forças armadas iam continuar a acarinhá-la. Como aconteceu a muita coisa no PREC, os ficheiros do Movimento desapareceram. Apesar de ter dirigido um movimento de mulheres, Cecília odiava, como lhe competia, feministas que apelidava de "mulheres feias e mal vestidas". Dizia piadas a Salazar e permitia-se fumar diante dele. Conhecê-la, através deste livro, é conhecer uma parte da nossa história contemporânea, a que coincide com a derradeira guerra colonial de um país que foi, durante quinhentos anos, um "império". Não é nostalgia. É memória.
14 comentários:
Pois, mas do Caudilho Francisco Franco dizia-se a mesma coisa., isto é, os monárquicos serviam para preencher certas lacunas do regime No entanto, a tal "patetice" monárquica, trouxe a Espanha ao patamar em que hoje se encontra, enquanto nós, continuamos no vão da escada. Lembro-me de há uns poucos anos, José António Saraiva ter escrito um editorial no Expresso, com o título "O Fim do Regime". Discorreu acerca do beco sem saída em que nos encontramos e concluiu, comparando-nos com a Espanha, que na sua opinião, devia a estabilidade e progresso às instituições pós-franquistas. No entanto, creio que não teve coragem para dar o passo que qualquer um dos leitores adivinharia. É assim, na hora da verdade, escusam-se. Estamos habituados e pior, sabemos porquê!
Caro João Gonçalves
Lamento dizer-lhe, se me permitir, mas desta vez foi simples na sua apreciação. O problema do Salazar face aos monárquicos não foi a matemática demagógica das "divisões"!!! Nem um "bolso" maior ou menor. A questão foi o Salazar saber que ficaria como fiambre numa "sande". Preferiu comer que dar-se a comer!! Se fez bem?? Quem anda a comer à míngua deste regime pode-lhe responder....
«(...)Nesta matéria, de facto, não mudaram muito como pude constatar recentemente(...)».
(João Gonçalves)
Pois se alguma vez, a talhe de foice, puder e quiser esclarecer melhor, ficar-lhe-ia grato e com a promessa solene de não polemizar ...
Concordo com os comentários anteriores: foi uma oportunidade perdida, até porque a Instituição não se reduz a uma, duas ou três pessoas, que até poderiam não estar à altura...; para mim, foi o grande erro de Salazar, que deveria ter devolvido a direcção do País a quem dela fora torpe e criminosamente afastado; depois de, durante cerca de vinte anos, arrumar a sujeira deixada pela Primeira República, em que prestou um grande Serviço à Pátria, deveria ter-se afastado. Muito provavelmente não teríamos chegado à "piolheira" em que nos encontramos hoje...
Acho genial a figura da Supico Pinto. Sempre achei. Aquele cabelinho armado e o ar despachado.
Tem razão, é memória. E muito gostaria de ver exaustivamente descrita a história das madrinhas de guerra.
Agora, Cristina, parece que já é tarde. Estamos todos adormecidos na modorra do cartão de crédito, código de barras e nº de contribuinte. Quando se está agarrado pelos bolsos, é difícil levantar vôo. E os nossos Donos jamais (JAMÉ...) abrirão mão de Belém. É que aquela casa é uma autêntica mina de amizades da mobilidade.
Só uma adenda extra, João: tinha outra coisa que falta às madames deste regime, isto é, "ar". Como o que diz a letra daquela musiquinha da Maddona, a "Vogue".
É extraordinário como os ditos monárquicos remetem as "culpas" da crise que o País atravessa para o facto de Salazar ter optado pelo regime republicano. No PREC eram os comunistas a acusá-lo de todos os males que o País padecia. Agora são os monárquicos. Esquecem-se que, entretanto passaram-se 35 anos do fim do ancien regime. E o que se fez de bom e de mau durante todos estes anos e o papel que os dirigentes políticos da terceira república tiveram naquilo que é hoje o País?
Ó anónimo (1:24 AM), Salazar não optou por nenhum regime republicano e a verdade também é que, no fundo, se "borrifava" para a Monarquia.
Salazar optou pelas Forças Armadas (que assim melhor controlava) no topo do Estado (e em muitas outras instituições, como os «governos civis»). Quem foram os Presidentes da República civis durante o Estado Novo ? Nem um !
Foi uma questão pragmática que melhor correspondia ao regime que instituíu. O que ele execrava na I República, também execrava na Monarquia Constitucional.
Sophia de Mello Breyner Andresen, sobre a Cilinha Supico Pinto. Ver CONTOS EXEMPLRES, «Retrato de Mónica».
«Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da “Liga Internacional das Mulheres Inúteis”, ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda a gente, gostar dela, dizer bem de toda a gente, toda a gente dizer bem dela, coleccionar colheres do séc. XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem–se sempre ou do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e constante. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve que renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
A poesia é oferecida a cada pessoa só uma vez e o efeito da negação é irreversível. O amor é oferecido raramente e aquele que o nega algumas vezes depois não o encontra mais. Mas a santidade é oferecida a cada pessoa de novo cada dia, e por isso aqueles que renunciam à santidade são obrigados a repetir a negação todos os dias.
Isto obriga Mónica a observar uma disciplina severa. Como se diz no circo, “qualquer distracção pode causar a morte do artista”. Mónica nunca tem uma distracção. Todos os seus vestidos são bem escolhidos e todos os seus amigos são úteis. Como um instrumento de precisão, ela mede o grau de utilidade de todas as situações e de todas as pessoas. E como um cavalo bem ensinado, ela salta sem tocar os obstáculos e limpa todos os percursos. Por isso tudo lhe corre bem, até os desgostos.
Os jantares de Mónica também correm sempre muito bem. Cada lugar é um emprego de capital. A comida é óptima e na conversa toda a gente está sempre de acordo, porque Mónica nunca convida pessoas que possam ter opiniões inoportunas. Ela põe a sua inteligência ao serviço da estupidez. Ou, mais exactamente: a sua inteligência é feita da estupidez dos outros. Esta é a forma de inteligência que garante o domínio. Por isso o reino de Mónica é sólido e grande.
Ela é íntima de mandarins e de banqueiros e é também íntima de manicuras, caixeiros e cabeleireiros. Quando ela chega a um cabeleireiro ou a uma loja, fala sempre com a voz num tom mais elevado para que todos compreendam que ela chegou. E precipitam-se manicuras e caixeiros. A chegada de Mónica é, em toda a parte, sempre um sucesso. Quando ela está na praia, o próprio Sol se enerva.
O marido de Mónica é um pobre diabo que Mónica transformou num homem importantíssimo. Deste marido maçador Mónica tem tirado o máximo rendimento. Ela ajuda-o, aconselha-o, governa-o. Quando ele é nomeado administrador de mais alguma coisa, é Mónica que é nomeada. Eles não são o homem e a mulher. Não são o casamento. São, antes, dois sócios trabalhando para o triunfo da mesma firma. O contrato que os une é indissolúvel, pois o divórcio arruína as situações mundanas. O mundo dos negócios é bem-pensante.
É por isso que Mónica, tendo renunciado à santidade, se dedica com grande dinamismo a obras de caridade. Ela faz casacos de tricot para as crianças que os seus amigos condenam à fome. Às vezes, quando os casacos estão prontos, as crianças já morreram de fome. Mas a vida continua. E o sucesso de Mónica também. Ela todos os anos parece mais nova. A miséria, a humilhação, a ruína não roçam sequer a fímbria dos seus vestidos. Entre ela e os humilhados e ofendidos não há nada de comum.
E por isso Mónica está nas melhores relações com o Príncipe deste Mundo. Ela é sua partidária fiel, cantora das suas virtudes, admiradora de seus silêncios e de seus discursos. Admiradora da sua obra, que está ao serviço dela, admiradora do seu espírito, que ela serve.
Pode-se dizer que em cada edifício construído neste tempo houve sempre uma pedra trazida por Mónica.
Há vários meses que não vejo Mónica. Ultimamente contaram-me que em certa festa ela estivera muito tempo conversando com o Príncipe deste Mundo. Falavam os dois com grande intimidade. Nisto não há evidentemente nenhum mal. Toda a gente sabe que Mónica é seriíssima e toda a gente sabe que o Príncipe deste Mundo é um homem austero e casto.
Não é o desejo do amor que os une. O que os une é justamente uma vontade sem amor.
E é natural que ele mostre publicamente a sua gratidão por Mónica. Todos sabemos que ela é o seu maior apoio, o mais firme fundamento do seu poder.»
Não sei se hoje em dia haverá "Mónicas".
Há com certeza muitos "Bispos" convidados para jantar.
Só uma nota:
Estudioso do "revistário" de consultórios e afins, constatei o desaparecimento, há já bastante tempo, de "Vogue", "Paris Match", e semelhantes.
Da linha estrangeira ficamos com a "Hola!", e resto é Lux's, suplementos do Expesso, Sol e Público, com abundantes incustrações de Marias & TVGuias.
Ou seja, dantes ia-se até Paris, hoje ficamos por Madrid e cheiro a Channel caseiro.
Quanto ao resto, o que é realmente notável no Feitor S, é que ele tanto dirigia os trabalhadores, como os patrões, fossem eles monárquicos, republicanos, etc.
Ponha-os cada vez mais anafados e estupidos, com as consequências que se conhecem, ainda hoje.
Para o anónimo das 8.34.
Brilhante
Quem dera aos (iluminados) do agora terem a capacidade e cultura que Salazar sempre teve.
Salazar não precisava dos Militares: era uma pessoa persuasiva.
O veneno era o Comunismo, é o Comunismo e será sempre o Comunismo.
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