4.2.07

A LEI DE QUE NÃO SE FALA

Vejo pouca gente, de um e do outro lado, interessada em olhar com atenção para a lei em vigor, no capítulo a que pertence na respectiva economia textual, "dos crimes contra a vida uterina". O aborto é um crime e assim continuará após o resultado do referendo do próximo domingo, independentemente desse resultado, coisa que fica sempre na penumbra do argumentário do “sim”. A alínea a) do número 1 do art.º 142.º do Código Penal – ao qual se pretende acrescentar outra se o “sim” ganhar - é o que se pode chamar uma "claúsula aberta". A vitória do "não" obrigaria o Estado, na pessoa do tão empenhado dr. Correia de Campos, a criar definitivamente condições para que a legislação se cumprisse (acabam-se os referendos ao aborto) e que a interrupção justificada da gestação pudesse ter lugar sem dramas institucionais, pessoais ou judiciais, ocorresse ela às dez, às doze, às dezasseis ou às vinte e três primeiras semanas ou, no limite, sem limite, conforme a citada alínea que todos se recusam a ler. De resto, acompanho o dr. Mário Torres na sua declaração de voto de vencido no Tribunal Constitucional já que, ao acrescentar-se outra alínea ao artigo 142.º, favorável à liberalização absoluta proposta na pergunta referendária, passa a existir uma solução legal inconstitucional que representa a total desprotecção da vida uterina, “com absoluta prevalência da “liberdade de opção” da mulher grávida, sem que o Estado faça o mínimo esforço no sentido da salvaguarda da vida do feto, antes adoptando uma posição de neutral indiferença ou, pior ainda, de activa promoção da destruição dessa vida.”

Publicado no Diário de Notícias

1 comentário:

Anónimo disse...

É com a manutenção desta lei que o nosso PM hoje nos ameaça caso o "não" ganhe, após a vontade demonstrada pelos partidários do "não" em mudar a mesma, nomeadamente mudando a pena a que o incuprimento desta levaria.

Ao recusar qualquer proposta de mudança ao art.º 142.º do Código Penal caso o "não" ganhe, José Sócrates continua em campanha pelo "sim", desta vez recorrendo ao poder que lhe dá a maioria parlamentar. É mais uma artimanha mesquinha para "embolsar" uns quantos indecisos, recorrendo a truques sujos: Sócrates ameaça despóticamente os que votarem não com a pena da culpa eterna, quase comparável à excomunhão (já sugerida por outrém), além de ameaçar o povo português com a irreversibilidade da decisão. Se por um lado o "sim" para Sócrates significa a mudança da Lei, o "não", segundo o mesmo, traz a estagnação da actual Lei, para o melhor ou para o pior, para o bem ou para o mal dos portugueses, i. e., quem votar não á despenalização do aborto é culpado por inviabilizar qualquer alteração da Lei, julgar e prender mulheres por cometer um aborto, etc.

Já agora: não deveria haver assim outra questão a ser referendada, nomeadamente a alteração ou não da Lei no caso da vitória do não?

Ou Sócrates tem muita certeza da vitória do "sim" - a sua vitória e a do PS - ou então não tem assim a consciência ética e social que supostamente lhe devia influenciar a decisão. O que faz deste referendo, para Sócrates, um jogo político e não uma questão ideológica, social e ética, no qual ele não tem medo de lançar as cartas todas, manipulando e fazendo "bluff" a seu bel-prazer, tendo todas as cartas do poder na mão, aquelas que os portugueses lhe deram, quer partidários do sim, do não, ou o assim-assim.

E como carneirinho, lá vai o português para dentro da cerca - onde só pode andar para a frente ou para trás.

Duarte Cruz Bucho