Não existem duas leituras. A partir de agora, há legitimidade para alterar a lei e liberalizar o aborto a pedido da mulher, sem qualquer tipo de justificação, até às dez semanas de gestação. Daí para diante, como é óbvio - e convém lembrá-lo agora que se encerra definitivamente este debate – o aborto continua previsto e punido como crime, com as causas exculpativas em vigor. Ponto final quanto a isto. O resultado, no entanto, foi desastroso para a “política”. Em primeiro lugar, para um dos vencedores, o secretário-geral do PS e primeiro-ministro. Empenhou-se quanto pôde neste referendo e, mesmo assim, não conseguiu convencer mais de cinquenta por cento dos eleitores pelo menos a votar. Aliás, todos os líderes da “esquerda” estiveram de alma e coração nesta campanha e, nem por isso, os eleitores se excitaram com isso. Ribeiro e Castro conta pouco e aparentemente ninguém lhe deu muita atenção. Marques Mendes lavou vagamente as mãos e também não ganhou nada com isso. Finalmente, o Presidente da República nem sequer apelou ao voto na véspera. Por causa do aborto, toda a gente se distraiu da actividade do governo socialista, justamente no ano crucial da legislatura. Resta, pois, o futuro. E o futuro passa obrigatoriamente por acompanhar com a maior atenção toda a actividade do governo daqui em diante. Pode, aliás, começar-se pelo “serviço nacional de saúde”. O governo fica com o ónus de, entre outras coisas, dotar este sistema com condições para que a nova lei se possa cumprir com segurança e eficácia. E, por outro lado, o de não viabilizar os negócios chorudos que se avizinham com a liberalização aprovada a qual, certamente, não acabará com os abortos clandestinos. Daqui para diante, não há desculpa para mais nada.
publicado no Diário de Notícias
9 comentários:
JPP, no Abrupto:
"A vitória do "sim" ou do "não" não é relevante em termos de política nacional. Mais do que uma medida do estado do país político, será uma medida, um retrato da sociedade que emergirá do voto. Será mais relevante retirar conclusões, hipóteses, sobre o grau de laicização da sociedade, o papel da Igreja, a influência das elites, os hábitos sociais, os mecanismos de conformidade e pertença, etc., etc., do que sobre se o PS, o PCP, o BE ou o PSD ficam bem ou mal com o resultado do referendo."
«(...) Perdendo-se a unidade invisível, perdendo-se os fundamentos sobre os quais repousa a unidade civilizacional, transfere-se para as circunstâncias, os estados de alma e os caprichos a essência de uma civilização. Não cabe à pólis decidir, votar, banir ou assimilar aquilo que está antes e acima da sociologia. A pólis não pode, pois, exprimir-se em matérias cuja relação com os homens e com a comunidade são condição para que os seres humanos sejam homens e para que a comunidade seja uma sociedade, uma nação, um Estado.
Pedir ao voto que se pronuncie sobre a existência ou inexistência de Deus, sobre o interesse ou desinteresse da preservação da independência nacional, sobre a verdade, o bem, o belo ou a justiça - ou seja, pedir ao voto qualificação em questões metafísicas, teológicas, filosóficas e estéticas - surge-nos tão absurdo como pretender pedir a um teólogo, a um filósofo ou um criador consulta sobre pesos e medidas, taxas de juro, câmbio e regulamentos rodoviários (...)»
("Combustões", MCBranco)
Entretanto a Clínica dos Arcos e a El Bosque (pelo menos) é que estão aí no terreno e bem lançadas para açambarcar a clientela enquanto por aqui se começa vagamente a pensar no que se faz a seguir.
Porquê tanto alarido? Fazendo as contas nem 20% da população portuguesa votou "Sim".
Ah mas isso é o costume.
Já Jorge Sampaio foi realmente eleito (2º mandato) com 24 % do eleitorado e era tido pelo "Presidente de todos os Portugueses". Isto está pejado de metafísicas.
Melhor dizendo, pouco mais de metade da população está-se bem a lixar para o aborto! e da metade que sobra a maioria clara e esmagadora que se preocupa é a favor da despenalização.
Vamos lá tentar mentir um pouco menos, rapazinhos, ok ?
... e o engenheiro foi eleito no PS com 98 % de votos. O sistema é giro :
Não há nunca coisa nenhuma que não seja sempre «eleita». Umas vezes por excesso, outras por defeito. No fim, são os Portugueses que não fazem bom uso dos «instrumentos», ehehe
Há ainda outra coisa.
Será indesculpável agora não acabar com o aborto clandestino, antes e depois das dez semanas.
Porque é a grande argumento com que se adocicou a coisa, ou não foi assim?
E depois há outra: a promessa de reduzir o número de abortos.
Ficar atento aos "estudos" que promoviam números sempre a propósito.
mas também não consigo perceber porque é que agora é crime se não for numa clínica particular? ou a abortadeira pode regularizar a sua situação desde que pague impostos?
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