23.7.11

VEMOS, OUVIMOS E LEMOS, NÃO PODEMOS IGNORAR


Por circunstâncias diversas, o jornalismo (e os jornalistas), face às desventuras ocorrentes na pátria de Sua Majestade britânica, tomou conta da impropriamente chamada silly season. Costumo dizer que, como com tudo e todos na vida, tenho respeito pela profissão mas não me consumo em temores reverenciais perante ela. Também não sou adepto de "teorias da conspiração" que envolvem invariavelmente jornalistas ou ex-jornalistas a não ser, como no affair Murdoch, que fique provado o contrário. Todavia, existe manifestamente uma crise (a juntar à económica) a grassar os meios tradicionais de comunicação social. E os problemas do mercado - tão cheio de incerteza quanto de imprudência (gosto destes termos do ministro das finanças) - só agravam a questão. O que muitas vezes uma manchete espelha é mais a consequência disto do que uma "notícia" em si. Um conhecido comentador televisivo ficou, aliás, famoso quando, numa outra encarnação, era tido por "criador" de "factos políticos"numa altura em que a concorrência e a penúria estavam longe de ser o que agora são. Aprendi com um professor de direito que a vida é sempre mais rica do que a imaginação. Eis um dado a ter em conta pelo jornalismo para os dias de imprevisibilidade que vivemos. António Guerreiro, jornalista do suplemento Actual do Expresso, lembrou-se de Karl Kraus por causa de Murdoch e da política inglesa contemporânea - de Thatcher a Blair, de Brown a Cameron. Kraus, o polemista de Die Fackel, apodava o jornalismo de "magia negra" («os jornais têm mais ou menos a mesma relação com a vida que a cartomante com a metafísica») e desconfiava profundamente da opinião pública, o equivalente ao senso comum que Nabokov explicava como o cruzamento de um cavalo com um elefante. As referidas concorrência e penúria, porém, "mataram" a polémica ou colocaram-na (sobretudo a falsa) aos serviço delas. Desapareceu, em suma, uma certa noção de liberdade de espírito culto que caracterizava os tempos também diferentemente difíceis que Kraus viveu e descreveu. Dizia ele que «a missão da imprensa consiste em propagar o entendimento e, simultaneamente, em destruir a receptividade do entendimento.» Não lhe demos, mais de um século depois, motivos para ter razão.

4 comentários:

TMC disse...

Manter este blogue sem dizer uma palavra sobre a cambalhota política que o João Gonçalves protagonizou é incompatível com a sua leitura.

Pode não ter respeito nem pelos seus leitores nem por si, mas haja leitores que têm auto-respeito.

Despeço-me.

João Gonçalves disse...

TMC, esteja à vontade. O blogue é meu e eu escrevo sobre o que entendo dever escrever. Presumo que é favorável à liberdade de expressão e que não defenda a capitis diminutio de ninguém. De resto, nunca fui dado a cambalhotas quando fazia ginástica. Sou mais adepto da natação. E em mar picado. Cumprimentos.

Karocha disse...

Eu continuo a vir diariamente!

Anónimo disse...

A newspaper is a device for making the ignorant more ignorant and the crazy crazier. - H. L. Mencken (jornalista).
Asange de um lado e Murdoch do outro, como se fossem coisas completamente diferentes, é só ideologia a pôr aqueles cerebelozinhos a trabalhar e a debitar as cassetes do costume. Just push play. É só ideologia, como o Pacheco Pereira, quem consegue mudar de uma ideologia para a outra será capaz de o fazer de novo no futuro. Conseguir não ser escravo de ideologias também é ser um homem livre. João Gonçalves idem.
Merkwürdig