14.7.11

CARTA A PESSOA


«V. não foi um mistificador, nem foi contraditório. Foi complexo, da pior das complexidades - a sensação do vácuo dentro e fora, V. não foi um poeta do Nada, mas, pelo contrário, poeta do excessivamente tudo, do excessivamente virtual, de toda a consciência trágica de probabilidade, que a crença no Destino não exclui. (...) Não creio, portanto, que a morte o tenha prejudicado, meu Amigo: V. não diria mais do que disse; V. tinha dito sempre a mesma coisa - maravilhosamente, de quantas maneiras possíveis. Veja, no entanto, as «Malhas que o Império tece». Porque V., à parte o seu caso único na história das literaturas, para ser algo do Super-Camões que anunciara, não precisava de ter publicado uma espécie de Lusíadas, e de deixar as Líricas dispersas por revistas, ou amontoadas num baú, entregues às mãos do acaso e da amizade... As suas obras estão sendo publicadas. O grande público decorará o seu nome; muitas pessoas o lerão; algumas o hão-de entender e amar. Outras desconfiarão de V. Outras, ainda, lamentarão secretamente aquela complexidade, de que já falamos, e que não pode servir de garantia a profecias ou realidades, para uso do «gado vestido dos currais dos Deuses». Será tido como mistificador. Será tido como contraditório. Mas V., meu Amigo, já o sabia... E aquele sorriso vago, que flutua aquém dos seus retratos, para quem será, não é verdade?
Creia na imensa admiração e no imenso respeito do
Jorge de Sena (1944)»

2 comentários:

www.angeloochoa.net disse...

João:
Pessoa foi 'um póstumo' que desprezou 'seu tempo e coevos' e viveu esporado no amanhã 'que é só com Deus' como ele inscreveu. à parte a 'literatice' chocarreira vãmente elocubradora e alfacinha da qual de onde em onde ele enferma / desculpem-se os copos da 'leitaria' / é nosso -- e só ombreado ou superado(?) / o amanhã ditará / por Pascoaes, o Marano!

Isabel disse...

Via-nos também como "escravos cardíacos das estrelas".