31.12.10

QUE VOS LEVE O DIABO




Votos para 2011? Uns, antigos, de Jorge de Sena. Estareis mais pobres em tudo. De espírito não conta porque é da Vossa natureza. Que vos leve o diabo.


Clip: Carta a Meus Filhos sobre os Fuzilamentos de Goya, dito por Mário Viegas

FRACASSO, SAISON 2010-2011


«Não me lembro de um começo de ano tão escuro e perigoso como o de 2011. Mesmo 1975 não parecia (em Janeiro) assim tão mau. Não há precedentes para a ruína do país que se anuncia cada vez mais certa. O que não impediu Sócrates de fazer um discurso de Natal absurdo e folgazão. Nem o poeta Alegre e o dr. Cavaco de se entreterem num debate fútil, por uma honra vazia e um cargo sem verdadeira relevância. Como nos metemos neste sarilho sem fundo? A resposta é fácil. Imaginando, com o incurável provincianismo indígena, que podíamos ser como a Europa, esse modelo mítico que arrastou o liberalismo inteiro, a I República e, até certo ponto, o próprio Salazar, e que este nosso regime democrático seguiu, depois do PREC, com patético zelo e a incompetência do costume. Basta olhar e ver. Cavaco e Alegre, por exemplo, discutiram anteontem na televisão quem era ou quem não era a favor do Estado Social. Nenhum deles, evidentemente, se deu à excessiva franqueza de esclarecer o que entendia por "Estado Social". E nenhum deles achou útil explicar que espécie de "Estado Social" a economia portuguesa consegue hoje por si mesma sustentar. Para um e para outro, basta saber que "lá fora" o "Estado Social" existe (e deve, por consequência, existir cá dentro) e sobretudo que perde votos se for contra esse obrigatório aprimoramento do país. De quem paga (e do que não se paga) não se falou para não estragar o gozo desses devaneios da imaginação. Quem paga e o que não se paga é um capítulo à parte. Quase irrelevante. Infelizmente, os devaneios da imaginação acabam sempre por custar caro, agora que Portugal se tornou dependente do estrangeiro e já não ganha a vida a cavar batatas. Por uma estranha perversidade do destino a nossa perpétua "modernização", da "modernização" de 1820 (a que na altura se chamava "regeneração") à "modernização" de Sócrates, passando pela de Cavaco, nunca "modernizou" nada. Não enriqueceu o país; criou dívidas, licenciados, desemprego e miséria. Os pobres portugueses de 2011 vão comer restos de restaurantes, decorados com um doutoramento. Como os bacharéis do século XIX. O progresso é óbvio. E a confusão indescritível: o orçamento não se cumpre, os partidos não funcionam, o Presidente não manda nos partidos. Só falta o FMI. Mas por pouco tempo.»

Vasco Pulido Valente, Público

BURROS COM ORELHAS DE BURRO


Há dias andaram para aí todos babados com uma relatório do PISA/OCDE. Parecia que, num átomo, Portugal deixara de ser assustadoramente periférico e bruto e que as gerações futuras prometiam um paraíso de saber e ponderação capaz de, uma vez mais, "dar novos mundos ao mundo" nem que fosse a título meramente virtual. Sócrates, no Natal, louvou-se nisso, nas pás eólicas e consta que foi para São Bento movido a electricidade. Todavia, o seu próprio ministério da educação encarregou-se de desfazer o mito. A massa educanda é genericamente burra e não se comove com o facto. «Os alunos portugueses afinal estão ainda longe de conseguir desempenhar tarefas tão simples como, por exemplo, interpretar um texto poético, solucionar um exercício matemático com mais de duas etapas ou enfrentar um enunciado que não seja simples e curto.» Simples e curtos como eles, na realidade, são.

30.12.10

A VACINA E O CHOQUE


Até os melhores espíritos estão a ser inoculados com a "vacina BPN" para umas eleições presidenciais sem política dentro. Em 1991, num debate presidencial na tv, Basílio Horta (esse mesmo) chamou "padrinho" a Mário Soares e Soares murmurou qualquer coisa acerca de um "negócio" com bananas, puxando de uns papéis, precisamente porque as eleições não tinham política dentro. Dias depois, Soares era monumentalmente reconduzido em Belém apesar do "padrinho", das bananas e da ausência da política. A "vacina BPN" tenta juntar ambos ("padrinho" e bananas) numa espécie de retrocesso civilizacional em matéria de escolha directa do Chefe de Estado, uma das boas "conquistas de Abril", porque falhou a política (Alegre é irremediavelmente nulo). Às esquerdas custa-lhes perder, pela segunda vez, as presidenciais precisamente para aquele que, por complexos de superioridade moral, política e de classe, mais detestam. Daí a "vacina". Cuidado com o choque anafilático.

O JULGADOR


Um ministro da presidência decretou "criminosas" pessoas sobre as quais ainda não passou qualquer trânsito em julgado na competente sede. Uma dessas pessoas esteve detida, não para cumprir uma condenação judicial, mas em virtude de uma medida de coacção que, quando terminou, terminou. O tal ministro é português. Não é venezuelano, do Uganda ou da Cuba "profunda". Mas revela uma densidade democrática anã. Se calhar não podia demonstrar outra.

O IMPERATIVO DE UMA NOVA REPÚBLICA


Ao contrário do autor, não penso que 2011 dê início a qualquer novo ciclo político interno «mais realista e mais construtivo, em que os problemas do País terão de ser equacionados com honestidade, rigor e sentido de futuro, cortando com a cultura powerpoint e com a doentia manipulação das estatísticas com que tantos imaginam proteger-se da realidade.» Nem a qualquer «outra atitude». O ano encerra com as mesmíssimas retóricas com que começou e o debate presidencial, até agora, é decepcionante porque as resume a todas. Temo que daqui a uns meses, Carrilho possa voltar a escrever que se foi «consolidando em vez de se ultrapassar o impasse português.» Todavia, ele é dos poucos políticos com que um qualquer novo ciclo e uma Nova República, sua feliz expressão explicada num livro que foi do ano, devem contar. Para além de ter sido (e ser) dos poucos que pensa nas coisas, a pública incluída, sem preocupações curto-termistas. Carrilho ajuda a não nos "abstermos". Nessa matéria bate qualquer candidato a Belém. É o melhor elogio que lhe posso fazer.

O SENHOR CONSELHEIRO E O FUTURO OU A PERGUNTA QUE NINGUÉM FEZ

O senhor conselheiro Pinto Monteiro fez aquela coisa tipicamente portuguesa que consiste em "passar a bola" para baixo. Responsável máximo pela PGR - por aquilo que ela é e por aquilo a que ela chegou nos últimos anos -, o senhor conselheiro entendeu perseguir disciplinarmente procuradores que, alegadamente, o teriam colocado em causa através de um despacho proferido nuns autos conhecidos. Na realidade, o despacho é uma desgraça mas é uma desgraça que se limita a evidenciar a desgraça maior (o atoleiro) em que caiu a PGR dirigida pelo "ofendido". Por tudo isto e por tudo o mais, é estranho que nenhum candidato presidencial não tivesse anunciado já o óbvio no meio de tanta bagatela. Que promoverá, junto do governo e com a legitimidade eleitoral fresca, a substituição do PGR. Aliás, foi a pergunta que ninguém fez a Cavaco - o senhor confia neste PGR e tenciona continuar a não mexer uma palha a seu respeito?

29.12.10

DA PULHICE TROLHA


Ignorava que O Cachimbo de Magritte acolitava pulhas. Agradeço ao André Azevedo Alves tê-lo demonstrado. Já há uns tempos o referido pulha tinha revelado a sua exaltada ignorância ao sugerir o meu quase "fascismo" por apreciar Ezra Pound. Como disse na altura, tratava-se de um trolha literário. Lembraram-se dele para a "comissão de honra" por causa da mencionada trolhice, disfarçada de académica, ou disto? Enfim, seja lá o que for, um trolha é um trolha que é um trolha que é um trolha. Até pulha, um trolha com pretensões sofisticadas, consegue ser.

O MIÚDO E O ADULTO

Vamos ver se o debate entre Cavaco e Alegre consegue, pelo menos, mais um espectador do que os anteriores. Mesmo assim, não é caso para isto por muito que o bardo se esprema. Há fenómenos crónicos em que se puxa mas não dá mais. Já dizia o Doutor Salazar.

Adenda: Depois da coisa, respira-se de alívio pelo fim destes debates absurdos. Penso ter ficado claro, de uma vez para sempre, que apenas depende de Sócrates e das nomenclaturas partidárias a manutenção desta legislatura até ao seu derradeiro dia. E que Alegre olhará, com nostalgia, para o milhão de votos que obteve em 2006. Jamais o repetirá.

NÃO VALE A PENA


A ASAE do sr. Nunes foi criada há cinco anos. A coisa foi pensada, à semelhança de muitas outras antes desta, como algo destinado a "purificar" o indígena e a incentivar a emergência do tão constantemente renovado quanto adiado "novo homem português". Em vez do homem médio da unha grande do dedo mindinho, da mariconera, do palito depois do almoço, das baforadas no meio das refeições, apreciador de galheteiros de azeite esconso e de vinhos competentemente martelados, a ASAE prometia o paraíso, multando, encerrando e expondo ao opróbrio público a malícia e o "risco" de um pratinho mal lavado, de uma ginja tragada em copos cambados, de um avental com nódoas de gordura, a frequência de tascas de reputação duvidosa e de restaurantes assemelháveis a prostíbulos. A ASAE vinha, em suma, corrigir o prazer e obrigá-lo aos regulamentos, trivializando tudo. Aos poucos, porém, o governo percebeu que ganhava mais em não revelar continuamente as façanhas policiais da seita e permitiu que, aqui ou ali, os anti-corpos fizessem o seu caminho natural sob pena de se matar a sociedade de tanta cura. Apesar da ASAE, persistimos feios, porcos e maus. Não vale a pena.

28.12.10

NÃO VAMOS LÁ

Ele é submarinos. Ele é blindados. Ora vêm, ora não vêm. Tudo bens essenciais como o arroz ou o bilhete do autocarro. Os países ricos são mesmo assim. Dão-se à paródia com mais milhão menos milhão. Enquanto não for declarada a bancarrota (a real, porque a ética está declarada por natureza) não vamos lá.

A AMORALIDADE PÚBLICA

O Tribunal de Contas acha que há motivos de sobra para colocar em causa as administrações de coisas públicas como a CP, a REFER ou o Metro por terem "posto a render" dinheiro na banca comercial em vez, como a lei obriga, do Tesouro. Agora o Estado vai exigir os juros de volta mas "salva" os beneméritos da demissão, alegando que o Tribunal não pede a cabeça de ninguém. Até pode ser. Mas, e uma vez mais, estamos numa outra dimensão, a da amoralidade pública. E, para ela, de facto não há meio termo. Ou se avaliza ou não se avaliza. Ponto final.

PRECISAMENTE


É O QUE HÁ


«António José Seguro votou sozinho, na AR, contra a actual lei de financiamento partidário que vem revelando os truques de que é feita e os malefícios que pode trazer à saúde moral do regime. O PR promulgou a lei sem dizer Ai [não: publicou uma "nota exculpativa"]. O governo apresentou um diploma razoável sobre o condicionamento das subvenções estatais ao ensino particular e cooperativo. Os contratos de associação aplicam-se sobretudo a antigos seminários diocesanos reconvertidos em escolas. O PR ameaçou vetar o diploma e promoveu uma clarificação conceptual sobre a matéria antes de o promulgar [chamou-lhe "bom senso"]. Tudo bem. Mas escapa a alguém o desnível geral das suas preocupações?» (Medeiros Ferreira) Escapa porque o "povo" está-se nas tintas e quer saldos. Cavaco pretende "segurar" o regime em vez de o afrontar exigindo, por exemplo, outra revisão constitucional, outros poderes, outros equilíbrios menos hipócritas. Prefere ganhar com cinquenta e poucos por cento dos votos do que com setenta ou mais, "invertendo" o tema da campanha : não acredito em Portugal assim e proponho outra coisa. Estas, porém, são as eleições presidenciais possíveis. Não merecemos, aliás, melhor.

Nota: Dito isto, tenho pena que o Medeiros Ferreira continue sem opinião publicada acerca dos mais recentes arrobos do pequeno timoneiro micaelense, um derrotado profundo anunciado do "23 de Janeiro".

27.12.10

MASSACRE


O senhor 0,7% debateu com o senhor 4,8% (generosa, esta percentagem). No estado a que chegámos, termos disto como candidatos a PR - desta vez os respectivos progenitores masculinos substituiram as famosas galinhas - contribui para que não possamos ser levados a sério. Imaginem os credores a assistir a massacres destes com tradução simultânea. Nem mais um euro seria dispensado.

O MAL DE CADA DIA

«Não vos preocupeis com o amanhã; cada dia tem o seu mal» Este excerto da Palavra é um "lema" para o Papa Bento XVI conforme o próprio revela no livro ali à direita. É um belo propósito.

26.12.10

O ESTRANHO CASO DE D. JOSÉ

D. José Policarpo, o chefe da Igreja Católica em Portugal, esteve particularmente activo nos últimos dias. Ouvi-o na rádio, li-o nos jornais. Salvo o devido respeito, é um politiqueiro. Basta ver a entrevista no Diário de Notícias de domingo. Parece um tudólogo e não um cardeal patriarca. É complacente com Sócrates como nunca foi com o seu "amigo" Cavaco aquando de um não veto circunstancial. Parece que não aprecia a ideia de poder vir a ser substituído pelo Bispo do Porto, D. Manuel Clemente, ou pelo Auxilar de Lisboa, D. Carlos Azevedo, dois dos mais notáveis prelados da Igreja portuguesa. Policarpo representa uma Igreja pusilânime e cortesã que, certamente, escapa ao múnus de Joseph Ratzinger. Não foi por acaso que, aquando da visita dos Bispos lusos ao Vaticano, foram forçados a ouvir muita coisa de que não gostaram. Designadamente que olhavam demasiado para si próprios. Ora D. José Policarpo é, nesta matéria, um epígono exímio. Sente-se confortável no regime e o regime sente-se confortável com ele. A Igreja é deste mundo mas representa outra coisa. Não conviria abusar.

UM PAÍS CHEIO DE PROSPERIDADES


«O Natal acabou, o que este ano não deixa de ser um alívio. Os lisboetas, pelo menos, não pareceram dar pela crise. A julgar pelo trânsito e pelas multidões que enchiam o Colombo e congéneres, continuamos manifestamente a pensar que Portugal é um país próspero, "europeu", "modernizado" e rico e nada nos tira isso da cabeça. Claro que andam pela televisão e pelo jornais meia dúzia de indivíduos (má gente) a resmungar contra a pobreza, o défice e a dívida. E que o Presidente da República resolveu declarar - não se percebe porquê - a nossa bela situação "insustentável". Mas sem grande efeito. A classe média, carregada de embrulhos ou à espera do próximo avião para mais verdes pastagens, não se comoveu. O que será, será - e, por enquanto, o que é, é suportável. Há de resto nisto tudo um lado prazenteiro. Cavaco e o Governo fizeram uma reuniãozinha, muito bem postos, para se dar mutuamente boas-festas. E o admirável Sócrates veio mesmo num carro a electricidade, certamente com o propósito de exibir o espantoso progresso de Portugal. Também os srs. ministros esqueceram o aperto financeiro e as várias desgraças de outra espécie de que por aí se fala, para sossegar a populaça com um sorrisinho de beatitude. Cavaco e Sócrates, como lhes compete, juraram lealdade, fidelidade, responsabilidade e amor, enquanto presumivelmente afiavam as facas com doçura. A hipocrisia é de graça e consta que promove a confiança dos mercados. Só faltou ao quadro Teixeira dos Santos, que anda por aí à procura de um tostão perdido. E as celebrações não ficaram por aqui. Um jornal benévolo revelou o que tencionam comer (ou já comeram) os cinco (ou talvez nove) patriotas que temerariamente se candidatam a Belém: bacalhau cozido, peru recheado, cabrito, capão, bolo-rei e arroz-doce. Infelizmente, Cavaco não nos confessou como se esperava consolar. Mas, de qualquer maneira, não se pode dizer que esta importante parte da nação se alimenta mal. Nem que ande muito angustiada com o seu futuro. O Presidente conta continuar Presidente e o primeiro-ministro primeiro-ministro. E os que, entretanto, escorregarem na indiferença do país têm sempre o gozo do tal quarto de hora de celebridade, que amacia o ego e adoça a insignificância por um tempo. Os portugueses sabem sempre aproveitar.»

Vasco Pulido Valente, Público

25.12.10

AGARREM-NO SE PUDEREM


Tivemos "direito" ao fatal Sócrates. E à sua fatal "crise" internacional que justifica praticamente tudo. "Olhem lá para fora, se fizerem favor", "olhem para a Europa", etc., etc. Para Marte, de onde ele veio qual rei mago tecnológico. Mas, sobretudo, não reparem em nós. Nele. Por isso, portugueses, dotado da graça da "energia" e do "vigor", Sócrates não vai desistir mesmo que o país desista dele. Até a graçola do PISA - que ainda ninguém teve a coragem de desmontar - serviu o sapatinho do premier como "sintoma" do nosso "desenvolvimento" e da "mudança". Agarrem-no se puderem.

O DIA DE NATAL

Aparentemente não há mais nada a dizer no dia de Natal do que contabilizar mortos e feridos na estrada, de preferência por comparação com o ano passado. Também contam as centenas de passageiros congelados em aeroportos europeus, coitadinhos, e pouco mais. O dia de hoje, porém, fundou um mundo. Pouco importa que esse mundo esteja a desaparecer precisamente, entre outros sítios, nos corredores aeroportuários onde os tontos saltam de "felicidade" em "felicidade" até ao descalabro final. Mas porque está a desaparecer é que ele brilha mais - forte, seguro e firme. A pergunta que fazemos a nós próprios - meu Deus, por que me abandonaste? - instaurou-se desde o primeiro momento, no silêncio e na simplicidade da gruta e das palhas. E este momento que fundou um mundo só terá sentido nos dias de agora se se mantiver o diálogo, essa tensão que salva, muito para lá do agora. O dia de Natal é o começo da passsagem que termina na Cruz, na morte e na ressurreição. É a história de uma vida renovada quotidianamente na inquietação e na esperança contra toda a esperança. Não há outra.

24.12.10

O MALIGNO SUBLIME

«PIETÀ, RISPETTO, AMORE»

«ENTRETANTO, SENHORAS E SENHORES, AS BOAS FESTAS»




Podemos já nem sequer "estar" na zona euro (na cabeça dessa gente quase nem existimos o que só dá provas do seu realismo e da nossa irremediável pequenez - as "presidenciais", aliás, evidenciam-na) mas o que importa mesmo é ir enfardar perús, bacalhau e prendas para as berças. É caso para perguntar: "riem-se de quê"? Bom proveito.


Neste comércio festivo que há dois mil anos quase
perdura mal cobrindo remendadamente
o solstício do Inverno e os deuses sempre vivos
de cuja falsa morte o mundo paga em crimes,
como em vileza humana, o medo que escolheu
quando ao claror da aurora rósea e livre
de viver como os deuses e com eles
preferiu a lei e a ordem projectadas
na sombra em sombras da caverna obscura
e desejou o mal em preço de ser-se homem —
tudo o que em milhares de anos é tribal
congrega-se feliz num doce rebolar-se
da traição de que fomos contra a vida.
Tão vil que levou séculos a inventar
um deus assassinado para desculpá-la,
e fez dele o comércio das famílias
que cortam no peru as raivas de existirem,
beijando-se visguentas, comovidas,
tal como têm babado os pés dos deuses,
ah não eles mesmos mas imagens vãs
que não resplendam da grandeza humana.
Alguma vez teremos o dinheiro
para comprar de novo o Paraíso,
em vez de prendas para o sapatinho?
O Paraíso aqui — aquele que venderam
no começar do mundo. E que nos trocam
por outros no futuro ou nos aléns,
agora, aqui, aberto a todos, claro
- um sol sem fim nos bosques ou nas praias,
uma nudez sem morte nos corpos sem alma.
Talvez que o só vejamos por um instante
naquele espaço-tempo entre morrer
e o ficar morto para os antropófagos
dos deuses e dos homens, hóstia ou ossos.
Entretanto, senhoras e senhores, as Boas Festas.

Jorge de Sena, 23.12.72

23.12.10

INCOMPREENSÕES

O que é "difícil de compreender" é que o governo ache "difícil de compreender" que o rating da República tivesse descido numa agência da especialidade. E que, em vez de tendas, não se fale disto - desta "incompreensão" e da causa dela - em debates televisivos eleitorais. Mas, felizmente, o Bloco explicou a coisa em socorro do governo do PS, seu parceiro na candidatura Alegre - as agências de rating não têm credibilidade. Bem hajam.

DA VIDA ENTRE BRUTOS

Afinal, os pulhas a que aludo aqui sempre têm, a avaliar pelas sondagens, um peso da ordem dos 0,7%.

A MUSA IRREGULAR


«Retrato» de uma "antiga jornalista" pelo Pedro Lomba. Não tenho a certeza, porém, relativamente ao que seja o substantivo e o adjectivo na fórmula utilizada pelo cronista.

VITÓRIAS, DERROTAS


Daqui a precisamente um mês Cavaco Silva será reeleito Presidente da República. Todos os "estudos de opinião" o revelam e dependerá da abstenção a expressividade dessa vitória. Jamais da grosseria de basbaques conhecidos ou anónimos. Cavaco, nas actuais circunstâncias, se tivesse optado por uma recandidatura estilo "Figueira da Foz - 1985", obteria, sem sombra de dúvida, uma vitória esmagadora e teria o país todo atrás de si sem sequer precisar daquela coisa estafada do "presidente de todos os portugueses". Mas a Constituição cretina não permite estas alturas e Cavaco - que conviveu bem com ela enquanto 1º ministro, chefe de uma maioria absoluta de dez anos e PR - prefere outro caminho: o do confronto do governo com as suas responsabilidades. Ao afirmar que aquele falhará se vier o FMI ou outro fundo qualquer, Cavaco pretende (e bem) que Sócrates beba o cálice da sua própria mistificação até ao fim. A legitimidade eleitoral, reforçada em Janeiro, confere-lhe o direito e o dever de colocar Sócrates perante o direito e dever de não falhar, tanto mais quando já anunciou que pretende continuar a mandar no PS e, consequentemente, no país. Como o outro, Sócrates andará (andou) de vitória em vitória até à derrota final. Ninguém, muito menos o PS, a lamentará.

22.12.10

A NEVE É UMA "DERIVA LIBERAL"


A estupidez humana é tão vasta e maçadora como a chuva que cai neste momento em Lisboa. Há, aliás, quem consiga atribuir à "tranquibérnia liberal" (sic) a culpa pelos incómodos que estão a ocorrer um pouco por praticamente todos os aeroportos europeus. Fossem os respectivos governos da "esquerda moderna" e até os binómios homem-cão do exército e das polícias andariam a lamber as pistas de aviação para os novos bárbaros globalizados poderem deslocar-se à vontade nos seus voos low ou high cost. Porque a pequeníssima burguesia de espírito destes gnomos da "esquerda moderna" é, grosso modo, a que incutiu na massa este frenesim mundial em que nada que não possa ser consumido em "tempo real" não presta. As pessoas sentem esta necessidade fisiológica de andar de um lado para o outro apenas pelo prazer de andar de um lado para o outro e de contar aos amigos, directamente do wc do aeroporto, que não conseguem movimentar-se por causa da "deriva liberal" da neve. Alegoricamente isto poderia considerar-se uma rebelião do Céu perante a pobreza de espírito reinante no mundo inteiro. E uma rebelião por a massa ter transformado o Natal nesta insuportável azáfama de vazios sobrepostos encolhidos em sacos de plástico das "compras". O tempo ensinou-me a preferir, do calendário litúrgico, a Páscoa. Porque tudo está na realidade condensado no mistério da Cruz - o nascimento, a vida, a morte e a ressurreição. O resto, como os episódios aeroportuários, é rasca e irrelevante. Rasca e irrelevante como aquilo em que transformaram a vida.

21.12.10

A "INFLUÊNCIA ACTIVA" DA REALIDADE



Calhou assistir ao debate Cavaco/PC, este representado pelo futuro secretário-geral, o deputado Lopes. Lopes é rijo. Viu-se com Alegre. Mas Cavaco, hoje, fez-me recordar o melhor Cavaco, o das eleições legislativas de 1991. Talvez por isso lamente a sua rendição à Constituição, à sua inútil revisão e ao "papel" imposto, desde 1983, ao PR pelos principais partidos do regime. De qualquer forma, um novo e definitivo mandato, com mais ou menos "influência activa", será diferente deste. Não porque Cavaco o deseje mas porque a realidade acabará por se lhe impor.


Adenda: As "associações" de Cavaco ao episódio BPN a título de argumentário político é coisa de pulhas. Ponto final.


Adenda2: E pior do que um pulha só um pulha (vários ou o mesmo) anónimo e cobarde como alguns cretinos que vêm aqui comentar. Vão para as compras que é coisa que devem saber fazer bem. Deslizem.

«A TRISTEZA, PORÉM, É MUITA»


«Cada vez mais, eu escrevo com a noção absoluta de pregar no deserto. Sei que uns entendem e não aceitam, e que outros, que aceitariam, não entendem. Mas a única justificação de uma existência que escreve para testemunhar de todas as verdades é persistir mesmo assim, e escrever da compreensão que era possível no nosso tempo. É provável também que me canse – mas isso nada prova senão contra mim, pois que sempre poderá haver, expressa ou não, uma compreensão profunda e amplificadora como a sua. A tristeza, porém, é muita; e não sei se, ainda que (quem sabe?) alegremente, não acabaremos por nos convencer definitivamente de que só nós estamos errados... e certos todos os outros.»


EM TEMPO DE RABANADAS


No post anterior anunciei um debate "presidencial" que, afinal, só tem lugar hoje. Aparentemente nenhum dos seus leitores deu por isso. Tal apenas confirma o que venho dizendo - os debates "presidenciais" suscitam menos interesse que uma rabanada. Porém, e numa intervenção de campanha, o actual PR sugeriu, sem sugerir, que poderia vetar, caso não houvesse "bom senso" (que diabo quererá dizer bom senso aplicado aos cretinos simples e funcionais que conhecemos?), um diploma que reduz o financiamento público ao ensino básico e secundário privados. Este episódio, se revela alguma coisa, é a enorme falácia representada pela "sociedade civil". Em Portugal ninguém dispensa a longa manus do Estado quando nunca houve tantos "liberais" saídos directamente da Farinha Amparo. Sou católico e sei que a maioria desses estabelecimentos privados de ensino é da mesma filiação religiosa. Mas, e até por isso, estou à vontade para defender, sem dramas, que os cortes quando nascem são para todos. É que, de excepção em excepção, não vamos a lado algum.

20.12.10

FICO, FIQUEI, FICAREI


O CDS, consta, vai eleger o seu líder. Para facilitar, está previsto que os militantes possam participar na eleição por via postal. Já agora, porque não através de chamadas de valor acrescentado, mail ou sms? O dr. Portas arrisca-se a ficar para a petite histoire como o Matusalém dos dirigentes partidários apesar da "juventude". Até o PC consegue ser mais "renovador", "rodando" o candidato Lopes (esta noite com Cavaco) para o lugar de Jerónimo. Mas, enfim, Portas prometeu que ficava. E ficou. Ficou de tal maneira que parece que nunca mais vai deixar de ficar.

MELHOR É IMPOSSÍVEL


Nos últimos dias ocorreram uns "desenvolvimentos", estilo jogos florais, em torno da pobreza. Sócrates criticou aqueles que usam a pobreza como uma "indústria" para fins políticos e Cavaco retorquiu, numa acção caritativa de recorte neo-realista, mas a cores, a fazer lembrar algum cinema italiano dos anos 70 e 80, que até tem um "roteiro" (justamente como nos filmes) para a "inclusão social". Todavia, neste concurso destinado a apurar a medalha de ouro no referido combate à pobreza, Sócrates vai bem distanciado com os 500 milhões de euros que o governo tenciona "injectar" no não vendável BPN. Num país rico como o nosso, a estrebuchar de "competitividade" e de "sucesso" por todos os poros - que daqui a uns dias se prepara para ser saqueado em umas dezenas e centenas de euros mensais a bem da nação, da "competitividade", do "sucesso" e da "saúde das finanças públicas" (esta tirada é a que mais aprecio pela "imagem") sem tugir nem mugir - fica bem aos contribuintes, por interposto governo, ajudar a indigência bancária representada pelo BPN e pela SLN (ainda falta o BPP). Maior contributo para combater a pobreza, sobretudo a de espírito, é impossível.

19.12.10

O RAIO QUE OS PARTA

O chorão Sampaio foi, de viva voz, apoiar Alegre. Andou para ali a jogar com os termos "solidário" e "solitário" para concluir, dirigindo-se ao segundo na segunda pessoa do singular ("tu"), que o dito cujo é "solidário". A comissão de honra é uma lástima mas, sobre isso, não sou eu quem vai atirar a primeira pedra. Sampaio vem de um "mundo" político e de uma geração - que já incluia Alegre pelo lado "externo" - que sempre olhou para a solidariedade como um valor retórico, componente indispensável do "manual" do bom burguês esquerdista, nada e criado na classe média alta desafecta (ou mesmo afecta) ao regime. E que acha que aqueles que não tiveram o privilégio de classe a amparar-lhes os delíquios "solidários" são, por definição, reaccionários e "poderosos". O raio que os parta.

GENET OU CANTO FÚNEBRE DO AMOR


No suplemento "cultural" do Expresso, em língua brasileira, um cronista recorda os cem anos do nascimento de Jean Genet, a 19 de Dezembro de 1910. O autor de Diário de um ladrão teve uma vida complicada que os seus livros - quase todos autobiográficos, mesmo os versos - retratam cruelmente. Genet não se poupou no "realismo" das metáforas literárias e acabou produzindo das mais poderosas páginas da literatura francesa do século XX. Apesar de "maldito", marginal e "escandaloso", foi publicado pela prestigiada Gallimard/NRF, tendo Jean-Paul Sartre "apadrinhado" a edição das suas obras completas com o monumental e famoso "prefácio", Saint Genet, Comédien et Martyr, das melhores coisas que jamais escreveria até sobre si próprio. Nos anos setenta, dedicou-se a causas que parvamente se chamam agora de "fracturantes", nos EUA, em França e noutros sítios, como os "Panteras Negras" ou a "causa palestiniana" talvez atraído, dizem os que receiam nomeá-la, pela beleza física dos negros e dos árabes. No segundo volume das memórias do escritor espanhol Juan Goytisolo (En los reinos de Taifa) há umas quantas páginas dedicadas a Jean Genet que vale a pena ler, bem como a biografia de Edmund White (Genet, a biography), a única coisa de jeito que deu à estampa. Ao contrário de Rimbaud, Genet, par delicatesse, não "perdeu a vida". Pelo contrário, era um verdadeiro "condenado à morte", título de poesia sua, porventura uma intuição certeira para o que são, de facto, poetas e escritores. Didier Eribon escreveu, a meu ver, o melhor ensaio possível sobre Genet para os dias de hoje (Une morale du minoritaire - variations sur um thème de Jean Genet, de 2001) em que uma hagiografia literata gay - as mais das vezes cretina, analfabeta e maricas - domina, contaminando os chamados estudos universitários de "género" em boa hora desmontados pela insuspeita Camille Paglia. Genet provavelmente tê-los-ia desprezado como eles merecem porque foi sempre da crueldade - afectiva e sexual - que falou e não de uma qualquer pretensa beatitude associada ao "amor", um "sentimento" que não existe a não ser na mariquice desses literatos, independentemente do mais ou menos hetero ou homo que são ou julgam ser. Talvez, aliás, Pompas Fúnebres seja o verdadeiro nome do amor, o Canto dele de Genet.

Foto: Richard Avedon

DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS ENQUANTO FALÁCIA, 2

«Os debates sobre as presidenciais têm passado na televisão perante a completa indiferença do país e (quanto muito) meia dúzia de páginas na imprensa. O que não admira. Não há de facto cinco candidatos. Há só o candidato Cavaco e mesmo esse é um pretexto, um mal menor ou um seguro de vida. O resto não conta. Fernando Nobre devia voltar rapidamente para a AMI. Defensor Moura e Francisco Lopes (do Partido Comunista) são duas personagens acrescentadas gratuitamente a uma história que não é a deles. E Manuel Alegre, obcecado pelo milhão de votos de 2006 (21,7 por cento dos votos), não percebeu que o apoio do Bloco e do PS de Sócrates concentrava sobre ele todo o descontentamento de um país, com muitas razões de estar descontente.»

Vasco Pulido Valente, Público.

Nota: O resto da "tese" de VPV - plebiscito a Sócrates a 23 de Janeiro, Cavaco pressionado pelos "milhões" que vão a correr votar nele para ele correr com Sócrates e Passos que deve "pensar bem" antes de dizer que não tem pressa em chegar ao poder - não a acompanho. Nem Sócrates será plebiscitado nas presidenciais, nem todos os "milhões" que votarão em Cavaco o vão fazer a pensar em plebiscitar o primeiro ou Passos. Quem vota Cavaco vota, como votou em Sócrates em Setembro de 2009, porque Cavaco "está". Depois haverá quem vote em Cavaco por Cavaco e quem vote por causa dos restantes tristes em concurso. Finalmente, a abstenção crescerá como o frio e isso é um plebiscito ao regime todo do qual todos os candidatos, mesmo os irrelevantes, brotam. Sócrates só não completará a legislatura se houver um cataclismo porque cumpre-lhe gerir o que já está instalado - não é ele que passa a vida a dizer que foi para isso que ficou à frente em 2009? E Passos faz muito bem em não ter pressa.

18.12.10

MEDIDAS E NÃO

«2011 ou é o ano do "milagre Sócrates", ou é o ano da "bancarrota Sócrates», Manuel Maria Carrilho na tvi.

DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS ENQUANTO FALÁCIA


Afinal acabei por ver, de madrugada, o "debate" entre Cavaco e Nobre. Cavaco explicou - e bem, do ponto de vista dele e da constituição - que o presidente está sentado em Belém à espera que lhe cheguem pessoas, coisas e diplomas legais que ele aprecia. Depois, quando muito, o presidente murmura a quem de direito o que pensa, por escrito ou em conversas de pé de orelha, e distribui com equanimidade sorrisos e votos genéricos de melhores dias. Falou na "coragem da esperança", uma bonita expressão, tão bonita quanto irrelevante num país surdo à política. Em 85, Soares era a "serenidade corajosa" e outros, antes ou depois dele, também foram, à vez, corajosos serenos e esperançosos, esperançosos corajosos e serenos ou (foi aí que estas "coragens" todas começaram) a "força tranquila" de Mitterrand. Mas Mitterrand, como todos os PR's da V República francesa, presidem e mandam efectivamente. Nobre, na sua profunda ignorância demagógica, igualmente "esperançosa", fala em "medidas" como se alguém que resida em Belém, com esta constituição, estes partidos e esta gente possa presidir ou mandar consequentemente. Ainda esta semana Cavaco, o PR, deu um exemplo quando promulgou a lei de financiamento dos partidos que deixa a porta aberta, nunca fechada, à plutocracia partidária e à corrupção. Cavaco fez acompanhar a promulgação de uma nota exculpativa em que, no essencial, denunciava a perfídia do objecto mas, por isto e por aquilo de circunstância, o melhor era mesmo promulgar e, a seguir, que se reveja o mais depressa possível a coisa. Isto também serve para o orçamento. Em suma, Cavaco, o político profissional, decidiu encerrar a sua carreira electiva preferindo o direito à política. Nobre é de uma galáxia distante. Os restantes são o que são. E estas eleições presidenciais revelam-se, até mais ver, uma enorme falácia desprovida do menor interesse a que estes "debates" apenas acrescentam fastio. Ou as direcções de campanha são muito estúpidas, ou então não se percebe como consentiram nesta farsa televisiva.

17.12.10

NÃO HÁ NOVA AD, 3

Boa pergunta a que as nomenclaturas da "direita" não sabem (ou não querem) dar resposta.

CAVACO, UM RETRATO PRUDENCIAL PARA JANEIRO

Da Helena Matos.

DA BENEFICÊNCIA


Lamentavelmente não vou poder assistir ao 1º "debate" televisivo em que aparece o candidato que apoio, o prof. Cavaco Silva, o incumbente. Espero que, depois, os leitores que se derem ao trabalho de acompanhar a coisa a comentem por mim dada a minha irrefutável suspeição. Quanto ao de ontem, o leitor especializado em audiências televisivas já esclareceu como segue. «As audiências do debate entre Alegre e o seu Defensor foram as seguintes: 8,5% de rating e 22,3% de share. A audiência, em televisão, vai de empurrão: os candidatos beneficiaram da barrigada do Natal dos Hospitais, a bombar o dia todo na RTP1. As audiências, como os portugueses em geral, sempre foram muito dados à beneficência, e aqueles dois merecem, coitados.»

MITOLOGIAS EUROPEIAS

«Depois da derrota, a Alemanha precisou de facto da “Europa” para se reintegrar na comunidade internacional. Mas só se reintegrou porque a América garantia a defesa do Ocidente e porque a França deixara para sempre de ser uma potência maior. Por muito que doa aos beatos da “Europa”, desde o princípio que ela foi uma associação de fraquezas e, sobretudo, um produto da Guerra Fria. Sucede que a Guerra Fria acabou com o colapso da URSS em 1991 e que, para a “Europa”, a protecção da América se tornou dispensável. Como para a América, agora preocupada com o Médio Oriente e o Pacífico, uma “Europa” unida e capitalista já não era absolutamente essencial. E, assim, livre da hipoteca do passado, a Alemanha reunificada reemergiu pouco a pouco com a sua antiga independência – uma independência em última análise incompatível com a UE, excepto como hegemonia alemã. A tragédia, como um dia explicou A. J. P. Taylor, é que a Alemanha é grande, rica e forte de mais para não dominar a Europa (sem aspas) e que a sra. Merkel, sabendo isso perfeitamente, não vai continuar a pagar a conta do nazismo, em troca do beneplácito da França e do guarda-chuva militar americano. Ela manda e a “Europa” obedece, ou ficará entregue ao seu destino.»
Vasco Pulido Valente, Público

UM PAÍS PREAMBULAR


É por causa do somatório destas pequenas coisas que não vamos a lado algum. Isto é, não saímos do preâmbulo.

16.12.10

BLAKE EDWARDS, 1922-2010

BOCEJO


Calhou ver um "debate" entre candidatos presidenciais. Estavam dois socialistas com a D. Judite da RTP pelo meio. Leitores devidamente informados decerto informarão da audiência a seu tempo. Politicamente, estes "debates" de menos de meia-hora entre pessoas que pouco mais representam do que elas próprias - e mesmo entre as que representam alguma coisa - não interessam a ninguém. Quem se recorda de outras eleições presidenciais e de outros "debates", não pode deixar de proferir um enorme bocejo perante a evidente pobreza evangélica em curso que, uma vez mais, nos revela como "colectivo". Os portugueses (que já só pensam no natal e nas comprinhas) talvez dessem pelas eleições presidenciais se houvesse uma segunda volta. Mas nem isso acontecerá. Aliás, nada acontecerá.

O AR DOS TEMPOS


No país da pouca memória e do chico-espertismo (a que Carlos César pertence, Medeiros), este post de Medeiros Ferreira acerca daquilo em que se tornou o PS pseudo-engravatado de Sócrates & C.ª, visto de fora para dentro, graças ao novo "enciclopedismo" do sr. Assange e apaniguados. Não os parem. Sempre se fica a conhecer melhor o ar dos tempos. O seu mau cheiro.

A EUROPA DAS MARIONETAS


Ontem, pela hora do jantar, três ou quatro pessoas - do "patrão" dos patrões ao inefável eng.º Proença do partido do 1º ministro - juntaram-se a este último, em São Bento, para um momento marciano. A "ideia" era mais "ideias" para "flexibilizar" a economia e o mercado laboral. Por princípio e pudor, não se "flexibilizam" coisas que não existem ou que têm vindo, metodicamente, a ser destruídas. Só gente daquela, politiqueira e irresponsável até aos ossos, é que pode dar a cara por mistificações grosseiras. Tanto mais quando sabiam que o cenário destinava-se exclusivamente a Sócrates poder exibir-se em Bruxelas, no conselho europeu, a fingir qualquer coisa. E como se essa qualquer coisa interessasse ao politburo europeu centrado em Merkel e Sarkozy. Nos últimos dias, ilustres e menos ilustres cabeças têm vindo a destilar veneno inútil para cima desta dupla. Não adianta. A "Europa" deste e daquele de há dez ou vinte e tal anos atrás não volta. Está bem morta e enterrada. É, aliás, com marionetas de feira periféricas como aquela meia dúzia de criaturas que apareceram ontem, por cá, à hora do jantar, a contar histórias da carochinha que a Europa se "constrói". E é justamente por causa delas - da sua inconsequência e oportunismo políticos a que adequadamente presidem Merkel e Sarkozy - que nunca esteve tão perto de acabar.

15.12.10

ROTTGOMES


"Pior que um rottweiler à solta", Ana Gomes, segundo um assessor diplomático (de fino trato e esmerada educação) do premier que a Senhora foi defender num dos congressos albaneses do PS, o do ano passado, antes das eleições. E V. Exa. fica-se?

CONTRA OS CAPRICHISMOS POLÍTICOS EM TEMPOS DIFÍCEIS


O representante da República nos Açores vetou o capricho regional compensatório do sr. César. Aliás, todos os caprichos, regionais ou nacionais, deste jaez deviam ser considerados crimes. Como os crimes de guerra e sujeitos a tratamento marcial. É que em tempo de guerra não se limpam armas.

Adenda: Os adeptos do pequeno César escusam de vir aqui dar lições de direito constitucional. Sei perfeitamente o que é um veto político. E, aliás, nunca se deve subestimar o poder de gente estúpida em largos grupos como, por exemplo, gente reunida em parlamentos regionais ou regionalistas simples. Uma desgraça nunca vem só: parlamento e, ainda por cima, regional. Aliás, a "reacção" do pequeno Kim local é elucidativa. Se não querem ser portugueses, deslizem como recomendava o zarolho Sartre que, apesar de tudo, sempre era qualquer coisa.

SOBRE O NADA


Até agora não detectei nada de notável para dizer acerca da imundice doméstica. O FMI andou ou anda por aí? Não chega. Deve ficar uns tempos antes de fugir com o susto. Sócrates tem de levar um prato de lentilhas ao conselho europeu para alimentar Merkel e Sarkozy, dois ódios de estimação do dr. Soares, ex-pai da pátria e novo Condestável? É óbvio. Mais uns meses (ou semanas) e entramos em bancarrota? Também é pacífico. Porém, talvez sirva de contra-exemplo à mencionada imundice sem futuro - e como sintoma dela pelo menos academicamente falando - este site dedicado a Jorge de Sena por uma universidade brasileira. Coisas destas deviam "empequenecer-nos" justamente quando, numa entrevista ao Jornal de Letras, Gabriela Canavilhas, a tonta, revela estar muito contente consigo própria e sugere que a cultura é da sua exclusiva responsabilidade e dos directores-gerais (dela, naturalmente) e não do 1º ministro o que é esclarecedor sobre o que a cultura representa para esta era socrática. Nada.

AUDIÊNCIAS


A única coisa que interessa saber sobre um debate televisivo que ocorreu ontem entre dois alegados candidatos presidenciais - quantos espectadores tiveram pachorra para ver aquilo?




Adenda (de leitor-espectador bem informado) : «O debate Lopes-Nobre foi visto por 144.800 pessoas em média, ou seja, 6,5% da população portuguesa com 4 ou mais anos, o que correspondeu a 17,1% de share, ou seja, 17,1% dos portugueses que estavam a ver TV àquela hora. Foi mais visto por homens do que por mulheres e mais pelas pessoas com mais de 54 anos. A audimetria não regista, naturalmente, quantas estavam a dormir com o televisor ligado, antes e durante o programa.»

Adenda2 (de outro leitor): «O debate merecia uma análise psico-política. Acho que também não houve mais audiência porque "a malta tá farta dos gajos", como suspirou hoje a minha empregada ao ver um pedacinho do debate enquanto aspirava, e porque, por razões que me escapam, os canais não armaram o habitual drama antecipatório dos recontros.»

14.12.10

«TUDO QUANTO ACONTECE É SOLITÁRIO»






Venho do lançamento do livro ali à direita que reúne a obra poética édita de Sophia de Mello Breyner Andresen. Notável trabalho da Caminho/Leya. Não devemos gastar muitas palavras a falar de poesia. Por isso, para Sophia, bastam duas: austeridade e precisão. «Não procures verdade no que sabes/Nem destino procures nos teus gestos/Tudo quanto acontece é solitário/Fora de saber fora das leis/Dentro de um ritmo cego inumerável/Onde nunca foi dito nenhum nome.»

Clips: João César Monteiro, 1970: Sophia de Mello Breyner Andresen

HAJA QUEM ACREDITE


O cidadão em quem tenciono votar nas presidenciais de Janeiro próximo apresentou formalmente a sua candidatura. Só me resta desejar-lhe as maiores felicidades, poucos jogos florais com poetas medíocres e demais anacoretas profissionais e a menor abstenção possível. O que o espera depois de reeleito é bem pior do que o folclore das próximas semanas.E a nós também.

O SORRISO DAS LETRAS


Entre eles, nas cartas, falavam de um país «que se empequeneceu irremediavelmente». Amavam-no, porém, com o ódio do amor genuíno. O que não era pouco. O poema que se segue escreveu-o Sophia aquando da morte de Jorge de Sena. Trata-se de dois poetas maiores nascidos no mesmo ano. Este volume da Obra Poética da primeira, hoje apresentado, é um serviço a uma raridade em vias de extinção apelidada cultura (ou literatura, se quisermos ser mais imprecisos) portuguesa. E à poesia, esse sorriso das letras como lhe chamava Pessoa.

I
Não és navegador mas emigrante
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudade;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde

II
E agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa vida

III
Há muito estavas longe
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos que sempre voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem -
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse

Trazias contigo um certo ar de capitão de tempestades
- Grandioso vencedor e tão amargo vencido -
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos

IV
E agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma carta

13.12.10

UMA SESSÃO EM LOJA

O programa da D. Fátima, desta noite, parece uma "sessão em Loja" onde os intervenientes lêem alternadamente trechos de João Ameal, frei Bento Domingues, Marx e deles próprios. Boas pranchas.

DISCLOSURE


Bastaram dois ou três telegramas diplomáticos agora revelados - e as fontes diplomáticas sempre foram uma excelente gramática "identitária" de fora para dentro - para o Portugalório emergir em todo o seu esplendor. As "descrições" de Sócrates, Cavaco ou Alegre, um "velho dinossauro esquerdista", são deliciosas. Os dois primeiros, aliás, "saem" melhor nisto do que do quotidiano anestesiado que pastoreiam. Os nossos excelsos comentadores, verdadeiros esquadrões da "redacção única", torrenciais e irrelevantes, têm muito a aprender com estas esquálidas informações que, gracefully, nos resumem. O episódio BCP releva meramente da mais comezinha mercearia de esquina. Começo a gostar do sr. Assange.

UI QUE MEDO



Este dr. Mário Soares é um pândego incorrigível.

A NULA SUAVIDADE DA IMPRENSA PORTUGUESA


Às vezes subsiste a dúvida do profissionalismo político de Cavaco Silva. Porém, uma pessoa que define a nossa imprensa como "suave" só pode ser um grande profissional. Para além disso, um profissional bem educado.

«DEVAGAR, AUSENTE»


Tentas, de longe, dizer que estás aqui.
Com peso triste caminha na rua o Outono.
O meu coração debruça-se à janela
a ver pessoas e carros, e as folhas caíndo.

Mastigo esta solidão
como quando era pequeno e jantava
diante dos pais zangados:
devagar, ausente.


Fernando Assis Pacheco

WIKILEAKS CHEZ NOUS


12.12.10

REPAREM


O candidato presidencial de parte do BE e de parte do PS continua a tentar que reparem nele. Pela má poesia e pelas piores razões.

DESVENTURAS NATALÍCIAS

Parece que ontem, na tvi, o dr. Santana Lopes procedeu a um "balanço". Falou em "confirmações", "revelações" e em "desilusões" que foram de Agustina aos treinadores de futebol, estilo "gala" pessoal. Como estava no Don Carlo, não vi. Mas, que mal pergunte e uma vez que o dr. Lopes foi 1º ministro, como é que não teve uma palavra para a entrevista do actual incumbente ao Diário de Notícias vinda quase toda de Marte? Marcelo também não mas (ainda) só é comentador. Realmente a época natalícia perturba mais o discernimento do que o carnaval que, entre nós, é dramaticamente todos os dias.

Adenda: Num dos seus "especiais" de informação, a dra. Cunha e Sá convida para terça-feira os drs. Mário Soares (este é mesmo da "mobília" recorrente da dra. Cunha e Sá) e Freitas do Amaral. As sumidades falarão da "Europa" numa semana em que ela pode começar a acabar. Para variar, por que é que nunca se lembram do General Eanes (ou, mesmo, do redondo Sampaio) em vez destas sublimes eternidades?

«ACABAR COM O MINISTÉRIO DA CULTURA»

No actual e previsível estado da arte - com a coisa entregue a arrivistas e a deslumbrados -, estas sugestões de Pacheco Pereira fazem todo o sentido no meio do vazio, tão exemplarmente representado na cabeça de Gabriela Canavilhas apenas a derradeira numa "linha" de ilustres nulidades que, desde 2000, têm invariavelmente vindo a tutelar uma mistificação. «A parte que é realmente de responsabilidade pública, a mais importante, a única que merece uma estrutura governamental própria, é o património, que pode ganhar mais recursos mesmo nesta fase em que não há dinheiro para nada. Sim, de facto, eu não penso que se deva subsidiar a criação, até porque muitas vezes, não é criação nenhuma mas um papaguear das modas do dia, defendidas por uma muito vocal elite, que naturalmente defende os seus interesses. A dispersão de actividades, por áreas onde se pode medir a sua utilidade e qualidade, permitiria uma utilização muito mais sadia e transparente dos escassos dinheiros existentes e afastar o estado de critérios de gosto. Assim o dinheiro seria certamente mais bem gasto do que aquele que alguém gastou a colocar uma piscina-banheira azul a tapar o Tejo numa das mais bonitas Praças do país.»

UM REGIME AMBÍGUO


A "direita" imagina que, em menos de seis meses e depois da reeleição de Cavaco, está de volta ao poder. Que haverá eleições e que, irmanados pelo bem comum, Passos e Portas darão mãos para salvar Portugal com a benção de Cavaco. Ainda há umas semanas, na Católica, Cavaco explicou porque, dos três presidentes eleitos, é o maior guardião da constituição em vigor. Com todas as letras do alfabeto, Cavaco disse que o PR não pode demitir o 1º ministro e, apesar de desvairado, Sócrates ainda não interferiu com o chamado "regular funcionamento" da engrenagem. O que pode fazer é dissolver o parlamento coisa que apenas depende deste porque (ele não o disse mas supõe-se) Cavaco não é Sampaio. Portanto, das duas, uma. Ou o governo apresenta uma moção de confiança e ela é recusada. Ou a AR aprova uma moção de censura e, depois, Cavaco tira as ilações. Por outro lado, mesmo preenchida uma destas condições, não é certo que Sócrates não se recandidate ao cargo desafiando Passos a imolar-se no altar dos sacrifícios pelos quais ele, Sócrates, está disposto a continuar a imolar-se até ao fim da legislatura. Mais. A "direita" (e Sócrates jamais se esqueceria de o recordar), no seu modo "liberal" de pacotilha, mal amanhada e cheia de pressa em invadir os despojos, traria mais e piores sacrifícios quando, julga Sócrates, a meio da fatal execução orçamental já se começarão a sentir os "efeitos" dos sacrifícios e podemos, tranquilamente, regressar ao panem et circenses. Sócrates é um poderoso adversário e nem a derrota das presidenciais (da qual ele habilmente se afastará deixando, como se verá em breve, Alegre entregue à sua triste sorte) o comoverá. Para além disso, muitos dos ornanentos da candidatura de Cavaco, não há muito tempo, viam em Sócrates um "reformista determinado" como nunca antes tinham visto em ninguém da "direita". E a pretensa AD de Passos/Portas, sem acrescentos qualitativos fora do estrito somatório partidário, pouco se distinguiria do que está. O país está condenado a este patético "rotativismo" enquanto a constituição não permitir um regime presidencialista que dê alguma utilidade política, social e cultural aos partidos por agora confinados às trevas da sua paroquialidade omnipresente e medíocre. Sócrates conta com esta ambiguidade para estar e ir ficando em nome da estabilidade que é um substantativo feminino muito apreciado em Belém.

PORTUGALÓRIO DOS PEQUENINOS

«Segundo o PISA (Programme for International Student Assement), um programa da OCDE, os resultados dos alunos portugueses em "literacia" (?) em Leitura, Matemática e Ciências ficaram pela primeira vez próximos da média. Isto produziu uma euforia inexplicável. É certo que andámos muito tempo pelo fim da tabela, mas não se vê hoje grande motivo para celebrações. No Parlamento, houve uma festa em que toda a gente participou. Sócrates disse logo ao Diário de Notícias que o seu Governo será lembrado pela "aposta" (sempre esta reles palavra) que fez "na ciência e na educação" (e não, claro, pela bancarrota do Estado e do país). Falta agora o Presidente da República chorar em público. E, no entanto, mesmo nesta classificação, que varia de ano para ano e não indica um progresso sólido e seguro, Portugal continua muito atrás de muitos países da Europa. De resto, o PISA avalia alunos de 15 anos, que têm ainda o fim do secundário e a universidade à frente. Claro que a base de partida conta. Só que, se não for seguida por um ensino superior de grande qualidade, não leva ninguém a parte alguma; e o nosso ensino superior é genericamente mau, desorganizado e pobre. Há em Portugal muito pouca investigação de reconhecida relevância e a vida académica praticamente não existe. Basta passar um dia em Harvard ou em Oxford para se perceber a diferença. O que não admira. As tradições da ditadura duraram muito para lá do razoável (e, em certa medida, ainda duram) e a élite, se a palavra se aplica, que substituiu a do "salazarismo" não se recomenda. O que, de qualquer maneira, não importa muito. Ao contrário do que julgam os políticos desta democracia em que vivemos, um país não é rico porque é educado, é educado porque é rico. E se fosse necessária uma prova irrecusável desse melancólico facto, bastava olhar para as taxas de "abandono" e de "repetência" e para o número crescente de infelizes que tiraram uma licenciatura, um mestrado ou até um doutoramento para transitar imediatamente para o desemprego. A educação vale numa economia que precisa dela e a pode usar, não vale (ou vale menos) numa economia de baixa tecnologia, persistentemente atrasada e subdesenvolvida. As crianças de 15 anos que treparam com mérito na tabela do PISA não garantiram um futuro melhor para si próprias, nem anunciam dias melhores para Portugal.»

Vasco Pulido Valente, Público

11.12.10

GRANDE ÓPERA



Don Carlo, de Verdi, é seguramente a sua ópera mais longa e uma das mais belas. Precisa de um naipe de excelentes intérpretes e, talvez por isso, não é vista entre nós desde, salvo erro, 1976 ou 1977. Acabo de assistir, na Gulbenkian e em directo, a uma récita no Met de Nova Iorque. Para além da senhora do clip, Alagna, Keenlyside, Furlanetto e uma fantástica moça chamada Anna Smirnova. Na ária do clip, Isabel de Valois resume a coisa resumindo-se a si, no que foi forçada a tornar-se. É uma ópera com política, religião e apenas do humano, do demasiado humano - lealdade, amor, amizade, traição, ambição, poder e morte. Começa com a dita Isabel, feliz, em Fontainebleau antes de ser "oferecida" a Filipe de Espanha e termina com a mesma Isabel, infeliz e a desejar o perpétuo sossego da tumba de Carlos V. Tudo tinha acabado e tudo era, afinal, vão. É a vida. Literalmente.

NÃO HÁ NOVA AD, 2ª PARTE


«O drama da história é que a direita (o PSD e o CDS) persiste em pequenas manobras de partido e não se preparam para o que têm de fazer dentro de muito pouco tempo. Parece que Passos Coelho e Paulo Portas anunciaram um "pacto de não-agressão". O que significa exactamente essa extravagância? Significa que o CDS e o PSD se comprometem a colaborar no Parlamento e a não se "hostilizar" mutuamente. Por outras palavras, não significa nada. Tanto mais que, na ocasião do dito "pacto", Passos Coelho e Paulo Portas várias vezes rejeitaram qualquer hipótese de listas conjuntas (suponho que a benefício das clientelas que os vão sustentando) e resolveram insistir nos vagos pormenores que os separam. Ora, pela Europa inteira, os partidos da direita, como os da esquerda, juntam gente com divergências bem mais profundas do que as divergências que putativamente existem entre o CDS e o PSD. A defesa de listas separadas revela uma única coisa: que Passos Coelho e Paulo Portas preferem a lógica de facção à responsabilidade que, em princípio, devem ao país. Ninguém no seu perfeito juízo dispensava uma espécie de Aliança Democrática para a operação complicada e perigosa de mudar o país radicalmente, como é óbvio que ele precisa de ser mudado. As ridículas cerimónias do "pacto" prolongam a baixa tradição da esperteza táctica e não criam a força material e moral para evitar o desastre que se aproxima. Em 23 de Janeiro, o prof. Cavaco irá ficar com uma sociedade dividida e, pior do que isso, ingovernável. A direita que depois não se queixe.»

Vasco Pulido Valente, Público

POPULARES

Segundo uma sondagem, Amado e o engº Gago são os ministros "mais populares". Deve ser porque não existem politicamente embora, em relação ao primeiro, algumas luminárias e plumitivos pensem que sim.

10.12.10

FINGIR LÍRIOS DE LORENA


Eu vi gelar as putas da Avenida
ao griso de Janeiro e tive pena
do que elas chamam em jargão a vida
com um requebro triste de açucena.


Vi-as às duas e às três falando
como se fala antes de entrar em cena
o gesto já compondo à voz de mando
do director fatal que lhes ordena.


Essa pose de flor recém- cortada
que para as mais batidas não é nada
senão fingirem lírios de Lorena


Mas a todas o griso ia aturdindo
e eu que do trabalho vinha vindo
calçando as luvas senti pena.


Fernando Assis Pacheco (a quase quinze anos depois da sua morte, vendo em silêncio o Expresso da meia-noite, sicn)

UMA RÉSTIA DE LUCIDEZ

Afinal ainda não está tudo perdido.

PARA QUE SERVE UM DEPUTADO

Ficamos a saber, para perene prestígio do parlamento já de si tão prestigiado, que é-se deputado (e deixa-se de ser) quando um homem quiser como no estúpido natal do comércio. O deputado Vale de Almeida justifica a renúncia ao mandato por ter cumprido a sua patriótica e exclusiva missão: casar-se. Numa alegada democracia representativa, os deputados são da nação, não são deles. Mesmo que sejam desprezíveis. Mas cada povo tem o que merece e, talvez, Vale de Almeida se tenha limitado a tirar disso a devida e esperta ilação.