Afinal acabei por ver, de madrugada, o "debate" entre Cavaco e Nobre. Cavaco explicou - e bem, do ponto de vista dele e da constituição - que o presidente está sentado em Belém à espera que lhe cheguem pessoas, coisas e diplomas legais que ele aprecia. Depois, quando muito, o presidente murmura a quem de direito o que pensa, por escrito ou em conversas de pé de orelha, e distribui com equanimidade sorrisos e votos genéricos de melhores dias. Falou na "coragem da esperança", uma bonita expressão, tão bonita quanto irrelevante num país surdo à política. Em 85, Soares era a "serenidade corajosa" e outros, antes ou depois dele, também foram, à vez, corajosos serenos e esperançosos, esperançosos corajosos e serenos ou (foi aí que estas "coragens" todas começaram) a "força tranquila" de Mitterrand. Mas Mitterrand, como todos os PR's da V República francesa, presidem e mandam efectivamente. Nobre, na sua profunda ignorância demagógica, igualmente "esperançosa", fala em "medidas" como se alguém que resida em Belém, com esta constituição, estes partidos e esta gente possa presidir ou mandar consequentemente. Ainda esta semana Cavaco, o PR, deu um exemplo quando promulgou a lei de financiamento dos partidos que deixa a porta aberta, nunca fechada, à plutocracia partidária e à corrupção. Cavaco fez acompanhar a promulgação de uma nota exculpativa em que, no essencial, denunciava a perfídia do objecto mas, por isto e por aquilo de circunstância, o melhor era mesmo promulgar e, a seguir, que se reveja o mais depressa possível a coisa. Isto também serve para o orçamento. Em suma, Cavaco, o político profissional, decidiu encerrar a sua carreira electiva preferindo o direito à política. Nobre é de uma galáxia distante. Os restantes são o que são. E estas eleições presidenciais revelam-se, até mais ver, uma enorme falácia desprovida do menor interesse a que estes "debates" apenas acrescentam fastio. Ou as direcções de campanha são muito estúpidas, ou então não se percebe como consentiram nesta farsa televisiva.