Entre eles, nas cartas, falavam de um país «que se empequeneceu irremediavelmente». Amavam-no, porém, com o ódio do amor genuíno. O que não era pouco. O poema que se segue escreveu-o Sophia aquando da morte de Jorge de Sena. Trata-se de dois poetas maiores nascidos no mesmo ano. Este volume da Obra Poética da primeira, hoje apresentado, é um serviço a uma raridade em vias de extinção apelidada cultura (ou literatura, se quisermos ser mais imprecisos) portuguesa. E à poesia, esse sorriso das letras como lhe chamava Pessoa.
I
Não és navegador mas emigrante
Legítimo português de novecentos
Levaste contigo os teus e levaste
Sonhos fúrias trabalhos e saudade;
Moraste dia por dia a tua ausência
No mais profundo fundo das profundas
Cavernas altas onde o estar se esconde
II
E agora chega a notícia que morreste
E algo se desloca em nossa vida
III
Há muito estavas longe
Mas vinham cartas poemas e notícias
E pensávamos que sempre voltarias
Enquanto amigos teus aqui te esperassem -
E assim às vezes chegavas da terra estrangeira
Não como filho pródigo mas como irmão prudente
E ríamos e falávamos em redor da mesa
E tiniam talheres loiças e vidros
Como se tudo na chegada se alegrasse
Trazias contigo um certo ar de capitão de tempestades
- Grandioso vencedor e tão amargo vencido -
E havia avidez azáfama e pressa
No desejo de suprir anos de distância em horas de conversa
E havia uma veemente emoção em tua grave amizade
E em redor da mesa celebrávamos a festa
Do instante que brilhava entre frutos e rostos
IV
E agora chega a notícia que morreste
A morte vem como nenhuma carta
3 comentários:
Fantástico. Obrigado João
Falo deles aos meus alunos e partilho os seus textos e poemas com ex-alunos.
Excelente post.
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