26.11.05

MENA E A SUA BICICLETA



Estive a ler o Bilhete de Identidade de Maria Filomena Mónica. Sou um confesso admirador da prosa escorreita e cruel da autora. Acho que lhe li todas as colectâneas de ensaios dos últimos anos e a, até agora, opus magnum, a biografia do Eça. MFM deverá ter lido, por gosto e por dever de ofício, dezenas de biografias escritas na língua de Sua Majestade e, muito provavelmente, alguma "memorabilia" auto-biográfica. Para além disso, "viveu" em Inglaterra e passa lá vastos períodos todos os anos. Nesse sentido, Mónica, mais do que se sentir, supôe-se mesmo "inglesa". É por isso que a revisitação que faz da sua vida neste livro - apesar de quase tudo nessa vida ser tão "português" e tão "meridional" - esconde a constante pena de ter fatalmente de olhar o mundo e o país a partir das ruas estreitas de Lisboa. Ao contrário de Rui Ramos, a quem a autora deu o livro a ler previamente, conforme nos informa na "introdução", eu não fiquei embasbacado com a sua leitura. MFM intercala o relato da sua privada existência com notas sobre a "agenda" daqueles dias e anos para não pensarmos que ela estava apenas envolvida, por ser extremamante bela e, para a época, ferozmente inteligente, com rapazes despretenciosos, ocos e bonitos do eixo Lisboa-Cascais ou, mais tarde, dos meios "intelectuais" de Lisboa a Oxford. A iconoclastia afectiva, sexual e profissional de Filomena Mónica, bem escrita como sempre, não justifica o arraial publicitário que a tem acompanhado. Francamente não o merece. A este Bilhete preferirei sempre o Eça ou, por exemplo, as magníficas "Visitas ao Poder". Eu percebo que os elementos "novidade" e "exposição", sobretudo por virem de uma mulher onde o loiro do cabelo e a beleza convergem com a inteligência objectiva da criatura, impressionem. Mónica fica certamente encantadora a pedalar a sua bicicleta em Oxford ou a acompanhar as excitações dos primeiros dias da Revolução ao lado de Vasco Pulido Valente. Porém, e como escrevia no DN o Pedro Lomba, uma autobiografia também tem de ser literatura. E este Bilhete, malgré lui, não é.

Adenda: João Pedro George, no Esplanar, já se referiu por duas vezes a este "tema", com links para "observações" de diferente teor. E anda a ler o livro.

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