1. Na sua prosa entre o sibilino e o académico - provavelmente uma característica forte dos políticos açorianos -, Mário Mesquita "analisa" no Público (sem link), apesar de advertir que não tem "competência para (se) aventurar em análises psicológicas", "o sorriso amarelo de Cavaco". O ilustre membro da comissão política da candidatura de Mário Soares desenvolve uma "tese" muito simples. O sorriso "contrafeito" ou "amarelo" de Cavaco - ou, naquilo a que, "na crueza anglo-saxónica", Mesquita apelida mais impressivamente de "sorriso-come-merda", "eat shit smile" - explicar-se-ia pela notória aversão do candidato aos "mecanismos" da democracia, a saber, a opinião pública, a opinião que se publica e as campanhas eleitorais com o seu cortejo de "debates" e de multidões expectantes. Apesar de "ir à frente", Cavaco "parece tão infeliz" porque - e é isto que, no fundo, Mesquita quer dizer - não tem "pedigree" democrático.
2. Dito por outras palavras, Cavaco não é um "aristocrata" da democracia, como escreve, na última página do mesmo Público, Vasco Pulido Valente, num acesso ternurento para com o "velho leão". E vai mais longe. "É bom que exista" Soares por causa da putativa entrega da República a um "autoritário vazio" (sic).
3. Esta adjectivação, sobretudo por vir de quem vem, demonstra (e VPV, especialmente, não se cansa de o fazer três vezes por semana) que estes trinta anos de democracia "capturaram" meia dúzia de lugares-comuns e de "personalidades" representativas desses lugares-comuns, o que faz com que Cavaco, por exemplo, apesar de ter sido primeiro-ministro maioritário durante dez anos, seja visto como um "estranho" a esse pequeno-grande "mundo" da democracia "consensualizada", aquilo a que, depreciativamente mas com razão, VPV tem chamado de "regime". Cavaco, não sendo nem um jacobino, nem um "burguês" e, muito menos, um homem "culto" aos olhos da "teoria comunicacional" vulgarizada, será sempre um fracasso mesmo (e sobretudo) enquanto ganhador. Pelo contrário, Soares conseguirá emergir dos escombros da sua "melancólica campanha", que "lhe corre mal e não se endireita" (VPV), como um símbolo a preservar, tipo jarrão Ming da democracia e da república.
4. VPV acaba por reconhecer que Soares vem a estas eleições representar um "mundo que nós perdemos", para utilizar o título de um historiador inglês. E curva-se respeitosamente perante esse exercício ("é bom que ele exista"). Nada disto, por muito comovente que seja, explica politicamente a "necessidade" da sua candidatura. Reduzi-lo a uma função ornamental democrática, a crer na prosa destes dois ilustres cronistas, é pouco para Soares. É por isso que ele vagueia, nesta campanha, à sombra do "plebeu" que, mesmo com um sorriso "come merda" (Mesquita dixit), é o verdadeiro aristocrata destas eleições.
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