30.9.09

"INSTABILIDADE" OU O NÃO SABER

Repare-se que, apesar de ter ganho as eleições, o PS parece interessado em criar um novo mito (depois do famoso da "campanha negra"), o da instabilidade a pretexto do Chefe do Estado. Nestas coisas convém sempre prestar atenção aos mais primitivos e não a sofisticados como Silva Pereira, S. S. ou, mesmo, a Medeiros Ferreira que, de repente (ele nunca faz nada de repente), "ressuscitou" para as televisões. Por exemplo, Vítor Ramalho, o bonzo do partido junto do INATEL, usou directamente o termo instabilidade aplicando-o a Cavaco. O PR - de acordo com esta brutal pitonisa tão acarinhada por Mário Crespo - é um foco de instabilidade. Ora na autoritária cabeça do admirável líder dificilmente cabe a ideia de maioria relativa. Também não é por acaso que, à esquerda do PS (o "caso" Garcia Pereira é sempre especial), toda a gente dá gás à "onda" anti-Cavaco. Esta hubris vem bem lá de trás, ou seja, desde a humilhação de Soares e do inútil milhão de votos de Alegre. O PS precisa, como de pão para a boca, deste PR diminuído. E não ignora como a "esquerda" nunca estimou Cavaco. Não sabemos qual é o "caderno de encargos" que o Presidente irá apresentar a Sócrates, o secretário-geral do PS e não o 1º ministro. A irritação deste Sócrates pós-eleitoral e minoritário é que ele também não sabe. "Instabilidade", no jargão do admirável líder e da sua não menos admirável e autoritária cabeça, quer dizer exactamente isso. Não saber.

UM NOVO REGIME, UMA NOVA CONSTITUIÇÃO, UMA REPÚBLICA NOVA


O Presidente da República, eleito por sufrágio directo e universal, não tem de ser consensual. A figura do "presidente de todos os portugueses", introduzida por Eanes na recandidatura de 1980, é meramente retórica. Veja-se o caso francês da Constituição de 58, em vigor há mais de cinquenta anos, que deu presidentes tão distintos como De Gaulle, Pompidou, Mitterrand, Chirac ou Sarkozy. O regime português deve evoluir para a presidencialização, com outra Constituição e uma República Nova, como defendo. Em Outubro (dia 22), no renovado Centro Académico de Democracia Cristã, em Coimbra (e a convite do seu presidente, o Prof. João Caetano), procurarei explicar porquê.

O IPO

O politiqueiro Costa - alcaide de Lisboa e presidente da coligação dele com a bicicleteira Roseta e o ex-fazia falta Zé Fernandes - queria retirar o IPO (um equipamento hospitalar infelizmente tão indispensável para tantos portugueses) da sua centralidade, a Palhavã, e remetê-lo para Chelas em local onde costumam ocorrer "eventos" musicais. Embalado pela demagogia em curso, Costa inverteu os termos da questão (o facto de ele querer abater o IPO lá onde ele se encontra e de Lopes pretender a Feira Popular no tal local de "eventos") e atirou-se a Santana Lopes com argumentário carroceiro e politicamente desonesto. Costa, aliás, pertenceu ao governo (o em funções) que, na fase Correia de Campos, até pretendia remover o IPO para Oeiras. Mais valia estar calado.

MISÉRIA INSTINTUAL



José Pacheco Pereira revela alguma beatitude quando, neste post, se refere a uma folha e a alguns dos que a preenchem como jornalistas, sem "aspas". Ou quando menciona blogues que não passam de janelas para as ratazanas que lá debitam poderem respirar entre duas flatulências. Ora a circunstância de as ratazanas continuarem a salivar revela duas coisas. A primeira, que Cavaco conta. E muito. A segunda, que a "central" está tanto ou mais activa do que na semana transacta.

Adenda: Ana Gomes, essa mulher politicamente pequenina e altamente improvável, veio a terreiro insultar o Presidente da República como se estivesse a falar com o marido. Por que é que não exportam esta ridícula personagem vicentina de novo para Timor ou para o raio que a parta?

UMA ESTREIA

Auspiciosa num momento em que muita blogosfera não passa da longa manus das agências de "comunicação social e cultural*" - as propriamente ditas - e dos seus chevaliers servants espalhados metodicamente pelos jornais, pelas rádios e pelas televisões.

*quem terá sido o palonço que se lembrou do qualificativo "cultural" para benzer os ditos cursos?

ESTÁ TUDO AQUI





Verdi, Don Carlo. Ferruccio Furlanetto, Piero Cappuccilli. Festival de Salzburgo. Karajan, 1986

A LIDERANÇA "MODERNA" DE QUE O PSD PRECISA


Aqui retratada sempre a pisar os velhos pregos da "intentona"de 1981.

O VOTO LITORAL


E no meio do tumulto me(r)diático, as eleições autárquicas acabaram mal começaram. Em termos de "massagem", estamos exactamente como estávamos há uma semana, exactamente com os mesmos "testas-de-ferro" da mesma gente, em versão corrigida e aumentada, dedicados devotadamente à manipulação, à irrelevância e à propaganda (a ténia Marcelino, num momento de elevação digna da cloaca onde vive, refere-se ao PR como alguém a "fazer as suas necessidades políticas" - e não há quem lhe assente uma bengalada no focinho!). A abstenção crescerá a 11 de Outubro e quem for eleito sê-lo-á num mar de indiferença e do "cálculo de sombras" em vigor. É pena mas é mesmo assim.

LEITURAS


Um senhor do "diário da manhã", Céu e Silva, está na Sic-Notícias a "ler" os jornais. Imaginam, naturalmente, a leitura que ele está a fazer. Este mail de um leitor devidamente identificado faz outra leitura disto tudo. Porventura a correcta.

«Isto é tudo muito complicado. Acho que o PR não pode dizer tudo o que sabe sobre vigilância, só fala no fundo do que tinha vindo a público. Depois, ele está sob uma barreira de fogo das Constanças das televisões, porque ele é um elo fraco (paradoxalmente, sendo PR), pois não tem uma central de comunicação, não tem organizações políticas por trás, não tem assessores -- como o governo -- para pressionar e ralhar por dá cá aquela palha aos jornalistas que mijam fora do penico. Deste modo, admiro o PR por, em vez de encolher os ombros e deixar a caravana absolutista passar, fazer-lhe frente, mesmo que isso lhe custe, eventualmente, a reeleição.»

WHAT ARE YOU?*


«O que as frases de Sócrates nunca são: objectos ideológicos. Quando existiu a assunção da «possibilidade do erro» não saímos de uma espécie de imaginário (pobre) completamente psicologista, montado para causar impacto. Ou seja: aprova-se alguém só porque consegue desempenhar um papel do princípio ao fim. «Tudo isto é isto», para toda essa maioria relativa

Samuel Filipe, Esse bandido

«But I'm not a serpent, I tell you!" said Alice. "I'm a - I'm a - ' "Well! What are you?" said the Pigeon. "I can see you're trying to invent something!"(Lewis Carroll, Alice's Adventures in Wonderland)

29.9.09

PEQUENO EXERCÍCIO DE SEMIÓTICA


Aquele que consiste em ler as postagens dos blogueiros jornalistas e dos jornalistas blogueiros. São inconfundíveis. Nada de estragar o negócio aos chefes. A deontologia segue dentro de momentos.

O PAÍS LÁ FORA

Papagaios e araras: o país não deixou de empobrecer apesar da vossa tagarelice. Parabéns ao António Ribeiro Ferreira por ter sido a excepção que lembrou que há um país para além das "punhetas a grilos" e da insolência.

ANDAR PARA TRÁS


O PS não falou mais cedo porque, desde as vinte e onze, tem mobilizada a sua habitual brigada de louros dispersa por todas as televisões. Todas. Quanto ao mimético e esfíngico Silva Pereira, limitou-se a garantir que Sócrates seja indigitado primeiro-ministro. Nem que as conversas de quinta-feira passem a ser gravadas como nos idos do governo Balsemão com Eanes, em 1981-82. Confirma-se, pois, que após os resultados de domingo andámos para trás.

INTIMAÇÕES DE MORTALIDADE


Mário Soares nunca revelou, enquanto PR, estados de alma sobre o PS. Soares sabia que em política não existem estados de alma e, quando se esquecia disso, logo alguém, lá em Belém, lho recordava. Isso não o impediu, com método e zelo, de "conspirar" para remover Constâncio, para diminuir Sampaio e para só "puxar" por Guterres quando percebeu que ele ia ganhar. Mesmo assim não o poupou ao famoso congresso da FIL. Sampaio, após alguma hesitação, foi aconselhado a demitir Santana quando lhe garantiram que o partido "estava pronto". O resto é conhecido sobretudo o que certas pessoas, avidamente, fizeram contra o Cavaco de São Bento nos idos de Soares. Cavaco, o PR, convenceu-se que o seu profissionalismo e seriedade bastavam e que não era preciso a porca da política para nada em Belém. Com uma Casa Civil deficitária nesta área (e com ela superavitária cá fora, no governo, na corte do 1º ministro ou nos papagaios dos media e demais vendilhões do templo como acabou por reconhecer), Cavaco decidiu revelar estados de alma. Ora de um Chefe de Estado não se espera intimações de mortalidade para partilhar, à lareira, com o "povo". Espera-se dele decisões políticas. As mais elevadas.

PARABÉNS, PÁ

Acabámos de assistir à segunda vitória de Sócrates em menos de 48 horas. Parabéns, pá.

A COMUNICAÇÃO


"Then the words don't fit you", said the King, looking round the court with a smile. There was a dead silence."It's a pun!", the King added in an offended tone, and everybody laughed, "Let the jury consider their verdict", the King said, for about the twentieth time that day."No, no!" said the Queen. "Sentence first - verdict afterwards.""Stuff and nonsense!" said Alice loudly. "The idea of having the sentence first!""Hold your tongue!" said the Queen, turning purple."I won't!" said Alice."Off with her head!" the Queen shouted at the top of her voice. Nobody moved. "Who cares for you?" said Alice, (she had grown to her full size by this time.) "You're nothing but a pack of cards!" (Lewis Carroll, Alice's Adventures in Wonderland)

Nota: Como foi garantido na campanha eleitoral por parte de quem ganhou, as crianças andam todas a aprender inglês. E não liguem aos "críticos" tagarelas já na massagem. Sigam o autor. O Carroll, claro.

Nota 2: A TVI pergunta, no rodapé, "se o PS deve governar sosinho". Assim mesmo. Com "s". Ainda bem que já podem frequentar as "novas oportunidades".

CONTRATAÇÕES

Carlos: quando é que o contratam para o circo Cardinalli para intervalar com a televisão? Sempre é gente séria e trabalhadora. Isto inclui os animais.

NEGOCIAÇÕES


Com escreve um leitor, com a anunciada devassa da investigação criminal a determinados escritórios da advocacia de negócios e do regime (é a mesma coisa), começaram as "negociações" formais para a formação de um novo governo.

O QUE ELES TÊM NA TOLA


Já acabou a campanha mas certos comentadores (e alguns blogues) persistem em seguir o senhor da foto, sempre envoltos na superstição política mais reles. As televisões não se cansam de o confirmar de manhã à noite. Outros - comentadores e blogues - começam a "virar o bico ao prego" como bons videirinhos. Aliás, um desses blogues, por mero pudor, devia aligeirar a respectiva toponímia. Transformou-se numa ofensa brega e primitiva à literatura. Mesmo à infantil.

O LIBERALISMO DA VIGÉSIMA QUINTA HORA

A meritocracia, a "gestão por objectivos", a facada nas costas, o desprezo pela condição humana, enfim, o pensamento triunfante que calcula e que governa um pouco por toda a parta, já conduziu ao suicídio de vinte e quatro funcionários da France Telecom. Condoído, o gerente da coisa prometeu mais "humanidade" e maior atenção às relações laborais e às transferências de postos de trabalho. Por cá, os "intelectuais" do liberalismo da vigésima quinta hora devem achar maravilhosa a prática desta privatizada empresa. O bezerro de ouro - o lucro - justifica tudo e o seu contrário porque vivemos num tempo desprovido de ética e onde o homem se limita a ser uma peça descartável. E há sempre alguém (o alguém é uma metáfora) disponível para ocupar o lugar do morto seguinte em nome dos "objectivos". O homem não foi feito para a derrota, como escreveu o Hemingway? Não teria tanta certeza. Afinal, a France Telecom (isto é só um nome) prova pode que ser derrotado e destruído.

28.9.09

A VERDADEIRA COLIGAÇÃO


«Os três canais foram iguais [na noite eleitoral] numa coisa: fizeram cartel, programando todos os intervalos publicitários em simultâneo. Sócrates nunca referiu a perda de votos, de deputados e da maioria absoluta no discurso; e a essa realidade virtual correspondeu o tom geral das TVs. Com a TVI domesticada (Sócrates deu a sua primeira entrevista ao canal no último dia de campanha), com a RTP na mão e a SIC alinhada com a estratégia da central de propaganda do PS-governo, o partido de Sócrates dispõe dum poderoso aliado para formar coligação: a TV generalista (...). Quanto aos comentadores, quase nada adiantaram. À parte na RTP1 Vitorino, que deu a análise oficial do PS, e Marcelo, que deu a análise de um PSD semi-independente, não houve comentário inovador. É porventura outro sinal do que nos espera na política e na comunicação: nenhum entusiasmo, nenhuma certeza, muita negociação e conversa em plano descendente, mas com a coligação PS-central de propaganda alimentando a irrealidade enquanto o poder se exerce

Eduardo Cintra Torres, Público

O ENFORCADO E AS SUAS CORDAS


António Costa - o péssimo alcaide de Lisboa, o mesmo que esventrou o Terreiro do Paço e tornou o trânsito da cidade num caos - é o "novo" Costa que "promete" para a Semana Santa a conclusão da "obra". Ele "quer" - repare-se na rápida recuperação do estilo "feroz" pelo "escol" do PS - a "obra" terminada nessa altura. Dr. Costa: em casa de enforcado não se fala em cordas.

MIMESIS


Reparem em Pedro Silva Pereira - é o ministro da presidência. Em como ele é mimético de Sócrates. Na forma como as mãos "cortam" o vazio, na colocação da voz, na defesa da via "mexicana" do PS reproduzida neste pequeno canto dezenas de anos depois do "sonho" de Soares, na obsessão com os "ataques pessoais" ao original dele e com a famigerada "maledicência". Uma extraordinária dupla imagem.

PARA MEMÓRIA FUTURA


O CDS/PP recusa fazer maioria absoluta com o PS, lê-se nos rodapés. «Enquanto falava, Alice levantou-se da mesa e sacudiu-a [à Rainha Preta] para a frente e para trás com quantas forças tinha. A Rainha Preta não opôs qualquer resistência. Mas a sua cara fez-se muito pequena e os olhos ficaram grandes e verdes e à medida que Alice a continuava a sacudir ela ficava cada vez mais pequena e mais gorda e mais macia e mais redondinha e... - e afinal era mesmo uma gatinha.»

OS NOSSOS E OS DELES OU OS TEMPOS DE CORRUPÇÃO MORAL


Cheguei a casa e, na televisão, vi Constança Cunha e Sá e Miguel Sousa Tavares. Estavam, por assim dizer, a fazer o "guião" daquilo que Cavaco vai dizer amanhã "à imprensa". E, naturalmente, a ajudar às pompas fúnebres de Ferreira Leite defendendo que Marques Mendes é que era bom. Mesmo assim, o escritor ainda conseguiu dizer uma coisa de jeito sobre o PSD. Só se vê coelhos a saltar da cartola, com um PSD em cada televisão, em cada esquina, a sugerir que "a seguir é ele". O mais óbvio, por causa dos interesses em jogo, é o Coelho de nome que não perdeu tempo em fazer avançar os seus peões de brega (e a sua extraordinária figura) cuja loquacidade política nunca desilude. Pois bem. É preciso fazer frente a este "socratismo" disfarçado, oportunista e negocista, que pulula dentro do PSD. E ao "socratismo" propriamente dito. Por isso decidi regressar ao partido com ficha assinada pelo José Pacheco Pereira. É a minha maneira de homenagear a decência da dra. Manuela Ferreira Leite numa altura em se aproximam tempos sombrios para o país. E lembrei-me de um texto do JPP sobre Boécio. «A resposta que a Filosofia dá a Boécio não é em si complexa e a essência que o "consolo" lhe traz é simples: Deus, a Providência e a Sorte não têm os mesmos caminhos terrenos e por isso podem parecer contraditórios na recompensa que dão aos humanos. Por isso, os maus podem parecer ter uma recompensa do seu mal. Mas vai mais longe e diz a Boécio que ele é verdadeiramente livre nos seus actos porque eles são independentes mesmo do prévio conhecimento que Deus tenha deles. Sendo senhor do seu destino, o que lhe estava a acontecer não tinha de necessariamente acontecer se não fosse a sua liberdade de escolher, e era para isso que os seus actos tinham valor para Deus e estavam para além da sua recompensa ou punição terrestre (...). Não sei se na dor da tortura o "consolo" da filosofia serviu de alguma coisa a Boécio. Provavelmente não. Mas o que levou esse homem antigo a, na sua cela, escrever para nós, permanece intacto na sua força e valor para estes tempos de corrupção moral. Por isso, ele é dos nossos.»

Foto: Ephemera

POMPAS FÚNEBRES

É pena que o circunspecto Pedro Picoito - que andou semanas a trocar galhardetes com os simples (não os do Guerra Junqueiro, naturalmente) - só tenha dado pelo "problemazinho" das listas agora que o PSD se prepara para as habituais pompas fúnebres com os tradicionais gatos pingados. Parece que, daqui para diante, quem não zurzir metodicamente a dra. Ferreira Leite não é bom pai de família, não passa nas três televisões oficiosas e é desconsiderado na blogosfera. A menção até lhe valeu uma citação "literata" o que, como esse vate aprecia dizer, constitui todo um programa.

CUNHAL REVISITADO


Para que não haja dúvidas, sobretudo por parte de certos lateiros que aparecem por aqui acobardados no anonimato e porque, à altura, este blogue não tinha o "público" que tem hoje, republico na íntegra este post escrito no dia do funeral de Álvaro Cunhal. Em certo sentido, o que se diz no fim dele acerca dos "homens de plasticina" e do "respeitinho" nunca foi (permanece) tão actual. E o que interessa à brigada lateira vem no ponto 4. para ser mais preciso.


1. Finalmente o país parou para ver passar o dr. Álvaro Cunhal. Há 31 anos, aquando da sua chegada triunfal ao aeroporto de Lisboa, o personagem que desceu do avião era, ainda, um mistério. As primeiras imagens e as primeiras palavras recortavam a figura definitiva que os “anos brasa” da revolução iriam consagrar. O porte aristocrático, o olhar hegeliano da “noite do mundo”, o discurso cortante, a mordacidade evasiva, a concentração obsessiva, o messianismo do “colectivo”, tudo isso apareceu imediatamente a preto e branco na única televisão da época. Os exilados que regressavam no mesmo avião em que viajava Cunhal afastaram-se prudente e respeitosamente dele. Deixaram-no sozinho com as suas notas. Era o único que sabia perfeitamente ao que vinha.

2. As imagens de “Daniel” e de “Duarte” - da resistência clandestina à ditadura - mostram o homem bonito e sedutor que Cunhal nunca deixou de ser até ao fim. Explicava que a “força” vinha da convicção. E que a convicção obrigava ao combate e à resistência. Em certo sentido, Cunhal faz parte de um mundo que pouco ou nada diz à maior parte dos homens videirinhos dos dias de hoje. Justamente eles jamais conseguirão perceber que, para Cunhal, era uma impossiblidade intelectual o cometimento da mínima cedência aos “princípios” e ao “ideal”. Nem sequer o porquê da inadmissiblidade da discussão da “justeza” comunista. Por isso Cunhal é insusceptível de alguma vez poder ser acusado de “travestismo” político. Ele era aquilo que ele era e nunca poderia ter sido outra coisa. Não significava isto qualquer limitação da inteligência, em sede da qual recolhe a unanimidade de “superior”. Pelo contrário, no seu “sentido único”, Cunhal foi de uma verticalidade rara. E, por aí, igualmente um homem raro.

3. Valeu a pena o país curvar-se perante a sua memória? Valeu. Álvaro Cunhal é incompreensível para a geração do “25 de Abril”. Tê-lo lembrado por ocasião do seu desaparecimento, foi um serviço bem prestado à memória contra o esquecimento. Serve de muito pouco, no entanto, ao oásis acéfalo que é, na generalidade, a actual sociedade portuguesa. Como é que se explica ao país da “quinta das celebridades” e da bola que um homem pode aguentar, em nome de um ideal e da emancipação económica e cultural do seu povo, oito anos de isolamento prisional? Eu creio que Cunhal percebeu muito cedo que andava literalmente a pregar no deserto. O mérito dele – e a nossa vergonha – é ter continuado a pregar, sem a mínima tergiversação. Não cuido agora de saber se tinha razão. Sabemos que não tinha. A sua visão do “pacote” da democracia era radicalmente diferente daquele que nós, par delicatesse, aceitamos. Ceder nunca fez parte do seu vocabulário, porque sempre representaria “outra coisa”. Ora se havia “coisa” que Cunhal detestava, na coerência da sua “fé”, era o “outro” da “coisa”. Num livro do ano passado, Conversas com Álvaro Cunhal, Maria João Avillez perguntava, em 2000, se podia falar em “derrota” e “amarga”. Cunhal disse simplesmente isto: “amarga é uma palavra muito pequenina para o que foi”. Esta espécie de luminosidade amarga acompanhou os anos últimos, sem que, por um segundo, a antiga “convicção” tivesse alguma vez sido abalada.

4. Parece que é piroso revelar-se fascínio perante Álvaro Cunhal. Eu sempre o tive. Entre os meus quinze e dezasseis anos fiz parte da União dos Estudantes Comunistas (UEC). A minha breve e inócua militância traduziu-se por umas passagens por “cooperativas” alentejanas, pela assistência a reuniões meio clandestinas, nas casas de uns e de outros, dirigidas por um “controleiro” senior, em fazer “piquetes” na sede da UEC (nunca cheguei a perceber com que propósito) e a conviver esporadicamente com os “génios” femininos da então juventude comunista, a “Geninha” Varela Gomes e a Zita Seabra. Assisti, com fervor religioso, a alguns comícios em que o momento alto era a palavra vibrante de Cunhal. Li o “Rumo à Vitória” e sublinhei “A Revolução Portuguesa, Passado e Futuro”. Cantei, no coro do liceu, as “heróicas” do Lopes Graça. E, em momentos mais delirantes, andei nas ruas da Costa de Caparica a distribuir panfletos e a recolher “donativos”. Depressa me apercebi da frivolidade infantil desta desastrosa militância e “aburguesei-me”. Logo em 76, achei piada ao candidato presidencial dos óculos escuros, Eanes, apesar de o “nosso candidato ser Octávio Pato”. Leituras e companhias, o curso de direito e a emergência do “movimento reformador” de António Barreto e Medeiros Ferreira, em 1979, fizeram o resto. Anos passados sobre esta aventura, voltei ao convívio com Cunhal através do seu “Partido com Paredes de Vidro”. Mais recentemente, li a monumental “biografia política” de Pacheco Pereira, ainda a meio do caminho com apenas dois volumes publicados*.

5. Isto tudo serve para dizer que eu respeito a “história” e a memória de Álvaro Cunhal. Tive familiares que estiveram detidos em Peniche ao mesmo tempo que o “camarada Duarte”. Tive e tenho familiares que sempre foram comunistas. Eu parti muito cedo e definitivamente numa outra direcção. Faltava-me tudo o que eles têm: acreditar no "homem", primeiro, e, pior do que isso, na sua "salvação", a noção de disciplina férrea, a “convicção”, a "felicidade pela coerência" e, sobretudo, a “história”. A Álvaro Cunhal, e à resistência moral e física de tantos outros comunistas e não comunistas, devemos hoje até o direito a sermos parvos. A força imbatível da liberdade “absorveu” e neutralizou a tempo a “deriva totalitária”. Penso que já devíamos conviver todos bem com isso e sem grandes problemas "existenciais".

6. Deu-me um certo gozo ver o país do “respeitinho” democrático e da “era” dos “homens-plasticina” inclinado perante o féretro de Cunhal rodeado de bandeiras vermelhas. Lá no assento mais ou menos etéreo onde subiu, Cunhal, com a sua eterna subtileza irónica, deve ter sorrido e, olhando cá para baixo, murmurado uma vez mais “até amanhã, camaradas”.


*entretanto saiu o terceiro volume, em Novembro de 2005.

MATEMÁTICAS


De sms's a outros meios "de comunicação social e cultural", chegam-me as contas mais extraordinárias. "Matematicamente" todos subiram menos o admirável líder. Sucede que é precisamente o admirável líder quem persiste, admiravelmente não numericamente absoluto, no seu posto Com menos pontos, sim senhor. Com menos deputados, também. Com menos Cavaco, igualmente. Todavia, ganhou ou não ganhou como pretendia, isto é, com mais um voto que os outros? E imaginam, os das "matemáticas", que o homem não sabe já perfeitamente o que é que vai fazer com os votos a mais? E com quem é que os vai juntar? Isto, literariamente, vai ser um misto de Céline (pelo lado do fogo e das ténias) com Carroll (pelo lado dos espelhos e das identidades) e Kuhn (pelo lado, digamos assim, "paradigmático"). Leiam os três que logo percebem.

LAMINAGEM


(...)
Um país; tornou-se um assassino.
Viverei os poucos verões até morrer
com este mundo de agressão em cerco.
Eu queria outro país, outro lugar
e tenho este infortúnio de leis amarrotadas
que não cumprem nem o violento nem o clandestino.
Um país de acasos,
um parque de campismo selvagem, um cimento apodrecido,
a música de sem abrigos nas estações de metro
enquanto não chegam comboios avariados
às plataformas de arte depredada,
um esboroamento sanguinário.
Até a linguagem me ergueu
me sabe a sarro e a arrabalde.

Não fossem as obrigações que nos garrotam
nos fazem monstros com a lassidão de herbívoros
talvez pudesse ter o interior abandonado
e chegasse a faca do sol e me cortasse
noutra penúria mais serena.

Ainda que me digam que não olhe,
eu vejo. Ainda que me digam faz ginástica
e a depressão desaparece, nada me resolve.
Os ruídos sobem de qualquer lugar,
sintetizadores, martelos, desabamentos
uma percussão alheia a qualquer justiça.
Nenhuma janela que não fale
da construção administrativa dos piores instintos.
Todo o lixo do humano feito sebo
em qualquer lugar. Ainda que me digam
que vivemos em democracia eu digo
que não sei. Nem direitos nem deveres.
Um sem remédio ancestral.

(...)

A alguns vemo-los em qualquer pousio
depois de fecharem as lojas
e nem se sabe o que vemos.
Aos balcões de cafés de azulejo,
com telemóveis pendurados nos cintos
e os cartões de crédito em dente na carteira.
Riem-se e batem nas costas
uns dos outros, entreolham e vigiam
se alguém diverso se aproxima
para largarem uma troça arcaica, e comem
com essa fome dos que não sofreram ainda
inquietações laborais ou crêem que virá
depressa o primeiro emprego.
Ao olhá-los melhor, aos seus afectos
de pessoal especializado em escuras economias
adicionais, vejo-os depois no verão.
Ao deus dará em todos os lugares,
em tendas velhas, em rulotes,
sabe-se lá onde vão cagar. E as mulheres
com os sinais exteriores da aspereza.
E as asas do inverno marítimo
auguram aluimento.

Eu queria que na cabeça parasse
o furor de tudo o que tomba,
a derrota do dia a dia,
mas será sempre o cabide do tempo
quem estende as garras
para nos alhear.
E os e-mail atravessam zonas sem remendo,
choças de tijolo com roupas a secar.

Assim armado o país.
As gentes em catástrofe deslocam-se,
deixam por testemunho o abandono e a inépcia.
Uma a uma, uma paisagem é trucidada.
Inchou a autarquias o país.
Atravessam-no a miséria e algum dinheiro
insolentes.
Um assassino
espreita outro assassino.

Os que destroem agora
podem exigir os torcionários que virão,
pois quem destrói pressente um chefe
e vai servi-lo.
E muitos hão-de sempre ser as vítimas
da liberdade que consente a violência
da violência que não consente a liberdade.
Um assassino o país. Com as suas leis
inúteis, a sua ordem por cumprir.

Só nos resta esperar então morrer?


Joaquim Manuel Magalhães

27.9.09

O VENCEDOR PÓSTUMO

O VENCEDOR



O presciente Carlos já explicou.

PARABÉNS, PÁ

Sócrates começou logo a tratar abaixo de cão os jornalistas que o bajularam e que o serviram (e que assim vão alegremente, como se tem visto ao longo da noite, continuar depois do recente "desanuviamento" da tvi). É assim que se tratam capachos. Foi o seu melhor momento. Parabéns, pá.

RAZÃO...

Tinha o Salazar. "Passe-mo na televisão, passe-mo na televisão..." quando lhe sugeriam nomes. Há certos nomes que, por decoro, deviam sair da televisão.

REPAREM...

Em que é que vai falar em penúltimo e último lugar. Para as suas queridas televisões, naturalmente. O profeta limitou-se a justificar o seu fracasso. Boa noite e boa sorte.

P DE PODER

Nunca pensei estar de acordo com Ricardo Costa. Mas a coisa é mesmo assim. O PSD vê o PS perpetuar-se no poder (com P grande o que inclui a reeleição ou não de Cavaco, o "shakespeariano"). E a perder votos para a pandeireta (com um deputado na Madeira), mesmo ganhando - é o mínimo - as autárquicas.

TADINHOS

A quem é que Sócrates já telefonou? Ao profeta ou ao pandeireta? Que ingénuos que são certos militantes "destacados" do PS. Tadinhos.

DERROTA



Neste blogue não há lugar a sofismas. Por isso, uma derrota é uma derrota tal como uma vitória é uma vitória. Pessoal e politicamente, este resultado é uma derrota (e o respeito pelos milhares de leitores diários* não pode dispensar esta clareza). Pessoalmente, porque este blogue é um blogue individual (melhor dizendo, individualista), independente de partidos e dependente da minha exclusiva vontade. Politicamente, pelas razões óbvias. Assistiu-se à derrota de uma certa ideia de decência e de carácter algo que, nos próximos dias, se verá com maior precisão o que quer dizer. A vitória de Sócrates, Portas, Louçã e daqueles que, dentro do PSD, tudo fizeram para o sucesso destes três, sobretudo do primeiro, representa, muito adequadamente, o corolário disso mesmo. Tal como a derrota de Ferreira Leite e de Jerónimo. Dito isto, ganhou o país de eventos que Medeiros Ferreira anunciou há uns anos. Os três vencedores protagonizam o que de melhor se pode produzir em Portugal em sede de eventos. Não é por acaso que as televisões gostam tanto deles. O que significa que o "soberano" prefere circo ao pão. Paciência. Não é por isso que o país deixará de empobrecer. O "soberano", ao responder sim à simples pergunta sobre se se sentia mais confortável na sua vida do que em 2005, decidiu-se pelo espectáculo, pela palavra fácil e pela pandeireta. Só espero que lhe faça bom proveito. Outra vitória desta eleição é a da mais recente versão "shakespeariana" de Cavaco Silva. Todavia, para Shakespeare é preciso talento. Cavaco, que domina bem a língua, vai precisar de ler muitas peças deste autor inglês. Não digo é quais. E amanhã é outro dia.

*excluída a canalha anónima habitual

DAQUI A POUCO...

Está pronto, como nas televisões, o post sobre o resultado destas eleições. Isto se o Blogger deixar que se edite alguma coisa pois tem estado com a telha. Às oito e dez (está programado).

DECLARAÇÃO DE VOTO ANTES DE UM MERGULHO


(...) um pouco mais
para nos levantarmos um pouco mais alto.


Yorgos Seferis

CONTRA A VULGARIDADE - 2





Verdi, Requiem: Libera me. Elisabeth Schwarzkopf. Teatro alla Scala. Victor de Sabata, 1954

CONTRA A VULGARIDADE

«Em Sade nunca há nada que lembre a mediocridade do discurso da imprensa.»

Barthes, Roland Barthes por Roland Barthes (daqui)

A FACTORY DA CULTURA OU A CULTURA ENQUANTO FACTOR


Este post causou uma leve comoção em três blogues da especialidade. Dois deles, com autores meus conhecidos por motivos que transcendem o capelismo literato. E o outro, meu desconhecido mas muito apreciado pelos outros dois e, em geral, pelo bloguismo citador compulsivo. Um dos meus conhecidos sabe - porque faz o favor de ser meu amigo sem o enfado de o fingir - como estou longe de "circuitos". Não é ressentimento nenhum. É mesmo desprezo. Não pessol, evidentemente (embora a nosso atavismo instintual "leve" tudo de carreira para o "pessoal" e para o "não te sentes aí que me incomodas") mas puramente, digamos assim, cultural em abuso manifesto do termo. Se eles abusam, por que é que eu não poderei abusar? Mas adiante. Em 1978, Joaquim Manuel Magalhães escrevia que «culturalmente, este país é um charco». E acrescentava: «bem lá no fundo, o que a maioria dos portugueses deseja é que a polícia organize as suas bibliotecas e lhe recomende os livros (seja a polícia de que banda for).» Talvez por isso, «no meio deste caos e desta lixeira, no meio desta morte, só a ausência dos circuitos maioritários faz sentido. E talvez lembrar os mecanismos mortíferos entre nós instalados para curto-circuitarem a seriedade radical que se deveria exigir, contra um espaço literário onde uns se vestem de bobos para parecerem modernos, outros se transformam em mercadoria para terem presente, e outros ainda se vendem à humilhação comicieira para terem poder.» Nada nisto, meus amigos, mudou. Nem a morte. Não há, por isso, qualquer ressentimento. Como poderia haver?

ESPERANÇA CONTRA TODA A ESPERANÇA



Estive a acompanhar, através da RAI, a missa campal que o Papa Bento XVI rezou perante cerca de cento e cinquenta mil pessoas na República Checa. Enquanto decorria a comunhão, a RAI apresentou um curto documentário sobra a "Igreja do silêncio". É assim que a Igreja Católica é conhecida no leste da Europa onde os seus fiéis, dos prelados aos anónimos, foram perseguidos, detidos e expulsos das suas vidas até à queda do muro de Berlim. É uma Igreja com uma sabedoria muito própria que decorre desta miserável e infeliz circunstância política e mundana, deste sofrimento. Foi, porém, a Igreja que nos ofereceu João Paulo II. Premonitório, vai para mais de trinta anos, quando na Praça de São Pedro saudou o mundo com o seu "não tenhais medo". Ou quando, na Argentina da ditadura, pediu esperança contra toda a esperança.

PALAVRAS DO DIA

«Naquele tempo, João disse a Jesus: “Mestre, vimos um homem expulsar demónios em teu nome. Mas nós o proibimos, porque ele não nos segue”. Jesus disse: “Não o proíbais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor. Em verdade eu vos digo: quem vos der a beber um copo de água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa. E, se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao pescoço. Se a tua mão te leva a pecar, corta-a! É melhor entrar na Vida sem uma das mãos do que, tendo as duas, ir para o inferno, para o fogo que nunca se apaga. Se o teu pé te leva a pecar, corta-o! É melhor entrar na Vida sem um dos pés do que, tendo os dois, ser jogado no inferno. Se o teu olho te leva a pecar, arranca-o! É melhor entrar no Reino de Deus com um olho só do que, tendo os dois, ser jogado no inferno onde o verme deles não morre e o fogo não se apaga.» (Marcos 9,38-43.45.47-48)

26.9.09

UMA CANETA, UM VOTO


Gente que apela ao "voto em consciência" é a mesma que, para o "povo", vende aquela tirada típica da esperteza saloia do "ao menos este já o conhecemos". Não lhes ocorre que é precisamente por votar em consciência e por já o conhecermos que vamos votar. Em consciência e pela decência. E com uma caneta no bolso por causa das tosses.

A MENSAGEM

A veneranda figura do Chefe de Estado apelou, em menos de cinco minutos, ao voto não fossemos nós esquecermo-nos de o perpetrar. Como diria a figura da foto, esta é a primeira vez que ouço a veneranda figura do Chefe de Estado desde a última vez que o ouvi. Mesmo assim, não ouvi nada que me interessasse.

ATRASADA E DESLUMBRADA


Alguma da nossa selecta estupidigentsia declarou, com a solenidade retórica dos grandes momentos, que ia passar o dia de reflexão imposto pelo PREC, o original de 75, a ler um calhamaço de cerca de mil páginas. Pois. Sucede que o calhamaço já tinha saído, em 2004, em Espanha - por exemplo, já aqui ao lado - até que alguém decidiu que a coisa era mesmo boa. Vai daí tentou criar-se uma "expectativa à la Harry Potter" em torno da versão portuguesa. Até deu direito a um blogue. Praticamente todos os "críticos" de serviço nos jornais já derramaram sobre o livro antes mesmo de ele estar nas livrarias. Com o devido respeito pelo autor precocemente desaparecido, antes de se ler o tal livro existem prateleiras deles que convinha ler antes de chegar a este e que a vasta maioria dos ditos "críticos" jamais lerá. Anda sempre atrasada e deslumbrada, esta nossa paroquial estupidigentsia.

Adenda: Isto não era para ti, pá, como diria o outro. Tu já leste o livro. E eu estarei "ressentido" com o quê? Não aspiro nem a romancista nem a "crítico" literário. Sou apenas um simples leitor que procura perceber alguma literatura. Aquela que me interessa nem que seja só eu a lê-la. Em silêncio.

SIMPLESMENTE ARDILOSOS


«A acção dos grupos de interesses ofereceu-nos, para a posteridade, atrevidos inéditos e reclamos vaidosos, quanto histéricos. Bramindo quase sempre conselhos políticos enternecidos (quanto dramáticos) ao que presumem ser o "gado eleitoral", estiveram os do clube Simplex, que como se sabe têm privilégios no "bastardo" mercado keynesiano e estão matriculados na ensopada pia universitária. De modo geral, tais beatos vultos procuram apenas “maximizar o tamanho dos seus orçamentos” e lugares na administração do Estado, de onde nunca saíram. Tais criaturas tiram vantagem do seu grupo de interesses, fixam a agenda política, desviam (distorcendo) a informação, anestesiam a canalha. A narrativa ideológica dessa gente (dos jornais aos blogs) foi, portanto, um sacerdócio laborioso, acasalado em recordações pueris, metáforas deslocadas e conceitos provincianos. Desviando (distorcendo) a informação e a agenda política, reincidiram na publicidade enganosa – a sua "Public Choice" –, martelaram ideias lunáticas (note-se a suposta questão das nacionalizações, ou do regresso ao Salazarismo), fizeram remoques ao seu próprio passado político. Foram ridículos nos artigalhos, grotescos nas postas, geniais na incoerência económica e política. Ardilosos!»

Almocreve das Petas

LEITURAS PARA O DIA DE REFLEXÃO - 5


«Escrever é uma variante de pisar ovos. Os mestres do "correcto" vigiam, como nunca vigiaram os coronéis de Salazar. Até a sociedade portuguesa acordou de repente puritana. Cada cidadão, cada medíocre, cada engraçadinho pode esconder um polícia. Pior ainda: um delator e um explorador do escândalo. Os grandes crimes (como de resto os pequenos delitos) contra o corpo ou qualquer espécie de igualdade não se toleram, nem se desculpam. E, entretanto, o indivíduo morreu. Não fui feito para isto.»

Vasco Pulido Valente, Público (algures nestes quatro anos e meio)

LEITURAS PARA O DIA DE REFLEXÃO - 4

«Mais importante ainda é que, em nome de uma modernidade algo bacoca, não nos tornemos simplesmente num país de netdeslumbrados, que é para o que se vê hoje tender uma boa parte da nossa estupidigentsia (a expressão, notável, é de Maria Velho da Costa) nacional.»

Manuel Maria Carrilho, O Estado da Nação, 2001 (antes do "pântano", mas podia ter sido ontem)

LEITURAS PARA O DIA DE REFLEXÃO - 3


Of no account at all
how you look.
But what you have seen
and what you reveal does count.
It is worth knowing what you know.
They will watch you
to see how well you have watched. (...)

To observe you must learn to compare.
To be able to compare
you must have observed already.
From observation comes knowledge.
But knowledge is needed to observe.
He who does not know
what to make of his observation
will observe badly.


Bertolt Brecht, Gedichte aus dem Messingkauf

LEITURAS PARA O DIA DE REFLEXÃO - 2


Em jeito de resposta (incompleta) à Carla, o White King. Um pessimista antropológico como eu só podia estar de acordo com isto. «"I see nobody on the road," said Alice. "I only wish I had such eyes", the King remarked in a fretful tone. "To be able to see Nobody! And at that distance too! Why, it's as much I can do to see real people, by this light!"»

LEITURAS PARA O DIA DE REFLEXÃO -1


É um texto fundamental do historiador italiano (de história económica) Carlo Cipolla. Vem num livrinho editado pela Celta, Allegro Ma Non Troppo e são as Leis Fundamentais da Estupidez Humana. Importantes porque o respectivo "vírus" propaga-se com mais facilidade que o da gripe porcina apesar da proveniência ser idêntica. Estas "leis" podem ser comprovadas lendo posts de alguns blogues. O facto de alguns autores serem eminentes "académicos" em nada altera a substância da coisa. Pelo contrário.

1ª - Cada um de nós subestima sempre e inevitavelmente o número de indivíduos estúpidos em circulação.

2ª - A probabilidade de uma certa pessoa ser estúpida é independente de qualquer outra característica dessa mesma pessoa.

3ª - Uma pessoa estúpida é uma pessoa que causa um dano a outra pessoa ou grupo de pessoas, sem que disso resulte alguma vantagem para sí, ou podendo até vir a sofrer um prejuizo.

4ª - As pessoas não estúpidas subestimam sempre o potencial nocivo das pessoas estúpidas. Em particular, os não estúpidos esquecem-se constantemente que em qualquer momento, lugar e situação, tratar e/ou associar-se com indivíduos estúpidos revela-se, infalivelmente, um erro que se paga muito caro.

5ª - A pessoa estúpida é o tipo de pessoa mais perigosa que existe.

É PROIBIDO


Publicar sondagens, falar de eleições e de coisas "sérias" até às oito da noite de domingo. Todavia, o Filipe não é um "instituto". É apenas uma pessoa com uma cabeça no lugar onde o Criador as costumava colocar.

25.9.09

COMPLACÊNCIA


É a palavra que melhor define esta campanha feita exclusivamente pelas televisões. The end.

LES TÉNIAS QUI JOUENT DE LA FLÛTE


Esta frase de Céline é para os comentadeiros regimentais sobretudo o inimitável trio Costa (irmão), Delgado e Resendes. Que o dr. Balsemão jamais nos prive da companhia deles por causa da inspiração que provocam. «J'irai vous applaudir lorsque vous serez enfin devenu un vrai monstre, que vous aurez payé, aux sorcières, ce qu'il faut, leur prix, pour qu'elles vous transmutent, éclosent, en vrai phénomène. En ténia qui joue de la flûte.»

O PASSADOR


O dr. Portas é uma espécie de passador. Por ele podem passar votos da esquerda à direita. Ele quer é que eles passem sem dizer o que é que faria com eles. Todavia, em muitos passadores, passar qualquer coisa por eles é puro desperdício. É o que acontece com os votos no dr. Portas. É que ele pode ter a tentação de voltar a vestir aqueles horríveis fatos às riscas em vez dos belos calções com que nos abriu a portinha da sua casa.

ESTÁ CERTO


O sr. Pinto da Costa apoia a D. Elisa no Porto. O sr. Vieira apoia Sócrates. E o sr. Franco, que presidiu a outro clube, apoia o dr. Costa em Lisboa. Está certo. Estão muito bem uns para os outros.

Adenda: Por falar em estar muito bem uns para os outros, veja-se aqui a fotografia correspondente ao "quadro" que ilustra o post. Os leitores facilmente impressionáveis devem abster-se de fazer link.

O TRIUNFO DOS PORCOS

Aqui. O que está na imagem, naturalmente. E isto é mais ou menos a mesma coisa, ao vivo e a cores.

PALAVRAS DO DIA

«Aconteceu que Jesus estava rezando num lugar retirado, e os discípulos estavam com ele. Então Jesus perguntou-lhes: “Quem diz o povo que eu sou?”Eles responderam: “Uns dizem que és João Batista; outros, que és Elias; mas outros acham que és algum dos antigos profetas que ressuscitou”. Mas Jesus perguntou: “E vós, quem dizeis que eu sou?” Pedro respondeu: “O Cristo de Deus”. Mas Jesus proibiu-lhes severamente que contassem isso a alguém. E acrescentou: “O Filho do Homem deve sofrer muito, ser rejeitado pelos anciãos, pelos sumos sacerdotes e doutores da Lei, deve ser morto e ressuscitar no terceiro dia”.»

(Lucas 9,18-22)

GRACE UNDER PRESSURE*

«A nobreza de MFL [Manuela Ferreira Leite]. Nunca mencionou os casos que envolveram Sócrates nos últimos anos. Parafraseando o meu amigo Pedro Caeiro (nos comentários aqui no blogue ao episódio da loira do PSD), Sócrates não teria durado um dia se estivéssemos nos EUA.»
*não é um exclusivo dos homens como imaginava esse torturado mal resolvido do Hemingway

A PALAVRA


«Do Presidente da República o grosso do país quer um “sim” ou um “não”.»


Vasco Pulido Valente, Público

OS "PRINCÍPIOS" DA ESQUERDA E A ESQUERDA SEM PRINCÍPIOS

«E não excluo ninguém à esquerda que aceite um programa de governo assente nos melhores princípios reformadores do PS», escreve Medeiros Ferreira. Com o devido respeito e amizade, está equivocado. Este PS que vai a votos no domingo não tem propriamente "princípios". É uma amálgama de interesses difusos que giram em torno de um poder pessoal que, se desaparecer, deixa de servir. E, evidentemente, muito menos tem princípios "reformadores" ou outros quaisquer. Depois, só a generosidade do MF lhe permite descortinar nessa perigosa e metódica "igreja" que é o BE as "melhores" das intenções. Qualquer ligação ao dr. Louçã é um retrocesso civilizacional de proporções bíblicas. Não foi certamente para isso que o MF pediu, em nome de Portugal, a adesão à União Europeia, pois não?

COM MANUELA


Depois de uma campanha inútil, manipulada do princípio ao fim pela "deontologia" jornalística a mando das agências de comunicação pagas pela campanha milionária do PS, vale a pena estar com Ferreira Leite em Lisboa, a minha cidade. Não por ter feito uma campanha "brilhante", arrebatadora, dissimulada e cheia de estrelinhas. Não. Apenas porque foi autêntica num mar de hipocrisia, cálculo e insolência. E porque a coisa é entre ela e mais (em pior) de uma permanente e tortuosa relação com a verdade. O resto é a árvore (e que enorme que ela é!) que impede a visão da floresta.

Adenda:
«No essencial, o nosso Portugal à hora americana por fora, como quase toda a Europa, não está tão longe do Portugal do Júlio Dinis como supomos. As forças ou as crenças mais ou menos obscuras que dispunham das vontades ao serviço do ignaro Joãozinho das Perdizes foram substituídas apenas, com mais eficácia, por mecanismos de sedução irresistível, hipnótica mesmo, ao serviço de poderes nada obscuros. Não se trata da famigerada força ao serviço de deuses benévolos, mas de autênticas realidades demoníacas, senhoras ao mesmo tempo do poder económico, financeiro, político, tecnológico e, sobretudo, mediático, em estado de "gangsterização" planetária.» (Eduardo Lourenço, Público)

24.9.09

TOMEM NOTA

O dr. Costa, o incumbente de Lisboa - e, pelos vistos, transformado subitamente em virgem ofendida como o chefe dele - está na Sic-Notícias a prestar uma homenagem, sem se rir, ao "jornalista desconhecido". Deve ser porque ele e os dele conhecem perfeitamente os "conhecidos". Esta gente é mesmo perigosa. Tomem nota para depois não se queixarem.

Adenda: Prefiro esta "homenagem" ao jornalismo.

TWEEDLEDUM AND TWEEDLEDEE


No momento em que escrevo (nove e quinze da noite), estão dois famosos comentadores na televisão oficial, o "canal público", unidos num mesmo tempo de antena "moderado" pela D. Judite. Do PS, claro, que é quem sustenta aquilo tudo à conta de V. Exa, prezado leitor. «Tweedledee looked at his watch, and said "Half-past four." "Let's fight till six, and then have dinner", said Tweedledum. "Very well," the other said, rather sadly: " and she can watch us - only you'd better not come very close," he added: "I generally hit every thing I can see - when I get really excited." "And I hit every thing within reach," cried Tweedledum, "whether I can see it or not!" Alice laughed. "You must hit the trees pretty often, I should think," she said.»

Adenda: Por seu lado, a tvi24 decidiu substituir Vasco Pulido Valente por um aparatchik do PS, o "professor" Adão e Silva, uma ex-futura promessa do PS, no programa com Rui Ramos e Villaverde Cabral. A curiosa Alice gostaria de lhe perguntar como a um fauno: "what are you?"

HUMPTY DUMPTY


"E eu a pensar" que o Eduardo tinha uma cabeça.

«WOW! WOW! WOW!»


Depois das "encomendas", as "descolagens" e os "disparos". Segundo "sondagens" - três - o PS "descolou" nas intenções de voto. Depois vêm os "especialistas" e percebe-se que os indecisos e tal... Bom. Estas "sondagens" servem sobretudo para balancear a relação do BE com os votos e, especialmente, a necessidade (patriótica) de "empurrar" o dr. Louçã para baixo. Uma delas, de um "estudo" para o outro, baixou em sete os pontos que dá ao Bloco. Nem todas as Alices do mundo conseguiriam "explicar" este país esquizofrénico e este misterioso jogo de espelhos. Porquê? Porque os livros de Carroll são para adultos. «Speak roughly to these little boys... - Wow! wow! wow!»

Adenda: Segundo Gabriel Silva: «@HenriquMonteiro no twitter: «Surpresa na Sondagem no Expresso: o Expresso amanhã não tem sondagem… Nem a SIC nem a RR.» Já sabia. Agora, quais Alices, adivinhem lá porquê...

A COZINHEIRA E O DEVORADOR DE HOMENS


É um velho título de André Glucksmann o qual, aliás, o tornou célebre na altura como "jovem filósofo". E que, com as devidas alterações de tempo, espaço e lugar (de resto verifica-se a "unidade" da tragédia), se pode aplicar a este monumental exercício de hipocrisia em letra de forma. Como é que uma cozinheira - não se esqueçam nunca, para memória futura, da capa da "folha de Saramago" da passada sexta-feira - se atreve a falar com tamanha leviandade e "escândalo" de cozinhados? Ou será que a ética profissional não passa de um irritante empadão anacrónico, martelado pela "modernidade" e pelo mais vil oportunismo, que só entra ao serviço quando dá jeito?

MEDEIROS NO LABORATÓRIO DO DR. MABUSE


Este Medeiros não é o mesmo do manifesto reformador de 1979. Nunca o tinha visto, em trinta anos, defender alianças com pulhas em nome de uma esquerda de que esses "dupond et dupont" - que são Soares e Alegre - se reclamam, numa trágico-comédia ambulante com Louçã a fazer de ponto. É que, afinal, para correr com Sócrates (é isso que o Medeiros quer dizer com este tropismo infeliz destinado à paróquia) só se pode votar em Ferreira Leite. O país não suportaria a brincadeira de mau-gosto sugerida pelo Medeiros em nome de uma mitologia arcaica e perigosa. E da legítima acrimónia contra o homem (Sócrates) que, quando lhe dá jeito, afirma não ter complexos de esquerda. Os portugueses não podem ficar reféns do laboratório da esquerda, a do optimismo antropológico e a do estalinismo "Prada". Já lhes basta empobrecer ao segundo.

A PORTA DE PORTAS

Portas recorreu às sms para a propaganda. Só que a coisa correu mal e a mensagem aparece assinada por um tal Paulo Porta. Nunca, porém, foi tão verdadeira a mensagem. Não é, afinal, isso que Portas pretende? Fazer de porta independentemente de quem bata nela?

"EM CRESCENDO"


Em crescendo, disse ele ontem à noite em Vila Real. Esquece-se que o crescendo - no fundo, ter mais um voto que Ferreira Leite - é o chamado incremento negativo dos manuais de economia. Da maioria absoluta de 2005 para um putativo "cheguei na frente, prontos", convenhamos que é um crescendo medíocre, aliás, à altura da personagem. Se Sócrates ganhar, passa ironicamente a ser o centro da instabilidade. E jornais, televisões ou blogues (o meu incluído se ele não decidir seguir o "exemplo" do senhor ministro da cultura do Egipto que o governo português queria ver como director-geral da UNESCO) terão pano para mangas e audiências. Nada do que está e vai "sair" acontece por acaso. Pode faltar pão mas é fundamental que não falte circo. Que saudades do macaco Adriano.

23.9.09

"TODAS AS COISAS DIGNAS DE ATENÇÃO SÃO TÃO DIFÍCEIS QUANTO RARAS»*


«"O animal defende a queima de livros", terá dito Carrilho para Amado, ministro dos Negócios Estrangeiros e diplomata atento aos pormenores, como aquele de conseguir distinguir o centro de detenções de Guantánamo da base militar de Guantánamo. "De acordo, de acordo. Mas só os escritos por judeus...", terá respondido o rigorista cofiando a barba. "Além disso, andamos a ver se o Egipto nos dá uma mãozinha para entrarmos no Conselho de Segurança... Imagine o prestígio que isso traria a Portugal!" E foi quando Carrilho suspirou, lembrou-se do Heine e teve saudades da filosofia moral de Kant.»

Meditação na Pastelaria

*Spinoza, Ética