21.8.05

O PRESERVATIVO

Por causa de uns artigos de jornal e de uns pequenos jogos florais entre blogues - e, muito provavelmente, para "alimentar" algum "vazio" estival -, voltou a discutir-se a legitimidade do anonimato nesta actividade "blogueira". A Grande Loja e o Terras do Nunca, por exemplo, andaram vagamente embrulhados e o Paulo Gorjão ou o J.Pacheco Pereira não cessam de "teorizar" em abundância sobre o assunto, assumindo galhardamente o papel do "coro" das antigas tragédias. Quando, há sensivelmente dois anos, esta aventura começou, houve logo nessa altura um pequeno "debate" sobre o tema que correu seus termos entre alguns bloguistas mais afoitos. Hoje a coisa é porventura mais animada. Seja porque a blogosfera assumiu "causas" que a trivialidade ou duplicidade de certos media não sabe ou não quer "aproveitar", seja porque a "agenda" de alguma comunicação social anda notoriamente à espreita do que ressuma da blogosfera para, sobre outra "roupagem", lhe dar "letra de forma" sem cuidar dos "direitos autorais". Quer uma situação, quer a outra, são boas para a blogosfera e para o original lance de cidadania menos adormecida que eu presumo que a mova. Quanto ao "anonimato", eu mantenho o que escrevi logo no início do "Portugal dos Pequeninos", a partir de um post do entretanto "falecido" "Guerra e Pás" que aqui recordo. O decurso do tempo e algumas peripécias mais ou menos patéticas por que passei por escrever o que escrevo e como escrevo, reforçam o teor dos "comentários" feitos há dois anos. Desde uma torpe tentativa de censura feita junto de quem tem responsabilidades "hierárquicas" sobre mim, até ao assumido custo de "oportunidades perdidas" por pensar como penso, de tudo um pouco este "cantinho" me tem dado. Porém, há uma coisa que ninguém me pode tirar: a liberdade e o gozo de dizer o que entendo, assinando em baixo. Há, realmente, um "custo de autenticidade" que o anonimato alivia. O que não quer dizer que, por ser "anónimo", não seja menos verdadeiro ou menos interessante. É, apenas, mais seguro, como um preservativo. A Grande Loja está pejada de "anónimos" e nem por isso eu deixei de aceitar em colaborar com ela. Em suma, todo este "debate" só significa uma coisa muito simples. Que isto vale a pena. Com ou sem preservativo.


O ANONIMATO

O Guerra e Pás colocou um post que levanta uma questão interessante, pelo que, com a sua licença virtual, o repito:

"O Nélson de Matos fala de uma questão que eu julgava que nos ia passar ao lado, a do anonimato. Diz ele que não gosta de blogs anónimos, e eu acho que há mais argumentos a favor da sua posição que da minha, que até mantenho um! Mas eu defendo os blogs anónimos.Tentarei explicar-me.Num blog anónimo há liberdades e libertinagens impossíveis num blog assumido – para já a imunidade parlamentar funciona e num país tão litigante ( e sei bem do que falo) e com juizes tão curiosos, nunca se sabe se não malhamos com os costaços na pildra por qualquer coisa escrita in the heat de um moment qualquer. Depois, imagine-se que um dos famosos que por aqui anda embirra com alguém que dá o nome. Num país tão pequeno e tão mesquinho, a falta de fairplay pode significar um emprego, uma carreira universitária (e sei bem do que falo). Mas estes estão longe de ser os argumentos, embora não sejam dispiciendos. O argumento é de natureza literária, ou se quiser, de natureza autoral. Em abstracto que nos interessa a identidade de um criador se a criação nos agrada? Sei que o NM é amigo e admirador (como eu) de Lobo Antunes, mas se não o conhecesse não admiria a sua obra na mesma? Não é ele um admirável escritor? Sabe muito melhor que eu que a esmagadora maioria dos criadores maiores do nosso mundo eram gente abjecta no íntimo dos seus lares. Freud nem ligava à mulher, Jung enganava a dele, dois filhos de Bing Crosby suicidaram-se, etc (não há aqui nenhum salto lógico a partir de Lobo Antunes, obviamente). Há um excesso de protagonismo autoral no mundo lá de fora – a nossa sede de ídolos e a humanização forçada de escritores, músicos, actores, distorce a nossa apreciação sobre eles - quem sabe se eu não gostaria mais de Saramago se não embirrasse com ele? Finalmente, e a questão está longe de estar esgotada, há saberes aqui na blogolândia que são partilha. E por serem partilhados anonimamente, funcionam como a pessoa de que nunca soubemos o nome que chamou a ambulância quando tivemos o acidente, ou, mais comum, que nos indica o caminho na estrada. Há partilha, não há nomes."

Comentários:
1. É pertinente a observação de que, sendo isto a "pequena caixa de fósforos" que conhecemos, em que todos roçamos mais ou menos todos uns pelos outros, a identificação pode ter o efeito perverso de conotar o autor com posições política ou outra "coisamente" incorrectas, que lhe podem causar dissabores, num País onde a inveja e o ressentimento andam quase sempre de mão dada com a falta de sentido de humor e a pura ignorância;
2. Por outro lado, é saudável, visto do lado liberal, democrático e ironista em que me coloco, dar um "nome à coisa", dar o "meu" nome à coisa escrita, sem subterfúgios, não por vontade de exibição gratuita ou de crí­tica dirigida, mas porque assim posso testar - se bem que não esteja aqui para testar o que quer que seja - a maturidade cívica e intelectual dos meus putativos interlocutores, mesmo que eu nunca venha a saber quem eles são;
3. Na perspectiva em que sempre me coloco, nesta "blogomania" podem conviver saberes partilhados com ou sem nomes, em que alguns de entre eles me ajudam a "redescrever" o meu próprio vocabulário e as minhas próprias convicções, sendo que todos representam, de alguma forma, a apoteose da contingência, no sentido que Richard Rorty atribui a estas designações;
4. Finalmente, agrada-me a ideia de poder falar aqui livremente do que me interessa ou interessou: um livro, um discurso, um poema, uma reportagem, uma opinião, uma pessoa, uma situação, para poder dizer, se me apetecer e quando me apetecer, como no magnífico e já longínquo filme de Antonioni, " A identificação de uma mulher", "tu não és a minha norma".

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