26.8.05

A MÃO ESQUERDA DE DEUS -2

Quando vi o título - "reunir todas as forças" - julguei que se tratava de mais um post da azougada Ana Gomes. Acontece que, de um homem aparentemente lúcido e academicamente creditado como Vital Moreira, eu francamente não esperava estes três míseros parágrafos. Vê-se que o professor não desperdiçou uma linha do que aprendeu na vulgata da Soeiro Pereira Gomes até aos anos oitenta bem adentro. Na minha santa ignorância, desconhecia que havia uma "revolta à esquerda" e que, por causa desse martírio, urgia evitar "um PR oriundo da direita partidária". E ignorava, como ignoro, que o Palácio de Belém está reservado a uma casta especialmente "democrática", justamente por infantilmente presumir que, em democracia, não existem castas. Mas a minha infindável ignorância ainda não tinha absorvido que "a esquerda alimenta uma visceral desconfiança sobre a capacidade da direita para respeitar as "regras do jogo" na Presidência da República", e que, pasme-se, "um presidente sem escrúpulos constitucionais pode subverter impunemente a ordem constitucional". Estas puerilidades podiam fazer algum sentido em 1980 e, mesmo, com um módico de benevolência, em 1985. Hoje, com o devido respeito, são praticamente simétricas dos dislates de Alberto João Jardim sobre o "sistema". Vital repudia ainda as "teorizações presidencialistas" de uns desconhecidos epígonos "conspícuos de Cavaco Silva" e afiança que é "a estabilidade do regime que pode estar em causa" com a sua candidatura. Eu não sei bem a que "estabilidade" e de que "regime" o professor fala. Imaginará ele, porventura, que, uma vez eleito, M. Soares seria um modelo de subserviência ao PS e ao governo? Ou que o país pode aguentar por muito mais tempo a falsa "estabilidade" que este "regime" desacreditado por, pelo menos, cinco anos de leviandades e incompetências lhe apresenta? Ou que pode sobreviver por muito mais tempo sem pôr em causa a decência do próprio sistema democrático? Infelizmente Mário Soares, ao contrário do que aconteceu da primeira vez - verdadeiramente a única - vem apenas para prolongar a agonia e redimir a "esquerda" de uma eventual humilhação. Porém, o país é muito mais do que isto. A liderança institucional do PR, sem prejuízo do respeito pelas competências específicas de cada órgão de soberania, é um facto inelutável por causa do "estado a que isto chegou.". A sua legitimidade, uma vez eleito, e sobretudo eleito nas presentes circunstâncias, é extraordinária se for bem aproveitada. Eu não quero um PR para "adormecer" ainda mais o "regime" e para "anestesiar" a cidadania com os habituais e consensuais jargões. O próximo PR deve ser um "mobilizador" e possuir uma "pulsão reformadora" derivada da sua autoridade democrática. Deve ser alguém com uma sensibilidade particular para o domínio da "crise", sem tergiversações melancólicas ou "ideológicas". Se assim não acontecer, será o "regime", cuja "estabilidade" Vital vê ameaçada pela candidatura de Cavaco, que "pode subverter impunemente a ordem constitucional" por causa da sua incontornável esquizofrenia e ortodoxia, das quais, paradoxalmente, Soares se apresenta o mais fiel guardião.

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