29.6.03

FLORILÉGIO DOMINGUEIRO

Não nos andam de feição estes domingos de Verão. Farejo por perto a data do desaparecimento de David Mourão-Ferreira, em 1996. Não é a sua morte que quero lembrar hoje, mas a fulgurância escorreita da sua poesia, a sua imensa alegria de viver, a compreensão que as suas letras fazem da beleza e do que há de imaterial e improvável no encontro despojado de dois corpos que, por momentos, se amam.

Ternura

Desvio dos teus ombros o lençol
que é feito de ternura amarrotada,
da frescura que vem depois do Sol,
quando depois do Sol não vem mais nada...

Olho a roupa no chão: que tempestade!
há restos de ternura pelo meio,
como vultos perdidos na cidade
em que uma tempestade sobreveio...

Começas a vestir-te, lentamente,
e é ternura também que vou vestindo,
para enfrentar lá fora aquela gente
que da nossa ternura anda sorrindo...

Mas ninguém sonha a pressa com que nós
a despimos assim que estamos sós!

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