3.3.09

O QUE É UM CURRÍCULO?


Num comentário a este post, um "anónimo" escreveu o seguinte: «É natural que o seu amigo tenha sido preterido na admissão: o texto que V. reproduz não é carne nem peixe, impublicável em jornal. Um jornal recruta jornalistas, ou seja, pessoas habilitadas a redigir notícias, fazer entrevistas, fazer reportagem, etc. Tudo menos dar opinião "à la blog". Para a opinião vão buscar gente com currículo.» Vê-se que o "anónimo" sabe do que fala. Ou seja, que qualquer ser minimamente alfabetizado (ou mesmo um analfabeto funcional, preferentemente) pode ser jornalista. Isto porque (seguindo o raciocínio do "anónimo") um jornalista faz redacções (mesmo primitivas que costumam, até, passar por "opiniões"), espeta microfones em tudo o que mexe - mesmo sem saber o que é que está a perguntar ou sequer o que perguntar - e "conhece" perfeitamente a sociedade em que vive a partir, naturalmente, dos seus "contactos", essa preciosa abstracção que abre as portas ao primeiro atrasado mental ou ao último engraçadinho que se apresentar à porta de um jornal ou de uma televisão. Um papagaio, portanto, que, como tal, passa a poder dar a sua "opinião" nos media tradicionais. Para além disso, e ainda segundo o anónimo, «para a opinião» propriamente dita os jornais devem recrutar "gente com currículo". Num país como o nosso - pequenino, "circular" e entregue aos mesmos - está-se mesmo a ver (pelas amostras, salvo honrosas excepções) o que é um "currículo". No fundo, o que o "anónimo" pretende deixar claro é que pouca gente está "habilitada" a aceder ao Olimpo do "jornalismo" (para já não falar da opinião e do comentário nacionais) porque a coisa funciona como pescada de rabo na boca e está reservada a meia dúzia de eleitos com "biografia", isto é, com "contactos" em sentido restrito e em sentido amplo. O "anónimo" deve julgar que nasci ontem.

Adenda:

«O bandalho que dirigiu o comentário acertou no fundamental para o sistema. Não tenho CV, essa espécie de papel higiénico. Ou melhor, o que tenho não me excita e muito menos impressiona.Se o bandalho fosse gente séria, partindo do princípio que sabe com que (não) regras o concurso foi feito, perceberia que um ‘texto à la blog’ respeitava essas normas. De resto, apresentar uma notícia (qual?) era, com certeza, o mais fácil para o concorrente e aquilo que menos interessava a quem fez a selecção. Chega a ser elementar.Se o bandalho tivesse alguma noção do que, na generalidade, sai da Universidade para as redacções, teria vergonha do que disse. Ninguém coerente, saído do ensino superior da “Comunicação”, pode dizer que tem “habilitações”; só pode dizer o contrário. Essa formalidade serve apenas para, caladinhos, os jovens jornalistas fazerem tudo sem vergonha. É isso que, sei por experiência própria, pedem na redacção: que não tenhamos vergonha. Não nos pedem nada mais do que isso, muito menos para pensar.»


António Leite-Matos

9 comentários:

Anónimo disse...

Depois do alfinete no comentário no post anterior, tenho de lhe dizer deste: brilhante. Uma resposta destas ao coment do anónimo e o anónimo devia meter baixa de vez... Cumps

Anónimo disse...

Cá na terra, um currículo toma a forma de um cartão partidário (normalmente dos cor-de-rosa), ou de um bom par de mamas.

Samuel Filipe disse...

Há três ou quatro anos tentei concorrer ao CENJOR, uma «referência» no que à formação de jornalistas diz respeito. As provas de acesso constam de um exame de Português, um exame de Inglês e um exame de Cultura Geral. Passei nos três com uma classificação entre os melhores (os resultados devem estar arquivados). Em Português e Cultura Geral fui mesmo o melhor junto com outro candidato. A fase seguinte passava por uma entrevista com um júri composto por 3 professores. Um dos professores é desde há muito tempo, muito mesmo, colunista no JN. Correu tudo bem até à parte final onde me perguntaram sobre a «função» do jornalista. Sabendo como as coisas funcionam tentei responder o óbvio mas não consegui furtar-me à minha opinião e juntei que na eventualidade de existir uma tendência editorial a mesma devia ser clara, como se faz noutros países. Não gostaram. Eu devia ter a visão romântica da suposta «neutralidade». Fui burro. Eu já devia saber, mas fui burro. Tive 9 na entrevista e fiquei como «terceiro suplente».

Um abraço.

Anónimo disse...

Blogando na 1ª pessoa ou comentando anonimamente, de momento o que interessa é fazer (boa) publicidade ao "i".

Anónimo disse...

excelente post, joão (e outra vez «antipático», naturalmente...). eu sei muito bem do que falas, ó se sei.
ana

Anónimo disse...

o cenjor etá longe de ser um bom exemplo para o jornalismo que se faz. as direcções e redacções pouco ou nada têm a ver com neutralidade. não penses, não respires e faz o que te mandam.

Nuno Castelo-Branco disse...

... e ainda por cima, nos blogs existe gente descomprometida e que até escreve acerca de assuntos com bastante interesse. Embora o Pacheco pereira ache que não, tenho a certeza disto mesmo. Talvez seja por isso mesmo que os desprezam. Não comem todos na mesma gamela. Assim, deixem lá os rafeiros e o seu Friskies diário.

joshua disse...

Uma realidade horrenda que promove a perpetuação da mediocridade obediente aos interesses e às diversas formas de prostituição intelectual, agora que Mourinho trouxe a expressão para a efémera vigência mediática.

No mais, é preciso resistir com garra e desmontar a bandalhice todos os dias.

Anónimo disse...

eu não gosto de gente descomprometida. desconfio bastante de quem o é, aliás.