NÓS E UM LIVRO

«Via ontem, ao apanhar o avião em Londres para o Porto, onde vim deliciado com um paperback da Penguin sobre a história de Paris, que de um conjunto de passageiros que esperavam para embarcar num avião, duas pessoas liam livros. Um deles, certamente não era português. É uma das coisas que me deixa perplexo ao olhar para a sociedade portuguesa, é a forma como não conseguimos contagiar os outros para o prazer da descoberta, da homenagem, e de se inventarem a si próprios depois de cada leitura. Como não conseguimos contagiar os outros com essa vontade de ser mais livres. Olha-se as pessoas, algumas a procurar ali o sustento e de volta ao torrão natal, e não se consegue deixar de pensar na frase de Brodksy «não ler livros é um crime; que os indivíduos pagam com a sua vida e os povos com a sua história.» No fim-de-semana do Congresso de Espinho, lembrei-me de uma passagem de Soljenitsine em que toda uma assembleia aplaude um líder partidário que tinha substituído um outro recentemente condenado, onde gente desfalece de tanto aplaudir e ninguém tem coragem de parar. Há um que pára, o director de uma fábrica de papel, e que é preso nessa mesma noite. A quem dizem, depois de assinado o formulário, nunca sejas o primeiro a parar de aplaudir. Vi aquele espectáculo acéfalo do partido de que sou militante e arrepiei-me.»

(do leitor Vítor Rodrigues)