Passei ontem, por acaso, pela Livraria Buchholz. Demorei-me o menos possível porque me incomodou a decadência. Foi como se tivesse ido visitar um amigo com uma doença terminal. Livros espalhados pelas mesas a um euro, prateleiras meio vazias, o acesso interdito à cave onde se tratava da música. Mesmo já em plena era dos "cd's", cheguei a comprar algumas "caixas" de óperas em vinil à D. Isabel que a esta hora deve estar sentadinha, a descansar, na sua casa da Parede. A Livraria Buchholz tem, para mim, um significado muito especial. Era aí que, antes de entrar para a universidade, "visitava" (mais do que comprava) os livros que não encontrava em mais lado nenhum. Uma pequena colectânea pessoana coligida por David Mourão Ferreira (O Rosto e as Máscaras, da desaparecida Ática, ali bem perto, na Alexandre Herculano, substituída por uma loja de fotografias...), a primeira edição de O Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço, os pequenos livros de poesia do Joaquim Manuel Magalhães da Presença ou as biografias de Eça e Pessoa de Gaspar Simões, da Bertrand, vieram de lá. Não se pode dizer que a simpatia fosse o lance mais marcante em algum do atendimento. Todavia, sempre me surpreendeu a capacidade daquelas devotas competentes para encontrar, debaixo de um "monte" mal amanhado, o título perguntado. Livrarias como a Buchholz fazem parte daqueles raros lugares de silêncio onde podemos sentir intimamente a euforia que representa o amor pelos livros e pela leitura. Fomos nós, os leitores, que as "traímos" quando as trocámos pela "facilidade" dos "grandes espaços". Talvez tudo isto seja inevitável como morrer que é o que afinal, um livro nos "ensina".
6 comentários:
A Livraria Buchholz, cuja decadência começou há talvez uns dez anos, era o espaço por excelência onde se podiam encontrar livros que nenhuma outra livraria de Lisboa possuía.
Começou por estar instalada no início da Avenida da Liberdade, ali aos Restauradores, à direita quem sobe, sendo anos depois transferida para a Rua Duque de Palmela, onde hoje se encontra.
Ainda me lembro da Livraria nos Restauradores, mas nessa altura era um miúdo e não comprava livros.
O "vício" dos livros começou por volta dos 18 anos e tornei-me cliente da Livraria Sá da Costa, ao Chiado, onde um empregado ainda muito jovem mas diligente, o Zé Luís, me atendia com atenção e se esforçava por encontrar os títulos solicitados. O Ferreira da Costa, gerente da Sá da Costa e ainda da família proprietária, era o que se podia chamar um verdadeiro livreiro.
Por razões que desconheço, a Sá da Costa, que acompanhava a escassa actividade editorial portuguesa, começou a decair e as novidades a escassear.
Mudei-me então para a Bertrand e para o Diário de Notícias, ambas no Chiado, esta última há muita transformada em loja de marca, com artigos a preços proibitivos para o cidadão comum.
Como habitual frequentador do Chiado e dos seus cafés, em dado momento tornei-me cliente da Livraria Portugal, sem esquecer a Lello e a Férin. Mas a necessidade de importar livros estrangeiros (ainda não havia Amazon, nem sequer internet) impôs-me uma nova mudança: a Buchholz.
Fui cliente da Buchholz durante muitos anos: de início com algumas discussões com a gerente alemã, a D. Catarina, figura controversa que ou gostava dos clientes ou não, e assim os tratava em conformidade com a sua simpatia ou antipatia. Um dia, por causa de um episódio que não refiro porque insignificante (e ocuparia muito espaço), tornámo-nos amigos. E a Catarina passou não só a dedicar-me especial atenção, como, muitas vezes, a guardar livros que eu não havia encomendado mas que ela presumia me pudessem interessar. E não se enganou uma única vez!!!
A desarrumação era a nota dominante da Livraria, mas a Catarina, dotada de invejável memória, sabia onde se encontrava qualquer livro. E com a sua colega Nancy e as empregadas portuguesas que completavam o elenco conseguira reunir o escol dos amantes de livros em Lisboa, e até talvez em Portugal. No andar de baixo, a Isabel Albuquerque, zelava pelos discos, e já na fase dos cd's, ainda comprei muitos lp's, hoje autênticas raridades.
Quantas vezes, ao sair das reuniões da SEDES, no 4º andar do prédio, pela meia-noite ou uma da manhã, eu via a Catarina através da montra, a trabalhar na Livraria.
Um dia, talvez há uns 15 anos, não posso precisar, o senhor Buchholz, de visita a Portugal, entendeu instalar caixas registadoras e ordenar que os livros, que permaneciam aos montes no chão, passassem a estar todos em estantes ou em cima de mesas.
A desarrumação "arrumada" de Catarina era a sua marca e só assim ela sabia e podia trabalhar - e bem. Por isso despediu-se juntamente com a Nancy.
Veio então uma nova gerente, simpática, a drª Karin Sousa Ferreira, para organizar a casa. Mas os ventos mudaram. As encomendas ao estrangeiro passaram a não ser satisfeitas nos prazos habituais ou a nem sequer serem concretizadas. E houve algumas pequenas aldrabices aos clientes habituais, como a de facturarem IVA nas revistas que já mencionavam na capa o preço de venda (em escudos) para Portugal. Então, deixei a Buchholz!
Tinha aberto a FNAC do Chiado, fazendo a todos 10% de desconto (era o desconto da Buchholz, mas apenas para os clientes habituais) e apresentando o preço dos livros estrangeiros ao câmbio normal e não ao famigerado câmbio livreiro, fixado pela APEL e muito superior, uma invenção que esta associação obrigava os livreiros a respeitar e que estes, naturalmente agradeciam. Os compradores de livros estrangeiros sabem bem do que falo. E a FNAC admitira como empregados uma colecção de jovens universitários, que sabiam atender o público mais exigente; e as encomendas ao estrangeiro chegavam em pouco tempo.
Creio que a FNAC (as várias FNAC's) foram para a Buchholz o golpe de misericórdia. É claro que a FNAC já não é o que era quando começou. Os funcionários, diligentes e disponíveis, arranjaram com certeza melhores empregos e a qualidade começou a decrescer. O preço dos livros estrangeiros passou a exibir mais 10% sobre o câmbio normal, de forma que os 10% de desconto tornam o preço idêntico ao da venda nos países de origem. E, por vezes, ainda há surpresas. As novidades estrangeiras, que abundavam de princípio, agora são raras; e quanto a fundos editoriais é melhor nem falar. A FNAC actual vai-se assemelhando, lentamente, a um supermercado, apesar, importa referi-lo, da excepção do atendimento de alguns rapazes e raparigas, que se esforçam por minorar as consequências de uma política de gestão, não sei se da responsabilidade de franceses ou de portugueses, que visa o lucro, todo o lucro, mas só o lucro. A missão cultural, essa desapareceu...
Perdoe-me o Dr. João Gonçalves tão longo arrazoado, mas não podia deixar de prestar o meu testemunho em matéria que sempre me foi especialmente cara. Concordo com ele quando diz que tudo isto era inevitável. Revela o sinal dos tempos e só podemos esperar que as coisas sejam progressivamente piores.
Apenas uma nota final: alguém me disse, há algum tempo, que a Catarina, velha de quase um século mas cada vez mais nova, vivia, salvo erro, na Sardenha, na companhia da Nancy. Imagino, que rodeadas de livros!
MINA
conheci a livraria na av. da Liberdade e a fundadora. a decadência começou com o seu desaparecimento. ia com a minha hospedeira em Viena. um dia assisti ao resto da conversa da fuga dos alemães da Lituânia dum barco que se afundou e que integra um dos livros que a minha amiga procurava. como o assunto era delicado para ambas nada perguntei.
radical livre
A decadência da livraria começou mal abriu e, valha a verdade, nunca foi grande coisa: o provincianismo lisboeta, a nossa miséria e dois ou três pedantes, um deles de gorra basca, é que lhe fizeram a fama. Nunca conseguiu apresentar uma amostra decente da colecção Budé, nunca conseguiu um mínimo de arrumação e quanto a simpatia, de facto emulava a das megeras da BNL. Qualquer Tombolini romana com metade do espaço fazia melhor figura. Mas escusais de estar com jeremíadas: esse mundo acabou e não foi cilindrado pelos 'grandes espaços' -aí só se amontoa lixo -, o que deu cabo das Leitura e Bubcholz foram as amazon e a venda on-line feita pelos editores. Quem tem pachorra para encomendar uma porra de um livro numa livraria, ficar meses à espera e ser roubado desavergonhadamente? Uma das poucas coisas realmente boas da net é a compra de livros.
Caro Joao, a culpa da decadencia da Buchholz é também da pròpria livraria, que nao se soube adaptar aos novos tempos e desafios, com outros horàrios, outro atendimento, outra apresentaçao dos livros, outra "cara". Eu era visitante e comprador contumaz, mas faz um ror de tempo que là nao ponho os pés, pelos motivos que descreve.(Desculpe os acentos mas estou em Itàlia, a escrever num teclado italiano...).
Por acaso também passei ontem naquela livraria, e a senhora que me atendeu, muito simpática, diga-se, para além de me informar que infelizmente não têm o livro que procuro (nem ali nem em lado nenhum diga-se também), informou-me ainda, que a livraria vai entrar em obras e que a partir de Outubro, haverá grandes novidades... Esperemos para ver.
Não passo na velha Buchholz há mais de um ano! Dantes ia lá de propósito.
Concordo com quem disse acima que o golpe de misericórdia foi dado pela Internet: lembro-me de, em 1995, ter esperado NOVE meses por um livro de Patrick Barbier, Farinelli, le Castrat des Lumières. Isto para não mencionar os preços... Seis contos e quinhentos era o preço médio de uma ópera em VHS. Comprei lá livros sóbre ópera a mais de dez contos (e os títulos disponíveis eram sempre escassos).
Lembro-me perfeitamente do primeiro livro que lá comprei: Look Back in Anger, de John Osborne. Custou 42$50, juro! - ainda tem o preço a lápis. Foi em 1977 e eu tinha 16 anos...
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