4.9.08

O FIM DE UM TEMPO


Passei ontem, por acaso, pela Livraria Buchholz. Demorei-me o menos possível porque me incomodou a decadência. Foi como se tivesse ido visitar um amigo com uma doença terminal. Livros espalhados pelas mesas a um euro, prateleiras meio vazias, o acesso interdito à cave onde se tratava da música. Mesmo já em plena era dos "cd's", cheguei a comprar algumas "caixas" de óperas em vinil à D. Isabel que a esta hora deve estar sentadinha, a descansar, na sua casa da Parede. A Livraria Buchholz tem, para mim, um significado muito especial. Era aí que, antes de entrar para a universidade, "visitava" (mais do que comprava) os livros que não encontrava em mais lado nenhum. Uma pequena colectânea pessoana coligida por David Mourão Ferreira (O Rosto e as Máscaras, da desaparecida Ática, ali bem perto, na Alexandre Herculano, substituída por uma loja de fotografias...), a primeira edição de O Labirinto da Saudade, de Eduardo Lourenço, os pequenos livros de poesia do Joaquim Manuel Magalhães da Presença ou as biografias de Eça e Pessoa de Gaspar Simões, da Bertrand, vieram de lá. Não se pode dizer que a simpatia fosse o lance mais marcante em algum do atendimento. Todavia, sempre me surpreendeu a capacidade daquelas devotas competentes para encontrar, debaixo de um "monte" mal amanhado, o título perguntado. Livrarias como a Buchholz fazem parte daqueles raros lugares de silêncio onde podemos sentir intimamente a euforia que representa o amor pelos livros e pela leitura. Fomos nós, os leitores, que as "traímos" quando as trocámos pela "facilidade" dos "grandes espaços". Talvez tudo isto seja inevitável como morrer que é o que afinal, um livro nos "ensina".

6 comentários:

Anónimo disse...

A Livraria Buchholz, cuja decadência começou há talvez uns dez anos, era o espaço por excelência onde se podiam encontrar livros que nenhuma outra livraria de Lisboa possuía.

Começou por estar instalada no início da Avenida da Liberdade, ali aos Restauradores, à direita quem sobe, sendo anos depois transferida para a Rua Duque de Palmela, onde hoje se encontra.

Ainda me lembro da Livraria nos Restauradores, mas nessa altura era um miúdo e não comprava livros.

O "vício" dos livros começou por volta dos 18 anos e tornei-me cliente da Livraria Sá da Costa, ao Chiado, onde um empregado ainda muito jovem mas diligente, o Zé Luís, me atendia com atenção e se esforçava por encontrar os títulos solicitados. O Ferreira da Costa, gerente da Sá da Costa e ainda da família proprietária, era o que se podia chamar um verdadeiro livreiro.

Por razões que desconheço, a Sá da Costa, que acompanhava a escassa actividade editorial portuguesa, começou a decair e as novidades a escassear.

Mudei-me então para a Bertrand e para o Diário de Notícias, ambas no Chiado, esta última há muita transformada em loja de marca, com artigos a preços proibitivos para o cidadão comum.

Como habitual frequentador do Chiado e dos seus cafés, em dado momento tornei-me cliente da Livraria Portugal, sem esquecer a Lello e a Férin. Mas a necessidade de importar livros estrangeiros (ainda não havia Amazon, nem sequer internet) impôs-me uma nova mudança: a Buchholz.

Fui cliente da Buchholz durante muitos anos: de início com algumas discussões com a gerente alemã, a D. Catarina, figura controversa que ou gostava dos clientes ou não, e assim os tratava em conformidade com a sua simpatia ou antipatia. Um dia, por causa de um episódio que não refiro porque insignificante (e ocuparia muito espaço), tornámo-nos amigos. E a Catarina passou não só a dedicar-me especial atenção, como, muitas vezes, a guardar livros que eu não havia encomendado mas que ela presumia me pudessem interessar. E não se enganou uma única vez!!!

A desarrumação era a nota dominante da Livraria, mas a Catarina, dotada de invejável memória, sabia onde se encontrava qualquer livro. E com a sua colega Nancy e as empregadas portuguesas que completavam o elenco conseguira reunir o escol dos amantes de livros em Lisboa, e até talvez em Portugal. No andar de baixo, a Isabel Albuquerque, zelava pelos discos, e já na fase dos cd's, ainda comprei muitos lp's, hoje autênticas raridades.

Quantas vezes, ao sair das reuniões da SEDES, no 4º andar do prédio, pela meia-noite ou uma da manhã, eu via a Catarina através da montra, a trabalhar na Livraria.

Um dia, talvez há uns 15 anos, não posso precisar, o senhor Buchholz, de visita a Portugal, entendeu instalar caixas registadoras e ordenar que os livros, que permaneciam aos montes no chão, passassem a estar todos em estantes ou em cima de mesas.

A desarrumação "arrumada" de Catarina era a sua marca e só assim ela sabia e podia trabalhar - e bem. Por isso despediu-se juntamente com a Nancy.

Veio então uma nova gerente, simpática, a drª Karin Sousa Ferreira, para organizar a casa. Mas os ventos mudaram. As encomendas ao estrangeiro passaram a não ser satisfeitas nos prazos habituais ou a nem sequer serem concretizadas. E houve algumas pequenas aldrabices aos clientes habituais, como a de facturarem IVA nas revistas que já mencionavam na capa o preço de venda (em escudos) para Portugal. Então, deixei a Buchholz!

Tinha aberto a FNAC do Chiado, fazendo a todos 10% de desconto (era o desconto da Buchholz, mas apenas para os clientes habituais) e apresentando o preço dos livros estrangeiros ao câmbio normal e não ao famigerado câmbio livreiro, fixado pela APEL e muito superior, uma invenção que esta associação obrigava os livreiros a respeitar e que estes, naturalmente agradeciam. Os compradores de livros estrangeiros sabem bem do que falo. E a FNAC admitira como empregados uma colecção de jovens universitários, que sabiam atender o público mais exigente; e as encomendas ao estrangeiro chegavam em pouco tempo.

Creio que a FNAC (as várias FNAC's) foram para a Buchholz o golpe de misericórdia. É claro que a FNAC já não é o que era quando começou. Os funcionários, diligentes e disponíveis, arranjaram com certeza melhores empregos e a qualidade começou a decrescer. O preço dos livros estrangeiros passou a exibir mais 10% sobre o câmbio normal, de forma que os 10% de desconto tornam o preço idêntico ao da venda nos países de origem. E, por vezes, ainda há surpresas. As novidades estrangeiras, que abundavam de princípio, agora são raras; e quanto a fundos editoriais é melhor nem falar. A FNAC actual vai-se assemelhando, lentamente, a um supermercado, apesar, importa referi-lo, da excepção do atendimento de alguns rapazes e raparigas, que se esforçam por minorar as consequências de uma política de gestão, não sei se da responsabilidade de franceses ou de portugueses, que visa o lucro, todo o lucro, mas só o lucro. A missão cultural, essa desapareceu...

Perdoe-me o Dr. João Gonçalves tão longo arrazoado, mas não podia deixar de prestar o meu testemunho em matéria que sempre me foi especialmente cara. Concordo com ele quando diz que tudo isto era inevitável. Revela o sinal dos tempos e só podemos esperar que as coisas sejam progressivamente piores.

Apenas uma nota final: alguém me disse, há algum tempo, que a Catarina, velha de quase um século mas cada vez mais nova, vivia, salvo erro, na Sardenha, na companhia da Nancy. Imagino, que rodeadas de livros!

MINA

Anónimo disse...

conheci a livraria na av. da Liberdade e a fundadora. a decadência começou com o seu desaparecimento. ia com a minha hospedeira em Viena. um dia assisti ao resto da conversa da fuga dos alemães da Lituânia dum barco que se afundou e que integra um dos livros que a minha amiga procurava. como o assunto era delicado para ambas nada perguntei.

radical livre

Anónimo disse...

A decadência da livraria começou mal abriu e, valha a verdade, nunca foi grande coisa: o provincianismo lisboeta, a nossa miséria e dois ou três pedantes, um deles de gorra basca, é que lhe fizeram a fama. Nunca conseguiu apresentar uma amostra decente da colecção Budé, nunca conseguiu um mínimo de arrumação e quanto a simpatia, de facto emulava a das megeras da BNL. Qualquer Tombolini romana com metade do espaço fazia melhor figura. Mas escusais de estar com jeremíadas: esse mundo acabou e não foi cilindrado pelos 'grandes espaços' -aí só se amontoa lixo -, o que deu cabo das Leitura e Bubcholz foram as amazon e a venda on-line feita pelos editores. Quem tem pachorra para encomendar uma porra de um livro numa livraria, ficar meses à espera e ser roubado desavergonhadamente? Uma das poucas coisas realmente boas da net é a compra de livros.

Anónimo disse...

Caro Joao, a culpa da decadencia da Buchholz é também da pròpria livraria, que nao se soube adaptar aos novos tempos e desafios, com outros horàrios, outro atendimento, outra apresentaçao dos livros, outra "cara". Eu era visitante e comprador contumaz, mas faz um ror de tempo que là nao ponho os pés, pelos motivos que descreve.(Desculpe os acentos mas estou em Itàlia, a escrever num teclado italiano...).

Bernardo Tait disse...

Por acaso também passei ontem naquela livraria, e a senhora que me atendeu, muito simpática, diga-se, para além de me informar que infelizmente não têm o livro que procuro (nem ali nem em lado nenhum diga-se também), informou-me ainda, que a livraria vai entrar em obras e que a partir de Outubro, haverá grandes novidades... Esperemos para ver.

Teresa disse...

Não passo na velha Buchholz há mais de um ano! Dantes ia lá de propósito.

Concordo com quem disse acima que o golpe de misericórdia foi dado pela Internet: lembro-me de, em 1995, ter esperado NOVE meses por um livro de Patrick Barbier, Farinelli, le Castrat des Lumières. Isto para não mencionar os preços... Seis contos e quinhentos era o preço médio de uma ópera em VHS. Comprei lá livros sóbre ópera a mais de dez contos (e os títulos disponíveis eram sempre escassos).

Lembro-me perfeitamente do primeiro livro que lá comprei: Look Back in Anger, de John Osborne. Custou 42$50, juro! - ainda tem o preço a lápis. Foi em 1977 e eu tinha 16 anos...