25.9.08

O FIEL JARDINEIRO


O Correio da Manhã faz capa com a indústria farmacêutica e com uma "história" típica. Parece que infelizmente todos, ou quase todos, precisamos de remédios. Ainda outro dia "revelaram", como se isso fosse novidade, que o aumento da compra de anti-depressivos não pára de crescer. A infelicidade também não. Sucede que a felicidade dos pequenos e grandes impérios farmacêuticos varia precisamente na razão inversa à dos respectivos consumidores. Perto da minha casa existe uma farmácia idêntica a uma loja "extra". Está aberta todos os dias até à meia-noite. Tenho observado o seu crescimento e a alegria dos seus jovens proprietários. Talvez mais do que ser cangalheiro - agora "multinacionalizados" - valerá mais a pena ser farmacêutico. Entre nós, existe um organismo oficial, o Infarmed (que supostamente "controla" esse mercado) e a Apifarma que reúne os laboratórios privados e que se encarrega do "lobbying" do "emporio". O CM conta-nos que esta última colocou recentemente como seu director executivo um antigo presidente do Infarmed, o dr. Rui Ivo. Com uma licença sem vencimento concedida pela actual direcção um mês depois de ele estar na Apifarma (ou seja, ainda ligado ao Infarmed), Ivo passou para o outro lado do espelho com a tranquilidade promíscua da gente que costuma servir (e servir-se) do regime. Não será completamente ilegal mas é seguramente pouco ético. Ivo não deixa de ser - é essa a sua carreira originária - um funcionário público, isto é, alguém que jurou defender "com lealdade" o interesse público, um velho conceito em vias de extinção. O livro definitivo sobre os meandros da indústria farmacêutica continua a ser O Fiel Jardineiro de John Le Carré. Brutal e simultaneamente encantadora, a escrita de Le Carré resume o fundamental. É óbvio que o livro retrata um caso levado ao paroxismo pelo "mercado" farmacêutico e da investigação medicamentosa. Por aqui, mais modestos e mais "chicos-espertos", é sempre um problema de lugares, de influência e de, obviamente, dinheiro. Contudo - e a "história" de Rui Ivo só o confirma - permanecem actuais estas palavras de José Pacheco Pereira de há uns meses atrás: «Se há lobby em Portugal, com grande presença na Assembleia e nos partidos, é o das farmácias e da indústria de medicamentos. Se se quiser estudar os lobbies e o poder político em Portugal este é dos mais activos e dos mais antigos.» Haverá, porém, alguém interessado em "estudar" alguma coisa que incomode o discreto fluir da complacência geral que tomou conta deste Portugal de pequeninos?

6 comentários:

Anónimo disse...

Rui Ivo é um profissional cheio de método. De resto, bem amado no seu núcleo apenas porque sim e porque fala para dentro. Na verdade, desde que a referida associação o tem como director, perdeu grande parte da sua relevância. Contudo, este senhor é só pequenino. Interessa perceber que, se não se quiser falar em multinacionais, a indústria farmacêutica nacional é comandada por vagos mestres de obras que, por acaso, gerem milhões. São milhões que, no princípio de Agosto, vinham a público como acréscimo nos lucros. No "Público", alguem falou de umas empresas nacionais cujos lucros tinham aumentado depois de umas negociatas porreiras para q os seus medicamentos aumentassem de preço. Só ainda n se disseram exactamente que empresas foram essas e, que mau seria, se grande parte delas fizesse exactamente parte da direcção da Apifarma.

Peliteiro disse...

Confundir os interesses das farmácias e da indústria farmacêutica é o mesmo que dizer que não se percebe nada do assunto.

O mundo dos medicamentos é um mundo complexo e a blogosfera, tal como os políticos, já tem a sua conta no que diz respeito a disparates ditos neste últimos 3 anos.

Rui Ivo deixou a presidência do Infarmed há anos, não pode ficar a vida inteira dependente desse cargo, até porque somos poucos com poucos lugares para trabalhar.

Isto tudo mas concordando que em Portugal ninguém está «interessado em "estudar" alguma coisa que incomode o discreto fluir da complacência geral que tomou conta deste Portugal de pequeninos».

Abraço

Anónimo disse...

meus amigos, há duas coisas, coisinhas, melhor dizendo, que saltitam como pulgas em pano branco quando a crise se torna violenta: a primeira é a venda em crescendo dos anti-depressivos, e a segunda, a mais engraçada, é o aumento dos candidatos a padre que entram nos seminários. Vi hoje uma notícia qualquer em que uma diocese qualquer se orgulhava muito do aumento de candidatos a sacerdote. Dizia o vigário ou assim, que isso é fruto da intensa actividade pastoral, que leva á revelação das vocações. Ri-me, claro, porque acredito piamente que o senhor acredita no que diz. Mas tenho pena que ele não saiba que isso resulta só e apenas da crise, da pobreza, da miséria que alastra em Portugal. Era assim no antigamente, que ser padre era uma forma de as famílias se livrarem de mais uma boca para alimentar garantindo que o futuro padre ajudaria a restante parentesca. Vai linda a festa, vai!

fado alexandrino. disse...

Porque há muita preguiça em ler, o livro também existe em filme, aliás muito fraquito

http://www.imdb.com/title/tt0387131/

Anónimo disse...

o ex-ministro que foi despedido era inimigo do dr. joão cordeiro da anf.
conseguiu alterar a lei da propriedade de modo a ser acessível às grandes empresas.
retirou os medicamentos (sem necessidade de receita médica) do circuito da saúde. não bastava a venda generalizada de outros venenos como os pesticidas.
como a morte química de muitos talvez a segurança social se equilibre.

radical livre

Anónimo disse...

Muito me espanta que se preocupem com o facto de Rui Ivo ter sido presidente do Infarmed e passados alguns anos, ter um lugar de destaque na Apifarma?! Se tal acontece é porque lhe reconhecem valor e pena é que a Administração do Estado não saiba chamar a si nem crie condições para que as pessoas com mérito neste país se sintam motivadas para trabalhar nas instituições públicas.A notícia que saíu no CM cheira a vingançazinha e só é pena que a Apifarma não tenha respondido à altura.
Já agora, lembram-se de dois ministros que deixaram de o ser e ao fim de um certo tempo foram parar a uma instituição bancária e a uma empresa de construção civil?!Pois é...ainda bem, porque os ditos até são pessoas com muito mérito não só na política como também em termos profissionais. A vida é assim mesmo. E lá fora, nomeadamente em países como o Reino Unido,a França ou na Bélgica, é vulgar as pessoas com valor passarem do público para o privado e vice-versa.Sem qualquer problema porque o que está em causa é o princípio da responsabilização.Nestes caso, o Estado é que se deve queixar de si próprio. Pena é que o CM tenha feito do assunto um manchete, quando certamente teria outras matérias mais interessantes.