11.9.08

NOTÍCIAS DO "BLOQUEIO"*


Tal como aconteceu a José Medeiros Ferreira na fase da "consolidação" do regime, os meus sentimentos em relação a Mário Soares oscilaram. Já apreciei bastante e já detestei o suficiente. Soares, neste momento, é-me tão indiferente como o museu dos Coches. Foi, todavia, um bom PR até ao dia em que decidiu substituir Guterres na meritória tarefa de expulsar Cavaco de São Bento. Por acaso Cavaco poupou-os ao exercício, protestando, com meses de antecedência, a sua própria saída. São, a meu ver, incomparáveis como chefes de Estado. Apesar da suspeita, não creio que Cavaco esteja a "ajudar" Ferreira Leite no sentido em que Soares "ajudou" o PS a voltar ao poder antes de ele deixar a presidência. Cavaco é demasiado institucionalista para a política de perna traçada com charuto e arrotos. Não aprecia. Sobre os Açores - uma intervenção que é vista como "despropositada" quando Soares, em 86, fez exactamente a mesma coisa e com direito a hino antes e depois do discurso - Cavaco foi institucionalista. Sobre as promulgações, também, embora pudesse ter evitado "comunicados" que só servem para alimentar as mentes doentias e medíocres dos "comentadores". Sobre o divórcio, Cavaco foi ele mesmo (com todo o direito a sê-lo, aliás) sabendo que o regime instalado no parlamento (do BE a franjas "modernaças" do PSD) fará, como já anunciou, orelhas moucas às suas observações. Cavaco é um profissional no sentido mais límpido do termo. É natural que já tenha percebido de que "matéria" é feita esta maioria, este governo, este regime e, sobretudo, este primeiro-ministro. Mas não será dele - ao contrário de Soares - que partirá o tiro de misericórdia. Nem o estou a ver na FIL a promover "congressos" alternativos aos dos partidos para irritar o chefe do governo. Cavaco, porventura por causa das "circunstâncias ocorrentes" (termo tão caro ao Doutor Salazar), poderá vir a ter de desempenhar um papel mais "activo", depois das eleições de 2009, se não existir uma maioria absoluta de nenhum partido. Pessoalmente, desejo-o. É a oportunidade de mudar o regime. De regime. Num "sentido" mais presidencialista, independentemente do PR. Em 2009, os partidos estarão cinquenta vezes mais desacreditados do que já estão. E vai acontecer o que aconteceu em Lisboa, no verão passado: uma eleição com um vencedor precário, escolhido por pouco mais de dez por cento dos que podem votar. Sócrates teve uma maioria absoluta e, fora o circo e a criação de uma reserva natural de papagaios, ficará para a petite histoire como um grande anunciador que corre razoavelmente bem. Deixa, sob o pomposo nome de "reformas", uma fantasia. Talvez seja isto que Cavaco está a pressentir quando, par delicatesse, "chama a atenção". Ele não "bloqueia" ninguém. O que não consente, naturalmente, é que o "bloqueiem" a ele.

*O título do post pertence a um belíssimo poema de Egito Gonçalves que pode ser lido aqui.

6 comentários:

Anónimo disse...

Porque a 'análise' de factos, eventualmente, comparativos, suscita variados comentários, de diversos'entendidos', em circunstâncias idênticas e 'muito bem esclarecidas', admiradíssimo fiquei com o 'rude' e agressivo comentário do Mário B. Resendes, sobre e entre os actos do presidente Cavaco e o ministro Pereira.

Admiradíssimo, confuso e 'cheio' de interrogações : porque será que o blá-blá do Resendes já não ataca o que não é do PS ? porque será que critica, ferozmente, uma 'parcela' do governo PS ? porque será que, quase, defende o Cavaco, esquecendo-se que o Soares não 'vai' gostar ?

Mas, as maiores das minhas interrogações ... será que o Resendes 'já' se anda a prevenir ? será que o 'afastamento' do PS - que, incondicionalmente, defendia até ao ridículo, com argumentos fictícios e falaciosos - tem algo de 'segurar' o futuro ?

O que é que o Resendes sabe e que nós não sabemos ? será que ...

joshua disse...

Entre Soares e Cavaco, entre o futuro próximo e que virá mais adiante à desacreditada política partidária portuguesa, escapa de longe Egito Gonçalves. Fui farejando o link que deixaste.

Do grande anunciador têm-me dito que no fundo até nem é mau tipo. Insistem mesmo. Eu não não sei. Há momentos em até o creio, mas por enquanto limito-me a reconhecer também que corre razoavelmente bem.

PALAVROSSAVRVS REX

Anónimo disse...

A comparação entre Cavaco e Soares faz-me lembrar a fábula da cigarra (neste caso cigarra prima-dona) e da formiga, com uma pequena variante: a cigarra não irá passar o inverno mais confortavelmente que a formiga.

Anónimo disse...

Ao fim de dezenas de anos de politica em Portugal e não no Uzbequistão,é de facto "natural que já tenha percebido de que matéria é feito.....este regime". Cavaco não é uma personagem do "regime",tanto ou mais que os abominados do dr.Gonçalves? Não foi P.M. cerca de dez anos? O que o faz ser agora tomado como D.Sebastião para a destruição do tal "regime"que, salvo erro, é a própria democracia. O presidencialismo eanista teve as suas vantagens para uma época sui generis de normalização post-25/4. Mas agora? Temos precisamente visto com Cavaco que é possivel exercer os poderes presidenciais com oportunidade e eficácia. É preciso mais? Duvido, porque o material político que temos é este,e o regime é o produto bom e mau das qualidades dos politicos que se fazem ouvir. Se há génios escondidos,magos ignorados,nada os impede(julgo que concorde) de se manifestarem,de exporem os seus programas,planos,propostas,que apreciaremos. Lamento,mas o regime actual é constituido pelos portugueses que temos,e mais poderes presidenciais não alterariam,creio,a situação. Não estamos,apesar de tudo na bagunça da 1ª republica,nem Cavaco,apesar de algumas semelhanças físicas,quereria ser um novo Dr.Salazar.

Aeroporto de Alcochete disse...

Peço desculpa pela intrusão, mas iniciei um blog. Quem sabe se vos posso ser útil.
Um teste à inovação.
Vendo Lisboa, cá estarei ao vosso serviço, com a maior amizade.

Anónimo disse...

"Pessoalmente, desejo-o. É a oportunidade de mudar o regime. De regime. Num "sentido" mais presidencialista, independentemente do PR."

Ok, João!

Mas dado que, já lá vão largos anos, a maioria PS & PSD/PPD, se entreteve, em sucessivas revisões da Constituição, em limitar o poder da Presidência, que quase chegou a ser eleito(?) pelo Parlamento, tudo isto para chatear o Presidente Eanes, pergunto como vai a Presidência, que não tem assento na Assembleia Constituinte, alterar este estado de coisas?

Ou está a pensar noutro tipo de acção ....