Por razões profissionais, estive numa repartição de finanças de Lisboa. A actual sofisticação terminológica de "serviço de finanças" não mudou em nada a substância do exercício. É vulgar "dizer mal" das "finanças" já que a menção lembra invariavelmente "imposto". Acontece que também é importante, de vez em quando, ver o "outro lado". Este "serviço de finanças" que visitei é o mais "pesado" de Lisboa. Situa-se em Alvalade, numa rua ironicamente chamada "do Centro Cultural". Dizem-me que se trata de um arrendamento de um edifício que pertenceu ao Montepio Geral e que custa cerca de vinte e cinco mil euros mensais aos pagadores de impostos. Visto de fora, até não parece mau. Uma vez lá dentro, percebe-se que aquilo podia ser tudo menos um local de trabalho e um serviço de atendimento ao público. Com três andares, a estrutura tem os tectos rebaixados e falsos - talvez por se pensar que o "contribuinte médio" e o "funcionário público" são mesmo médios de altura - e constitui uma perversa fornalha. Os funcionários explicaram-me que, de inverno, usam roupas de verão porque a temperatura ambiente é naturalmente quente. O ar condicionado é uma metáfora inútil enfiada nas paredes e no chão, dado que não funciona. Os aparelhos colocados junto das janelas mal dão para arrefecer a água que tem que ser consumida aos litros pelos funcionários. O ar é praticamente irrespirável. Pedi para ver o "livro das reclamações". A falta de condições é tão evidente que o "cliente"/contribuinte prefere denunciar as "condições de trabalho" primitivas dos funcionários que os atendem da maneira que podem. Só um "sentido de serviço" arrancado não sei bem a que profundezas das almas daquelas criaturas permite aguentar tamanho opróbrio. Sinceramente, é possível continuar com as bravatas demagógicas da "produtividade", da "melhoria de desempenho" e dos "indicadores" quando não se consegue instalar decentemente umas dezenas de pessoas nos respectivos postos de trabalho? Para quê continuar a acenar aos distraídos e aos ingénuos com a "reforma do Estado" se, numa coisa simples como ter um lugar equilibrado para trabalhar e atender gente, quase se sufoca todo o santo ano, ao ponto dos de fora lamentarem os de dentro? Isto é que é "modernizar a administração pública ao serviço dos cidadãos"? Ou os "cidadãos" que servem na administração pública são menos "cidadãos"? Este episódio da vida material é apenas mais um retrato da mesma miséria e da velha falácia. A única diferença é que agora lhe chamam "tempo novo".
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