28.7.03

O RESSURGIR DO BURRO

De todas as notícias que pude ler na edição do Público de ontem, a que mais captou a minha atenção foi a relativa à ameaça de extinção de um determinado tipo de burro que se encontra no Norte do País, o burro mirandês. Esta espécie animal é muito injustamente desconsiderada sobretudo pela analogia homógrafa que tantas vezes é feita com outra espécie com apenas dois membros inferiores. No entanto, o verdadeiro burro é um animal de uma imensa dignidade e, na opinião de especialistas, pode ser um excelente animal de estimação e de companhia para uma criança.

Algumas curiosidades asininas:

Os burros foram, desde sempre, companheiros inseparáveis dos trabalhadores agrícolas. Incansáveis no arroteamento dos campos, parcos na alimentação e nos cuidados, tornaram-se numa força de trabalho indispensável, sobretudo nos meios mais pobres, onde se praticava uma agricultura de subsistência. Mas foram abandonados. O gado asinino foi sistematicamente subestimado e esquecido, não havendo até há bem pouco tempo qualquer programa de preservação ou melhoramento da espécie;

A importância dos burros ultrapassa as simples tarefas agrícolas. Estes animais desempenham um importante papel na manutenção da biodiversidade, pois permitem o maneio de terrenos de difícil acesso. Além da sua função ecológica, quando morrem são ainda uma fonte importante para o alimento de abutres;

Os burros da raça Terras de Miranda são orelhudos e barrigudos como os outros, mas apresentam algumas diferenças que os distinguem: são lanudos - têm pêlo comprido na ponta das orelhas, nas franjas e por cima dos cascos; são corpulentos, mais altos do que os restantes, de cor castanho escuro, joelhos fortes, orelhas grandes e inclinadas para a frente. Têm formas mais grosseiras e são pachorrentos e dóceis;

Quando uma burra anda com cio, o que acontece nesta altura do ano, os agricultores dizem que anda "desonesta". E as burras "desonestas" transformam-se: ficam más, mascam em seco, mordem-se entre elas e andam meias tontas. As burras podem criar até aos 18, 19 anos, mas uma fêmea com 13 anos que não cria há 10 tem o aparelho reprodutor muito atrofiado e pode não chegar a reproduzir - é isto que se está a passar com muitas burras mirandesas. Uma burra anda prenhe durante um ano;

O burro é um animal simpático, vivo e inteligente, meigo e brincalhão. Mas, em vez de obedecer por instinto, questiona e - inevitavelmente - teima. Aprende com destreza e cria relações sólidas com o homem. Quando são bem tratados são animais mais amigáveis do que os cavalos. Se forem maltratados, tornam-se desconfiados e temerosos e é preciso ter cuidado com eles.

Esta leitura trouxe-me à memória um belíssimo texto de Elias Canetti, inserido em As Vozes de Marraquexe, Notas de uma viagem (Ed. D. Quixote), intitulado O Ressurgir do Burro, cuja história terá tido lugar na célebre Praça Djema el Fna de Marraquexe. Vale a pena ler o livrinho que nem sequer é muito grande.

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