1.7.03

FRACASSAR

Descobri, a partir do Mar Salgado, o blogue de Pedro Lomba, Flor de Obsessão.Encontro esta bonita prosa que não resisto a reproduzir, uma vez mais com a devida vénia. Lembrei-me instantaneamente de uma frase de Samuel Beckett que diz qualquer coisa como isto, a propósito do fracasso: "tenta e fracassa, tenta outra vez e fracassa melhor".


FRACASSAR É PRECISO: Uma mulher aborda-me na rua e pergunta-me se sou seu filho. Olho-a por uns segundos e sigo em frente. Já de costas, ouço-a repetir a pergunta. Continuo. Perplexo. Toda a cidade tem os seus loucos, os seus disturbados, os seus perdedores. Eu não quero fantasiar: a loucura é caso clínico e não traz glória. Mas o fracasso, amigos, o fracasso, a derrota humana têm um esplendor profundo e imaterial que eu admiro. Admiro intensamente os que fracassam, os que perdem. O fracasso é infinitamente preferível à vitória. Quem perde, ganha uma angústia metafísica, uma compaixão existencial. Merece respeito. E merece ainda mais respeito se perde de propósito, se é um perdedor nato e intencional. Os vencedores aborrecem-me, escandalizam-me, oprimem-me. Não exalam uma única vergonha, um único constrangimento, uma única incerteza. E são cinicamente inverosímeis no seu brilho estudado e elefantino. Meias da cor dos sapatos, sapatos da cor das calças, cuecas da cor da gravata. Uma voz segura, um perfil de estátua. Os vencedores sabem o que dizer, o que fazer, o que esperar. E permanecem sempre os mesmos, aconteça o que acontecer. Se tivesse coragem, digo-vos que fracassaria com afinco todos os dias. É muito mais saudável perder do que ganhar. Ganhar é um luxo, uma embriaguez fácil, uma descaracterização. Fracassar não é nada disso. Fracassar é muito mais difícil, muito mais exigente e muito mais conservador do que ganhar. É a única utopia conservadora em que eu acredito: a utopia do fracasso. Tenho há muito tempo esta certeza e não me peçam para explicar: o mundo será melhor no dia em que for universalmente feito de fracassados.



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