18.3.11

«UM TIRANETE DA BEIRA» NUNCA EXISTE SOZINHO



«O eng. Sócrates comprometeu Portugal em Bruxelas com o PEC IV, sem comunicar coisa alguma ao Parlamento, ao Presidente da República, aos partidos da oposição e aos parceiros sociais. Quando umas tantas pessoas protestaram, o eng. Sócrates respondeu, indignadamente, que o que lhe importava não era a “forma”, era o “conteúdo” do que fizera. Só em Portugal esta explicação poderia ter passado sem um escândalo maior ou mesmo sem a demissão imediata do primeiro-ministro. Convém explicar porquê à ignorância indígena. A democracia é “forma”. Só as ditaduras se justificam pelo “conteúdo”. Uma ditadura não hesitará em invocar – como, de resto, invocou – a “defesa de Portugal” para meter por seu arbítrio os portugueses numa guerra colonial. A democracia, em que teoricamente vivemos, exige que se respeite a “forma”, que em última análise legitima qualquer decisão política. Não custa compreender esta diferença. A democracia assenta na “forma”. O próprio princípio representativo não é mais do que uma “forma” ou, se quiserem, de uma convenção pela qual o eleitorado transfere a sua soberania para duas centenas de indivíduos que representam a sua vontade. O “conteúdo” da vontade dos representantes nem sempre corresponde ao “conteúdo” da vontade dos representados (dificuldade que, por exemplo, o mandato imperativo tentava evitar). Mas, se por acaso se puser em dúvida a “forma” do regime, não há maneira de fundar o menor acto de Governo, excepto no “conteúdo” que um ditador, inevitavelmente sustentado pela força, à altura lhe resolver dar. O mesmo acontece com o Presidente da República. O Presidente existe para assegurar o equilíbrio e o “regular funcionamento” dos poderes do Estado. Por essa simples razão, nada lhe deve ser escondido. Também aqui se trata de uma “forma” que o Governo está obrigado a cumprir. A lei e a tradição não concedem ao Governo o privilégio de escolher o que revela ou não revela a Belém, conforme o “conteúdo” da informação de que dispõe. A “forma” prevalece para garantir o estatuto e a liberdade do Presidente e o exercício pleno das suas funções. Sócrates não percebe isto, e não por falta de inteligência, que já demonstrou, para nosso mal, numa ou noutra ocasião. Sócrates não percebe isto, porque não é e nunca foi um democrata. Resta saber se uma democracia aguenta indefinidamente e de boa saúde a autoridade de um tiranete da Beira.»



Vasco Pulido Valente, Público


«A entrevista de terça permite reflectir sobre uma questão mais geral das entrevistas políticas em Portugal: parecem de outro mundo. Eu estava a ouvir Ana Lourenço e Sócrates e a pensar: mas de que país estão eles a falar? Propostas que deviam ter sido entregues e dadas a conhecer na véspera? Apresentação de propostas em Março ou Abril? Natureza das propostas? Se é PEC ou não é? Se telefonou ou não telefonou? Se está “a fazer os possíveis”? A esmagadora maioria dos actuais entrevistadores políticos vivem no mesmo universo temático, táctico e retórico dos próprios protagonistas políticos. Só houve duas perguntas na entrevista a Sócrates fora dessa superestrutura desligada da vida comum — e foram apresentadas como perguntas “bónus”, quando “já não há tempo para mais”: sobre as manifestações do país “à rasca” e a paragem dos camionistas. Não ouvimos nem um pergunta nem uma resposta sobre o desemprego, a nova vaga de emigração, as taxas de juro, o encerramento de milhares de empresas, o novo aeroporto, o TGV e outros Magalhães, o endividamento das famílias, as escolas públicas e privadas, as greves nos transportes, a balança comercial, o preço dos combustíveis, a descida do IVA para 6% para o golfe, os negócios com a Líbia e a situação internacional, os cortes concretos na despesa, o congelamento das pensões mais baixas, o estado da justiça, o estado do investimento estrangeiro. Dirão: não há tempo. Pois, nunca há tempo para temas concretos, para a realidade quotidiana dos cidadãos e empresas, para temas actuais da sociedade, só há tempo para a espuma retórica que não adianta nem atrasa, apenas serve o entrevistado e o estatuto do entrevistador.»

Eduardo Cintra Torres, idem

15 comentários:

Anónimo disse...

Portugal gosta de tiranetes.
Ainda há menos de dois anos ratificou uma alimária sem classificação.
Um povo burro só pode eleger uma besta quadrada.
Assoe-se.

Anónimo disse...

ECT sempre em grande forma!

PC

Anónimo disse...

Além de sócrates não ser um democrata e de Ana Lourenço trabalhar para uma TV, cujas prioridades comerciais e de gestão de tempo são mais do que questionáveis (mesmo assim - ontem - fartaram-se de denunciar o estrume da governação com a Parpública e as Artes!), acontece que 'ambos' lavram na impreparação, ignorância, falta de Valores e superficialidade que são a fruta-da-época deste país já amnésico quanto a tempos não assim tão distantes. O povo também não é exigente; o 'escândalo' já não se dá porque todos se estão cagando e, comentadores ou protagonistas, não ligam a comboios-que-já-partiram (a Forma que VPV refere...). É patente que a falta de educação (e não da tão propagandeada 'cultura') democrática afecta governo e governados, civis e políticos, putas e clientes. O rítmo destes chiqueiros é, de resto, estonteante: há sempre mais um PEC, um terramoto, um tsunami, uma cimeira, um leilão, um sorteio da FIFA, um crime de sangue ou um qualquer outro cagalhão televisivo para distraír a malta toda; não há capacidade para digerir e distinguir o importante do acessório; as entrevistas e o esclarecimento público dobram-se à publicidade e aos imperativos comerciais com "o nosso tempo a acabar". Em 1974-1976, e mesmo mais além até ao fim do Conselho da Revolução, o 'tempo' era o da RTP a preto-e-branco, não havia medo dos líderes políticos, os jornalistas não se ficavam, fumava-se no estúdio em directo, o intervalo era para arrefecer as máquinas e não para vender bolachas.

Ass.: Besta Imunda

Zé Luís disse...

Incisivos. Brilhantes. Ambos os dois...

Maria Tuga disse...

A foto está muito gira. Era quando ele lá terra era conhecido pelo Zézinho Reco.

João Sousa disse...

PC, ainda digo mais: ECT em grande forma e grande conteúdo.

Aires Vilela disse...

Isso mesmo: o gajo não é nem alguma vez foi democrata. Estes seis anos comprovam-no sem margem para dúvidas. Mas será que o País o é? Que democracia suportaria ser tão duradouradamente desgovernada por um antidemocrata, como o gajo manifestamente é?
Outra coisa: deixámos de ter jornalistas. Temos apenas serventuários do interesse do partido do antidemocrata. Que jornalistas, em que país do mundo democrático, tolerariam o longo "directo" televisivo de ontem à noite, digno da mais triste propaganda nacional-socialista? E como é possível que nenhum dos "jornalistas" presentes tenha feito notar ao gajo que os números da execução orçamental dos primeiros dois meses apenas atestam que nenhum esforço foi feito pelo Governo para diminuir a despesa com a máquina do Estado, verdadeiro monstro que nos está a levar à miséria?
Todo o dia em que o gajo continue no poder é mais uma machadada no nosso futuro comum. Como é possível que o País não entenda isto e não se levante contra isto?

Cáustico disse...

O problema reside na transferência da soberania para uns tantos.
É que a maior parte das vezes esses tantos são incompetentes, não têm qualidades de trabalho, são desonestos, lançam mão de todos os processos e meios para se encherem, e, em vez de governarem, governam-se.

Cáustico disse...

E também podiam perguntar ao canalha político porque anda sempre a falar no estado social e numa escola de Linda-a-Velha as crianças têm de levar papel hiíénico de casa, que é coisa que não existe nos sanitários da escola. No tempo da ditadura, as folhas para os exercícios, frequências e exames eram fornecidas pelas escolas. E nessa altura não se badalava sobre o estado social.

Anónimo disse...

Estado Social=0
Estado de Direito=0
Estado Democrático? Estamos nas mãos de estruturas partidárias medíocres de 2 ou 3 partidos que ao serviço de empresários sem escrúpulos assaltaram os portugueses nos últimos 25 anos. Como diz VPV vivemos numa democracia só em teoria.

Nota: a entrevista/discurso do rei e os 15 minutos de tempo de antena de ontem no início dos telejornais mostram o estado do jornalismo. Igual a zero.

Anónimo disse...

Bem podem salivar contra o Sócrates.

Ele só sairá pelo seu pé e depois de vencer as próximas eleições.

O Vasco e o Eduardo bem podem ir fazendo reserva nalgum hospital psiquiátrico.

Anónimo disse...

Aires Vilela, o gajo, o dito cujo ranhoso, não só é um autocrata de pacotilha como um incapaz de apreciar seja o que for excepto alcoviteirices...

É por isso que pugno por que alguem lhe faça uma espera num beco qualquer para lhe dar um enxerto de porrada daqueles que se vêem nalguns filmes.

PC

Fernanda Valente disse...

«O próprio princípio representativo não é mais do que uma “forma” ou, se quiserem, de uma convenção pela qual o eleitorado transfere a sua soberania para duas centenas de indivíduos que representam a sua vontade»

Uma verdade incontornável sobre a legitimidade democrática orientada pelo principio representativo.
Sócrates, como político «low profile», aliás como o são quase todos os políticos no "activo governativo" não mediu o alcance das suas palavras. Aliás, nem a democracia portuguesa pode compadecer-se, neste momento, com eventuais verosimilhanças de procedimentos.

1 qualquer disse...

Sócrates é o melhor e mais bem preparado político português da actualidade, o resto é dor de coto.

alberico.lopes disse...

O que eu mais gostava era que tanto o VPValente,como o E.Cintra Torres,como a Constança e todos os politólogos/sociólogos que nos invadem constantemente a casadeixassem de chamar "engenheiro"a este aldrabilhas de Vilar de Maçada/Alijó!Pois se ele não é nada engenheiro,porque se insiste em apelidá-lo de engº?Não era melhor chamar-lhe D.Pinóquio ou coisa parecida?Aqui fica a minha sugestão!