"Já aqui escrevi que o calcanhar de Aquiles do governo de José Sócrates é a sua displicência ética, realidade que está a romper pelas costuras da imagem construída para o disfarçar. Daí que exista na sociedade portuguesa um sentimento difuso de que algo não está bem, e, de facto, não está. Nunca foram tão notórios os sinais de riqueza em sectores da sociedade portuguesa, cujas práticas de enriquecimento indevido são conhecidas, mas fracamente combatidas, ao mesmo tempo que os custos da crise económica caiem essencialmente nos trabalhadores por conta de outrem. Como há um contraste chocante entre a agressividade governamental, dirigida principalmente a sectores profissionais, com ou sem razão, com a moleza com que é encarada a corrupção, a passividade perante os mais óbvios conflitos de interesses e a defesa inusitada de projectos e de decisões que deixam uma marca de enorme reserva nos observadores mais atentos e, porventura, mais sérios. Os jornais publicaram há dias que Américo Amorim, em dez meses, terá ganho na Galp quase 500 milhões de euros. Neste caso, como noutros, alguém se deve interrogar sobre qual foi a riqueza entretanto criada e qual a razão porque as participações accionistas de instituições públicas deram tais lucros e tão rapidamente a uma entidade privada. Para além da errada pedagogia do exemplo, pelo facto de Américo Amorim se ter tornado num herói nacional, logo modelo de comportamento para empresários e empresas.Também já aqui escrevi que José Sócrates deterá o recorde mundial entre os ambientalistas que mais contribuíram para a construção civil num determinado país. Referi então, como exemplo, os estádios de futebol, o programa Polis e vários projectos imobiliários conhecidos. Só que agora, como primeiro-ministro, generalizou o uso da fórmula do interesse nacional, para deixar passar os mais chocantes objectos da especulação imobiliária em zonas protegidas. Exemplos: o Alqueva e a redução da área de protecção da bacia hidrográfica; a enormidade dos investimentos a fazer na região da Comporta e na generalidade da costa alentejana; a localização da fábrica da empresa Ikea em área protegida, quando há um espaço industrial com as necessárias infra-estruturas a poucos quilómetros; a criação de onze, mais uma, plataformas logísticas, assim chamadas, ainda que ninguém se tenha dado ao trabalho de explicar porque carga de água necessita um pequeno país como Portugal de tantas destas plataformas. Para mais, essencialmente rodoviárias e não multimodais, quando o objectivo sustentável seria o de reduzir o transporte rodoviário a favor dos transportes marítimo e ferroviário. Trata-se, obviamente, de especulação imobiliária, que aproveita terrenos protegidos, logo sem valor comercial, para os transformar em terrenos de enorme valor. O caso mais paradigmático será o da empresa espanhola Albertis, a quem foi dada luz verde para construir uma plataforma logística à beira do Tejo, em Castanheira do Ribatejo, em zona de cheias, mas de grande valor para a especulação dos terrenos. A probabilidade é que, pouco a pouco, no local existirão mais hotéis e escritórios do que armazéns e fábricas. Pelo meio, os lucros serão enormes e, principalmente, a curto prazo, logo o interesse das construtoras e dos especuladores do costume. Moral da história: Portugal precisa de reformas profundas e isso não se poderá fazer sem grandes mudanças nos interesses estabelecidos e sem alguns sacrifícios. Todavia, essas mudanças só farão sentido e só terão condições de serem aceites pelos portugueses, se forem levadas a cabo com grande sentido ético e através da boa pedagogia do exemplo dos governantes e dos sectores mais favorecidos da sociedade. O que, infelizmente, está longe de acontecer sob a direcção do governo de José Sócrates."
Henrique Neto, in Diário de Leiria (sublinhados meus)
6 comentários:
muito bom.
Ah, e eu a pensar que a consciência crítica do PS era o atirador aos pratos chamado Alegre...
Como vos é (Ao PS entenda-se) inoportuno e desagradável, a Senhora chama-lhe estafado.
E olhe que NÃO É o João Goncalves a escrever este comentário
O problema do Henrique Neto é despeito. Como empresário sempre andou à mama dos subsídios. A técnica é desacreditar a pessoa. A partir daí tudo o que fizer já não interessa.
Mas será que o senhor Henrique Neto, empresário e membro do PS, disse uma barbaridade assim tão estranha?
Como voz crítica de há muito, não me espanta.
Pena que espante tanta gente.
E que caminhemos todos tão alegremente para o abismo.
Mesmo com Sócrates.
Z
Sócrates é peão dos Bilderberg!
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