Porventura a pensar no congresso do PS - o "partido Sócrates", como lhe chama significativamente o Público - o Diário de Notícias lembrou-se de perguntar a algumas luminárias da "esquerda" o que é que elas entendiam por tal toponímia. O soba Mega Ferreira saiu-se com este diamante - "adoptar, como ponto de princípio, o partido dos que menos têm, em vez dos que têm mais" - como se fosse um modelo "intelectual" dos que "menos têm". Já o prof. Boaventura "sonha" com o nirvana anti-capitalista - apesar do "capitalismo" lhe propiciar a divulgação da sua "obra" e "pensamento" nos Estados Unidos - e clama pelo seu fantástico "fim". Nuno Brederode dos Santos supõe a "esquerda" como sendo o monopólio daqueles "que cultivam a inquietação da dúvida, contra o conforto da certeza", sem se lembrar que muito do pensamento filosófico e político essencial do século XX (para não andar mais para trás) teve um "parto doloroso" com Nietzsche e seguiu em frente com Heidegger ou Wittgenstein (este por contraponto ao "oportunista" Russell). São eles os filósofos do nosso desgraçado tempo e não o trombudo Marx, os "estruturalistas" ou os "pós-modernos". Até os pragmatistas americanos - sociais-democratas como Rorty, por exemplo - lá vão "beber". Silva Melo não interessa. Só lhe interessa quem anda com ele ao colo, seja de "esquerda" ou de "direita". Baptista-Bastos desceu da bonita lua onde normalmente vive para falar em "ganância" e em "globalização". Dois socialistas (Alfredo Barroso e Pedro Adão e Silva) limitam-se a lugares-comuns sobre o "papel" do Estado, enquanto Helena Roseta, para sempre nostálgica do milhão de votos de Alegre, aposta no "poder dos cidadãos". Marcos Perestrello, a nova coqueluche do "socratismo", banaliza a "esquerda" em torno do cliché "igualdade e solidariedade" para poder dormir descansado. Carlos Brito, ex-PC duro e actual PC "reformador", descobriu, na terceira-idade, o valor insubstituível da liberdade como se esta fosse propriedade privada da "esquerda". Mário de Carvalho, finalmente, é mais prosaico e, apesar de umas divagações realistas sobre a "esquerda concreta" - a dos "ismos" - não resistiu ao disparate (infelizmente offline) : "a direita não tem, nem nunca teve, princípios: tem preconceitos". E continua: "quando alguém se proclama de direita assume um lastro de opressão, violência, ignomínia, mentira, obscurantismo, que pesa através dos séculos e que nos vem diminuindo e amesquinhando até aos nosso dias". Se isto não são preconceitos, então já não sei o que é um preconceito. Lembrar a "esquerda" a propósito do congresso deste PS, é o mesmo que falar de omeletas a propósito de salmão. Em suma - e à excepção de Medeiros Ferreira que diz qualquer coisa que é comum aos homens de bom senso da "esquerda" e da "direita" (evitar empurrar "a vida das pessoas para baixo") - à "esquerda" assenta-lhe bem a designação italiana. Persiste sinistra.
23 comentários:
Que falou de omoletes a propósito de salmão, chez Guterres, foi o arquitecto Saraiva.
Tu que és uma luminária de direita o que entendes por tal toponímia?
Goldie
A Sinistra e a Destra.
"Uma mão lava a outra e as duas batem palmas."
Pois...a esquerda tem complexos, julga que sabe tudo, acha que tem a posse dos conteúdos da liberdade, solidariedade e cultura MAS, quando se lê este blog e este post, percebe-se o que, de facto, é a direita...
-Pois...
Ficaria bem ao JG se depois de tão esforçada reflexão sobre uma (putativa) definição de esquerda nos presenteasse com uma (suposta) definição de direita.
É que a obrigação que impende sobre a esquerda de esta se estar permanentemente a definir exime a direita a dizer o que realmente é.
Para mim, pelo menos, esclareceria bem mais os termos da discussão. Mas fica aqui lançado o desafio.
Então aqui vai uma coisa inteligente que temo se venha a perder ingloriamente nos esconsos e pósfios sítios estes. SER DE ESQUERDA É TER A CAPACIDADE PARA NOS COLOCAR-NOS NO LUGAR DO OUTRO. E SE NÃO SE GOSTAR DO QUE LÁ SE ENCONTRA, APROVEITA-SE O MOMENTO PARA FAZER ALTERAÇÕES. NUMA PRÓXIMA PASSAGEM VAI-SE GOSTAR MAIS DAQUILO QUE SE ENCONTRA... NO LUGAR DO OUTRO. Hummm!
PS. Nunca gostei de ver um "n" no lugar de um "m"
Se o abuso do poder e a exploração do ser humano não tivesse partido da direita e do exacerbamento dos valores que ela defendia (incluindo um conceito restrito de liberdade), não teria havido uma esquerda tão peremptória e convencida da infalibilidade do seu rumo. A esquerda aprendeu a palavra "opressão" com a direita e produziu o marxismo-leninismo nas suas diversas matizes. A custo, a muito custo, a direita foi aprendendo com a esquerda a amplitude do conceito de "liberdade".
Vê-se logo que o ricardo é "de esquerda".
Ora, releiam:
"(...)PARA NOS COLOCAR-NOS (...)".
Só um gajo "de esquerda" conseguiria tal grau de alfabetização.
A "emenda" ricardiana é ainda melhor que o soneto.
Ele, afinal, entende que a primeira pessoa do plural e "colocar-mos" e não "colocar-nos".
Isto é ou não é "de esquerda"?
E a emenda ricardiana é pior que o soneto. Ele acha que, afinal, a primeira pessoa do plural é "colocar-mos" e não "colocar-nos".
Isto é ou não "de esquerda"?
Ó anónimo das 4:45, o "n" no lugar do "m" no "hummm" e não onde espevitadamente foi fazer de corrector de texto. Ora veja se Hummm e Hunnnn... não faz toda a diferença quando estamos a falar do PS e da sua esquerda comparativa. Hunnnnn... Mas obrigado, porque me ri um bocadinho... pouco!
E, já agora, se quiser um destes "´" emprestado, faça o favor...
E, já agora, pode ter um olho largo para as primeiras e terceiras pessoas na sua pluralidade, mas não perecebeu um rabanete do que está escrito. Vá lá homem, olhe que o humor não lhe estraga os azimutes ideológicos
Ainda nenhum dos prestimosos comentadores reparou que "esquerda" e "direita" estão entre aspas? Não fui eu que as pus entre aspas. Revejam lá as vossas maravilhosas "agendas" e depois falamos.
Excelente post, caro JG.
O comentário do anónimo das 4:07PM é igualmente muito interessante, mas um pouco anacrónico... tem cerca de um século de atraso e, desta forma, evita reflectir sobre as ditaduras sinistras e contemporâneas dos países da antiga cortina de ferro, da China, da Albânia, de Cuba, etc.
A esquerda, que está longe de ser una e muito menos uníssona, deixou um legado com diferentes matizes: foi libertária, revolucionária, sanguinária, totalitária e tirânica, centralizadora, vanguardista, estadista e nacionalizadora, acabrunhadora da iniciativa e criatividade individuais, … mas foi também libertadora, reformista, democrática, pluralista, humanista e personalista, distributiva, ….
Da direita parece-me que poderíamos dizer, mais coisa menos coisa, outro tanto.
Os sistemas ideológicos enfermam deste problema estrutural. Só os maniqueístas têm dificuldade em enxergar o óbvio.
Entre o desenho de uma ideologia - conceptualmente pura, lógica e fundamentada - até à sua operacionalização no terreno, protagonizada por pessoas mais ou menos virtuosas e clarividentes ou, não menos vezes, narcísicas e limitadas, vai uma distância como da terra ao sol (passe a metáfora).
Perguntar-me-ão: Então as ideologias não fazem sentido nos tempos de hoje?
Claro que fazem. As ideologias são conjuntos de ideias, valores e princípios próprios de uma sociedade, de uma época, e que são produto de uma situação histórica e das aspirações dos grupos que as apresentam como imperativos da razão.
O que não faz mais sentido é as ideologias serem olhadas como um sistema organizado e fechado de ideias que serve de base a uma luta política.
As ideologias têm que ser de geometria variável e adaptáveis, pragmaticamente, às nações, aos povos e às circunstâncias existenciais que envolvem o tempo político.
Tal não significa, entenda-se, que não haja uma linha de rumo, um núcleo duro de valores partilhado ou sentido por uma maioria de pessoas nos diferentes domínios estratégicos de intervenção.
Por isso, hoje, falar de direita e de esquerda é, tendencialmente, o caminho mais fácil para a demagogia bacoca, para a etiquetagem dos indivíduos, para alinhamentos interesseiros e, por vezes mesmo, uma estratégia premeditada para a manipulação das consciências e para o desvio da atenção dos assuntos que realmente importa discutir.
Outros há, porém, que por mero diletantismo fruem a eternização deste debate geométrico entre a esquerda e a direita. Estes eu qualifico como os intelectuais do quadrado. Ainda vivem num espaço plano e bidimensional. Não compreendem a tridimensionalidade da existência atravessada pelo vector temporal.
Em síntese, a divisão entre esquerda e direita é demasiado simples para poder representar de forma exacta a multiplicidade dos alinhamentos ideológicos. Esta díade apenas serve como fonte de equívocos.
E, se dúvidas houvesse da bondade desta tese, bastaria olhar para as governações “socialistas” de alguns países europeus - incluindo Portugal - para rapidamente concluir que as opções políticas, por exemplo de Sócrates, são bem mais à “direita” do que as protagonizadas por Cavaco Silva no seu tempo de timoneiro.
Infelizmente, já nem os programas políticos servem para aquilatar da bondade das ideias dos seus protagonistas, na medida em que quando chegam ao poder, ao abrigo de múltiplos pretextos, desatam a fazer o contrário do que prometeram. Hoje, os programas políticos devem ser olhados como peças de marketing, uma espécie de isco para o peixe miúdo.
Apesar de tudo, é sempre possível fazer mais e melhor! Se mantivermos o espírito nacional, compreendermos o mundo global e aceitarmos a força do trabalho como a principal alavanca de qualquer projecto de desenvolvimento sustentável. Para isso temos que nos comparar sempre com os melhores, se tivermos a veleidade de concorrer em pé de igualdade. Caso contrário resta-nos sempre a lamúria e a pedinchice.
Félix, boa reflexão, bom têxto.
Estou a lembrar-me de alguem, talvez eu, que concluiu em tempo:
o proletariado industrial de Marx, deapareceu.A classe operária de há meio século, chegou ao paraiso.
E pese as desgraças do desmprego no hemisfério norte, terra de ricos, talvez a solução acabe por vir do exterior. As vagas de emigrantes aí estão.
E os novos países emergentes, para já da Ásia.
Z
Sinistra há só uma,
A da Educação
E mais nenhuma
O Félix, no meio de tanto arrazoado prolixo acabou, malgrado o tempo que levou a lá chegar, por dar uma definição aproximada da direita contemporânea.
Nada agrada mais à direita do que reduzir a política ao parlamentarismo gestionário, no qual governar é equacionado com manipulação das vontades do eleitorado. Reparem que um sistema assim, para o félix, faz parte da natureza das coisas, sem que se vislumbre um ponto de vista crítico através do qual se possa rejeitar esta noção de política. E é justamente aqui que me parece passar a grande clivagem: entre uma direita - veja-se o aburdo de dizer que o sócrates tem políticas mais à direita do que o cavaco, como se fosse justamente o posicionamento no tal quadrado que o félix denuncia que classificasse as políticas e não os objectivos e acções práticas que estas enunciam - que se contenta com esta "politiquisse" (chamemo-lhe assim) e uma esquerda que pense para além dela. De resto, este site é o exemplo acabado do território da politiquisse, no qual nunca se discute política, mas ao invés envereda-se por diatribes politiqueiras. Por aqui podemos desde já começar a perceber o que é a direita, e o que a esquerda deve sobretudo evitar - sem aspas.
Essa porcaria da esquerda dá-me vontade de rir. Gosto de ver o PCP e o BE contra o governo do PS. Deixem-se de tretas. A esquerda não existe. O que existe é duas esquerdas que não se misturam, como o azeite e a água. De qual é que estão a falar?
Caro saposnotelhado
Não é meu hábito conversar com sapos, atenta a sua categoria de anfíbios, da ordem dos anuros, da família dos Bufonídeos. Como se tal não chegasse, gozam ainda de uma língua de palmo e meio e dedicam-se à ingestão de insectos, mais ou menos repugnantes.
Pior ainda quando tais batráquios têm uma especial atracção por poleiros diversos do seu biótopo natural, sejam eles de “esquerda ou de direita”, sejam eles telhados ou outras construções de engenho humano.
Posto isto, não é de admirar que o meu amigo tenha dificuldades genéticas de leitura e limitações insupríveis de interpretação. É a vida. Cada um é para o que nasce. E um batráquio por mais que tente, mesmo quando se trata de um príncipe condenado à condição de sapo, dificilmente conseguirá em algum momento da sua existência percorrer os caminhos intricados do género humano. Resta-lhe, pois, esperar, porventura toda a eternidade, o aparecimento de uma princesa disposta a oscular-lhe a pele untuosa de tanto mergulho em águas nem sempre límpidas.
Quanto ao assunto que o trouxe a esta caixa de comentários só me ocorre dar-lhe os parabéns por visitar este horrendo “blog de direita”, mau grado a sua rejeição liminar da “politiquice” (cuja grafia com um “c” lhe recomendo em alternativa aos “ss”), na medida em que, apesar de inconsistente, revela alguma abertura de espírito da sua parte.
Despeço-me esperançado de que um dia consiga ver para além do comprimento da sua protuberância nasal. E, já agora, peço desculpa por ter incomodado a sua “pura” costela esquerdina, intelectualmente superior, nos desígnios e na substância… Creia que apenas pretendi reflectir sobre alguns paradoxos e equívocos políticos contemporâneos e sobre a frivolidade de algum discurso comunicacional. Se o meu amigo gosta do uso simplista ou maniqueísta dos conceitos de esquerda e direita, parabéns e faça o favor de ser feliz. Não se fala mais deste assunto.
"O aborto como sucedâneo da ideologia
A nota de Sócrates sobre o referendo do aborto no congresso do PS, este fim-de-semana, vem lembrar aos mais distraídos que a questão é também ideológica. Sobretudo para o PS. Já se percebera quando o Ministro da Saúde, à boa maneira soviética, tinha convidado os médicos do Serviço Nacional de Saúde a serem "mais democráticos e progressistas" na aplicação da lei. Por outras palavras, os médicos que não abortarem, devido a uma interpretação rigorosa da lei ou simplesmente devido a objecção de consciência, não são "democráticos" nem "progressistas". Já estivemos mais longe das purgas.
Compreende-se porquê. Quando toda a gente, incluindo os socialistas, pergunta se este Governo é realmente de esquerda, Sócrates saca do referendo e diz: "Vêem como somos de esquerda? Até queremos despenalizar o aborto..." As questões fracturantes são hoje o único luxo ideológico do PS.
De resto, o referendo vem na altura ideal para o Governo. Contestado na rua, a campanha permitir-lhe-á ter do seu lado, nem que seja por três meses, parte das forças contestatárias. O aborto, nas mãos de Sócrates, não passa de um rebuçado a dar à esquerda enquanto faz políticas de direita."
posted by Pedro Picoito
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