13.11.06

AFIRMA PAIS


Alertado pelo Eduardo Pitta, fui ler a entrevista do director do Teatro Nacional São João do Porto, Ricardo Pais, no Público. Pais aparentemente perpetuou-se num livro escrito por outra pessoa e esse é o pretexto para a conversa. Que nos diz Pais? Desde logo, e devidamente aconchegado pelo orçamento de Estado e por Isabel Pires de Lima, zurze metodicamente em Rui Rio, que Eduardo Prado Coelho, num acesso metafísico, apelidou outro dia de "extrema-direita". Estão lá todos os clichés habituais contra Rio por causa de um Rivoli que Pais também deve cobiçar. "Arcaico", "pré-histórico", "invalorizável" constitui o essencial da adjectivação. Depois vem o comentário mais extraordinário e, sobretudo, revelador do conceito de democracia dos nossos sublimes "criadores": "O dr. Rui Rio tem um problema pessoal grave de relacionamento com os agentes culturais, os seus munícipes e a sua cidade. E este problema tem de ser resolvido." Tem? Como? Correndo com ele a pontapé? Rio, não sei se o Ricardo se tem isso presente, foi reeleito e com uma maioria absoluta dada pelos munícipes do Porto e não pelos "agentes culturais". Rio não o bajula, Ricardo? Paciência, ele andou na escola alemã, não é exactamente um "balzaquiano". "Recuamos 30 anos quando começamos a falar em saneamento versus cultura. A cultura é um factor de desenvolvimento como outro qualquer", afirma Pais. Plenamente de acordo. Acontece - e o Ricardo, fechado no seu labirinto, decerto ignora - que há para aí uma percentagem muito razoável de portugueses que não dispõe de água canalizada em 2006. Eu sei que isto é dum "reaccionarismo" e de um "populismo" primários, mas imagino que não faltem torneiras ao Ricardo. Por outro lado, sendo certo que a cultura é um "factor de desenvolvimento", não se deve daí concluir que os nossos agentes culturais sejam indistintamente "um factor de desenvolvimento". Nem sequer é preciso dar exemplos. Podemos ficar logo pelo Porto. A tirada infeliz sobre os comentaristas, "tropas de elite", na versão Pais - "a maior parte dos quais são "subsídio-pagos" através de instituições como o Instituto de Ciências Sociais, no pressuposto (certo) de que estão a fazer investigação histórica, mesmo que a História se considere ou não uma arte" -, fala por si. Que eu dê por isso, só costumam aparecer "comentaristas" e abaixo-assinados que andam ao colo com a "causa" da D. Regina e do sr. Alves contra Rio que é, aliás, o "correcto". Pais também tem a sua privada politicazinha do espírito: "A cultura é a área por excelência da ignorância. Como nós temos uma classe média muito inculta e uma série de comentaristas autocomplacentes, nunca perguntamos a estas pessoas se elas porventura não estarão a falar daquilo que desconhecem." Cá está um aproveitamento heróico-soviético do "lugar-comum" (o termo de Sócrates para a classe média) embrulhado na superioridade intelectual do criador. Ricardo, você vale mais do que esta pequenina pesporrência. Não será essencialmente essa gente que não vai ao teatro que o paga através dos seus impostos? Pais ainda tem tempo e lata para converter Cintra e o Teatro Aberto em monumentos nacionais - já são, é verdade - que "deveriam estar há muito tempo estabilizados com fórmulas próprias inscritas no Orçamento de Estado". Na cabeça do director do São João "não é o Estado que está a subsidiar o teatro, são as companhias que estão a subsidiar o teatro". Leu bem isto, profª Pires de Lima? Poupe rapidamente dinheiro. Volta-se a Rui Rio. "O programa do dr. Rui Rio não dizia que se iria privatizar o Rivoli, anexar o Rivoli ou parar com a política cultural que tinha sido seguida até ali (...) A expressão é dura [Rui Rio traiu os eleitores], mas é esta que eu usaria." Só o Rio, Ricardo? Acha que os munícipes que pagam o Rivoli (é teatro municipal) e outras coisas concordam consigo e com a D. Regina, ou com o presidente da câmara? Quando ocorrerem eleições, não é o Ricardo quem vai a votos nem as dezenas de "ocupas" do folclore do mês passado. É Rio. Logo se verá. Finalmente, Ricardo Pais, na sua falsa modéstia, insinua que "ainda" não sabe o que vai fazer quando o São João for uma EPE e avança com a sua "conversa" recorrente nestas alturas: "O que está escrito na lei é que o meu trabalho como encenador residente funciona como eixo principal da estratégia de gestão da casa. E isto não muda quando o teatro passar a EPE: o presidente do conselho de administração continuará a ser o director artístico e encenador residente. Mas há aqui uma coisa que gostaria de esclarecer: numa entrevista recente, transparece que serei inevitavelmente o presidente da futura EPE (...) Não, não sou de todo, embora o pressuposto da tutela [Ministério da Cultura] seja o de que continuarei". Pergunta: "Não gostaria de ser presidente do TNSJ pelo menos nos primeiros tempos de passagem a EPE, para assegurar uma transição tranquila?" Resposta: "Não disse que não gostaria de ser. Ainda estou a pensar". Pois, Ricardo. O que seria deste pobre e ignorante país sem portugueses clarividentes e humildes como você?

2 comentários:

Anónimo disse...

Meu caro João,
Só quem aqui vive sente as verdadeiras aleivosias e arbitrariedades despóticas desse senhor Rio. Falando das medidas populistas, Gaia e Matosinhos dispõem, hoje em dia, de índices de desenvolvimento invejáveis (que até saltam à vista para quem nesta região reside) à custa das putativas superfluidades culturais e não só (Corte Inglés, AEP, IKEA, etc.) enjeitadas por esse Presidente de câmara que nunca me representou e jamais me representará.
João, reitero o que referi no início deste comentário, só sente quem cá vive e este modelo de Porto corresponde a um organismo em estado vegetativo à espera que lhe desliguem a máquina.
Um grande abraço de saudades de troca de opiniões (quase sempre concordante) na blogosfera,
André Moura e Cunha
PS - quando vier ao Porto emeile-me pode ser que não ande por Madrid...

Anónimo disse...

Corroborando o que o comentador anterior diz:

Apesar de ter votado Rui Rio, concordo em absoluto com o Ricardo Pais quando diz que ele traiu os eleitores portuenses. Pensei que os defeitos do primeiro mandato fossem corrigidos agora que ele tinha liberdade para escolher uma equipa de colaboradores a dedo, mas não poderia estar mais enganado. Concedo que o que aconteceu nos últimos anos seja demasiado mau para que os observadores exteriores acreditem, mas olhe que a perda de equipamentos substanciais tem sido arrasadora, qualquer dia só ficam aqui as ruínas...

Outra coisa: é totalmente falso proclamar que o orçamento vai ser a partir de agora gerido com maior eficiência, uma vez que os dinheiros da cultura não estão a ser desviados para causas sociais (saneamento, habitação, escolas), mas sim para campanhas maciças de promoção e marketing das "actividades" da CMP.