Ao contrário de alguns "comentaristas" que simpaticamente por aqui passam, eu não tenho as certezas que eles possuem. Tanto me pode apetecer ouvir Bach, Wagner ou Verdi, como de seguida passar para o António Variações ou para o Rodrigo Leão. Tanto me sabe bem um copo - ou, por que não, a garrafa inteira - de um bom verde do Minho como um tinto francês ou italiano, ou um copo de água da EPAL. Ah, e gosto de sopa. Não sou dado às montanhas e aprecio cidades com muito movimento anónimo. E onde estou francamente melhor é junto ao mar. Por isso "percebo" - tanto quanto a poesia se pode "perceber" - que Sophia, precisamente desaparecida há dois anos, tivesse escrito isto: "quando eu morrer voltarei para buscar /os instantes que não vivi junto do mar". Cada dia que passa mais lamento, por causa do absurdo quotidiano, andar a perder esses "instantes". Há, como titulava a Sra. Roy, um "Deus das pequenas coisas"? É provável que sim. Aprender isso é que é difícil ou, como me diz o meu psiquiatra, termos um estado de espírito que nos dispense de investir em "qualquer outro". Por isso, quebrando a "tradição" deste blogue, transcrevo um comentário anónimo que resume tudo sobre o "assunto" que pôs o país babado de gozo e, sobretudo, os aprendizes de "Deus das pequenas coisas":
"Parece ter uma grande incapacidade de ser feliz com as pequenas coisas... ", critica alguém acima. Muitos me apontam o mesmo, especialmente a minha cara-metade. No início da semana assisti ao seu decidir não ir trabalhar porque o que gasta de transportes públicos, nos 70 km do percurso, não cobre o salário que lhe pagam. Hoje os transportes aumentaram novamente. Vivam as pequenas coisas. E as selecções dos países onde os cidadaõs temem mais a polícia que os criminosos, acreditam mais nas bruxas e cartomantes que nos tribunais. Vivam!"
10 comentários:
Bem, não sei se será na mesma onda, mas o post fez-me recordar um insignificante episódio, algures numa praia no Atlântico Sul, em pequena localidade género aldeia de pescadores, mas concorrida por turistas amantes da pesca e do mergulho.
Num fim de dia, juntei-me a outros que estavam sentados no boteco encima da praia, e entre vários europeus e norte/sul-americanos, estava esse velhote castiço, um pescador que já havia visto na sua pequena barcaça andar dum lado para o outro na faina.
Pelos vistos já era hábito pagarem-lhe umas cervejas e petiscos, pelo prazer de o ouvir cantar e contar umas anedotas, que certamente poucos percebiam.
Alguém perguntou-lhe, dessa vez, precisamente a questão-tipo "que é que deixava você mais feliz?"
A resposta pronta: "Ô gente, estar com meus amigos que nem conheço de nome, vocês que vêm de tão longe de suas terras só pelo gosto de me ouvir cantar...?! Deus me livre de querer mais!"
Todos temos o direito de ser felizes com as pequenas ou grandes coisas que entendermos melhor.
Havia razões mais nobres para saltarmos de alegria? De certo que sim. (A França fez o mesmo!)
Mas respondendo a um post de Pacheco Pereira, e não sendo os que andam aos saltos e a pôr bandeiras, Portugal salta não por aquilo que merecia que o fizesse feliz mas por aquilo que é possível. Num país que tem uma elite intelectual, política e empresarial, péssima desde há muitos anos. Elite que não vendo a trave que tem nos olhos goza com a fagulha que vê nos olhos do povo. País que teve em Eça um dos seus maiores críticos mas que foi ele próprio o produto acabado dessa mediocridade, muito aquém de um Zola (Eça ao contrário de Zola nunca entendeu ou falou do povo português). A um país assim não lhe resta senão saltar por uma elite que veio do povo e que sabe fazer bem o que aprendeu. Jogar à bola.
Quando tivermos uma elite que saiba fazer bem aquilo para que se treinou e para que ganha bons ordenados, então o povo terá razões para saltar por outros motivos que não seja a bola.
Alguém estrangeiro disse e é verdade, que o povo português, ao contrário de outros, tem a nobreza que falta à sua aristocracia!
Caro Francisco Silva:
"Quando tivermos uma elite que saiba fazer bem aquilo para que se treinou e para que ganha bons ordenados, então o povo terá razões para saltar por outros motivos que não seja a bola. "
Plenamente de acordo e bem haja pelo reparo!
Francisco Silva,
Palavras sábias.
Eça, com a teoria d' "os vencidos da vida" impregnou este país de iluminadas elites, cujo maior prazer é mal-dizer.
O Eça "nunca entendeu ou falou do povo português" - É talvez um juízo um bocadinho apressado... E a Juliana do Primo Bazílio? E a moça? E alguns textos nas Notas Contemporâneas e artigos de imprensa analisando o "povo português"?...
A Juliana não foi inspirada numa criada inglesa?
Francisco Siva, releia a "Correspondência de Fradique Mendes" ou a participação do Eça nas Farpas, e veja lá se ele não entendeu o "bom povo português". Depois dele, só talvez mesmo o Salazar, por outros motivos. E sobre o que os estrangeiros pensam de nós, pode começar pelo Beckford e passar logo a um jornalista brasileiro há dias indicado pelo Pacheco Pereira no Abrupto. Todavia, se ainda quiser ficar por cá, tem os estudos de Jorge Dias sobre a famosa "identidade nacional", escrito em pleno "fascismo", ou alguns do Eduardo Lourenço.
Mantenho o que disse sobre Eça. Toda a sua visão é a de um estrangeirado e de um snob sempre em bicos de pé para parecer bem ao olhos de ingleses e franceses. Sobre Beckford e outros ingleses que falaram de nós, a sensação que se tem é que só quando visitaram Portugal puderam ter contacto directo com as massas, que viviam lado a lado com a aristocracia. Basta ver o ordenamento da cidade de Lisboa. Até aí nunca tinham visto uma cara suja, uma vez que na sua doce inglaterra as classes estão convenientemente separadas. Aquela ralé inglesa que vemos por aí virá de que brumas do tempo e de que brumas do espaço???
Nós erámos selvagens ao tempo da guerra peninsular e só isso. Numa coisa contudo acertaram quando criticaram as elites portuguesas. Essa sim, detestáveis ontem como hoje!
Para si, o Eça é isso?! Francamente! Mas que disparate! Tem algum interesse "saber" se é snob ou estrangeirado (ou se tinha monóculo à esquerda ou à direita, por exemplo)? Não é isso que importa. O que importa é a qualidade e a força do que ele escreveu.
Sobre a qualidade da escrita do Eça não me pronuncio porque para isso não tenho competência. Limitei-me a chamar a atenção para uma evidência dos seus temas, que foi a falta de um olhar profundo e sentido sobre o povo português. Critiquei uma omissão! Como opinião pessoal sempre digo que acho as personagens de Eça vazias e sem profundidade. Dificilmente sabemos o que pensam.
No As Cidades e as Serras Eça é brilhante em Paris e até à chegada a Portugal. A partir daí já pouco consegue dizer sobre o espaço e personagens que habitam o mundo rural português. Por exemplo!
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