30.7.06

LER NA AREIA


1. Costumo levar para a praia "partes" de jornais. Do Expresso, por exemplo, só levei o suplemento Actual e do Público, o Mil Folhas. O Actual "escolhia" os livros que os portugueses deviam levar para férias, assentando o exercício em dois pressupostos errados. Em primeiro lugar, que os portugueses lêem. Ler, lêem, como pude ver no Algarve, mas oscilam quase exclusivamente entre Dan Brown, Paulo Coelho, Madame Rebelo Pinto e esse naco literário que dá pelo nome de José Rodrigues dos Santos. O resto são jornais desportivos e revistas rosa. Em segundo lugar, parece que é obrigatório ler durante as férias, seja porque não se lê durante todo o ano, seja porque o acto de leitura se pode confundir com um mergulho ou uma sardinhada. Não pode. Para não irmos mais longe, basta consultar as obras de Harold Bloom ou de George Steiner sobre "a leitura" para se perceber a seriedade da coisa. Verdade seja dita que, na realidade, muitos dos livros "aconselhados" só por piedade se podem considerar "literatura". Também, no meio da areia, quem é que verdadeiramente se importa?
2. Ainda no Actual, dou por mim a ler a crónica do meu querido amigo José Manuel dos Santos. Com a "história" que ele tem, com as "histórias" que ele sabe, com o talento memorialístico e de escrita que felizmente possui, não vejo necessidade para prosas como a de ontem, sobre Joana Vasconcelos, que ressumava a um misto de João Miguel Fernandes Jorge com Eduardo Prado Coelho, ambos ligeiramente ainda a meio da faculdade."A fusão do kitsch "ready-made" com o kitsch acrescentado (pelo tricot e pelo crochet, por exemplo) interroga, como diria um semiólogo, o significante e provoca uma erupção de significados. O significante implode e os significados explodem". Zé, tu és bem melhor do que isto.
3. Por falar em Prado Coelho, a sua crónica no Mil Folhas firma esta espantosa doutrina: "Rui Chafes é um dos grandes escritores portugueses". O Chafes é filho de dois professores do meu antigo liceu, a dra. Ondina, da matemática, e o prof. João Chafes, de música e maestro do saudoso coro do D. Pedro V. Quando o Chafes começou a "criar", lembro-me de ter falado com ele para o Semanário. As suas esculturas e as suas instalações revelam, de facto, um artista, porém não fazem desse artista "um grande escritor português", e nem tudo o que dele brota é, como exageradamente refere Prado Coelho, "música". É que depois deixa de ser "crítica" ou "ensaística", e parece mais "encomenda" ou pura divagação de circunstância.
4. Finalmente o Eduardo Pitta, também no Mil Folhas e aqui, coloca uma questão que eu coloco muitas vezes a mim mesmo: "nós por cá não temos termo de comparação, porque, como muitos dos nossos escritores “sérios” fazem questão de sublinhar, o mundo à nossa volta é coisa indigna de literatura. Mas isso é uma originalidade portuguesa. Em que outro país do mundo Rui Nunes e Mafalda Ivo Cruz seriam considerados romancistas?" Ainda se fossem só estes dois.

10 comentários:

Anónimo disse...

Termino uma leitura de Musil e deste blog - veja-se só! - para ir para uma churrascada. Desculpe Sr., mas não tenha a leitura tão em conta.

Anónimo disse...

olha que o comentário do eduardo pitta é tão simplista. parece mais um ajuste de contas do que uma análise concreta.

e se as pessoas não querem ler qual é o problema disso? agora estar sempre a julgá-las por causa disso! e lá sabes se não, há tanta gente que n gosta de ler na praia. e o livro do dan brown até é fixe. não sei é se já leste, mas se estás a fazer uma análise sem o ter feito acho que não te fica muita bem. agora se o leste e não gostaste, tudo bem,

Anónimo disse...

Das maiores pessegadas que já li.

Vá ao blog do RAP e veja se aprende alguma coisa; nunca é tarde para sermos fedorentos...., nem que seja por horas...


Aki a atmosfera é de sacristia, de círios e muita, mas muita leviandade intelectual...

Anónimo disse...

"O mundo à nossa volta é coisa indigna de literatura".

Discordo. Do mundo à nossa volta, António Lobo Antunes fez boa literatura... pena é que não floresçam talentos como ele!

Anónimo disse...

e cardoso pires, carlos oliveira, há bué deles

Anónimo disse...

Pois ... ler não me apetece.
Estou de férias.
Sou ao contrário de outros
Faço outras coisas, para as quais habitual/diariamente não tenho disponibilidade
De qualquer forma é um post “interessante” e, bem ilustrado, com as areias e o mar do Guincho – “parece” ...!

P.S.: Só falta o Bruno + uma excelente companhia ...

Anónimo disse...

Mas, cuidado com os “tsunamis” - »津波« ...!

joshua disse...

Ler na areia tem inconvenientes porque ela sempre invade todos os nossos interstícios (do olho do corpo ao entrepáginas) e é um acto selvagem e pedante andar com a lâmina censória e crítica do literário tão aguçada, tão guilhotinante, precisamente num tempo supostamente de descompressão.

Steiner mostrou de facto a rica densidade subjacente ao acto de leitura.

Portugal, pelo contrário, tem uma densa massa e opaca, mas de medíocre, de truculento, e por isso mesmo as leituras que faz ou são paneleiramente vaidosas ou são nenhumas.

Mas isto já toda a gente sabe.

xatoo disse...

isto não é o Guincho
é mais Melides, ou praí,,,

Anónimo disse...

O Rui Nunes é mau...
Bons são o sr, pitta e o sr. hugo mãe.
Oh, mãe!!!!!!!!!