25.7.03

YOU ARE WELCOME TO ELSINORE

Esta madrugada, quando vinha do Porto (espreitar aqui um Porto "sentido") e de ver Um Hamlet a Mais, o espectáculo de Ricardo Pais, no Teatro Rivoli, de que falei outro dia, sai-me pelo rádio do carro a fala do Sr. Presidente da República. Poderei, se e quando me apetecer, voltar a falar da justiça, disse Sampaio. E depois, como a plateia era constituída por jornalistas, improvisou sobre a relação política/jornalista. Como era tarde - o problema deve ter sido meu- não percebi nada. Escolhi o poema de Cesariny, e fala de Hamlet na tragédia homónima, para título deste post, por me parecer que podia servir agora de pórtico ao dito assunto da justiça. Houve, nestes últimos dias, alguns pronunciamentos sobre a matéria: Procurador Geral da República, um manifesto, as eternas capas de jornais e de pasquins, o José Pacheco Pereira, o Miguel Sousa Tavares,muitos blogues, etc. Sinto que estamos nisto como que entre "emparedados" e "o nosso dever falar". Bem vindos a Elsinore.

Entre nós e as palavras há metal fundente
entre nós e as palavras há hélices que andam
e podem dar-nos morte violar-nos tirar
do mais fundo de nós o mais útil segredo
entre nós e as palavras há perfis ardentes
espaços cheios de gente de costas
altas flores venenosas portas por abrir
e escadas e ponteiros e crianças sentadas
à espera do seu tempo e do seu precipício

Ao longo da muralha que habitamos
há palavras de vida há palavras de morte
há palavras imensas, que esperam por nós
e outras, frágeis, que deixaram de esperar
há palavras acesas como barcos
e há palavras homens, palavras que guardam
o seu segredo e a sua posição

Entre nós e as palavras, surdamente,
as mãos e as paredes de Elsenor
E há palavras nocturnas palavras gemidos
palavras que nos sobem ilegíveis à boca
palavras diamantes palavras nunca escritas
palavras impossíveis de escrever
por não termos connosco cordas de violinos
nem todo o sangue do mundo nem todo o amplexo do ar
e os braços dos amantes escrevem muito alto
muito além do azul onde oxidados morrem
palavras maternais só sombra só soluço
só espasmo só amor só solidão desfeita

Entre nós e as palavras, os emparedados
e entre nós e as palavras, o nosso dever falar

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