A CULTURA II
1. Como eu não assisti ao último concerto da temporada sinfónica do Teatro Nacional de São Carlos;
2. Porque confio na opinião do Crítico nessa matéria, infinitamente mais segura do que a minha;
3. Porque o acompanho no elogio que faz à magnífica Orquestra Sinfónica Portuguesa e aos seus dedicados e competentes músicos que bem mereciam, no que concerne à temporada sinfónica do teatro, um outro tipo de divulgação e uma maior visibilidade;
4. Porque já não o acompanho tanto nas observações que produz acerca do Coro do Teatro, excepção feita à sua direcção musical, cuja forma de trabalho e prestação têm vindo claramente a desgastar-se ( a vida é mesmo assim, não há insubstituíveis em lado nenhum);
5. Porque, tendo estado na direcção do Teatro, considero pertinentes as considerações que tece sobre o director musical da instituição (atenção, "oh subalimentados do sonho" :nenhuma das posições que aqui tomo ou subscrevo acerca do Teatro Nacional de São Carlos tem qualquer intuito de molestar pessoalmente quem quer que seja e muito menos Zoltan Pesko, que considero!);
6. Porque julgo que a direcção artística do Teatro não pode ser cega, surda e muda em relação ao que não lhe é simpático, uma vez que, em última análise, é o seu output que tem que ser avaliado, quer na relação com os públicos, quer para efeitos de "controlo interno";
7. E porque ainda é cedo para esboçar uma palavra definitiva ( que nunca o é ) sobre uma instituição que me é cara, a diversas instâncias...
com a habitual vénia, e sem receio de "macaquear" ninguém, nem de falar por outrém, peço emprestado o post do Crítico e aqui o deixo imaculado.
Homenagem a Jeffrey Tate
Assisti sexta feira ao último concerto da temporada regular do S. Carlos.
Direcção suave, precisa, exigente, séria, de um Jeffrey Tate em estado de graça. Um maestro que vai ao fundo da questão, um maestro notável, um músico e um gentleman.
A obra a sinfonia número 9 de Gustav Mahler, uma das obras mais difíceis tecnicamente da história da música.
Uma orquestra constituída por 16 primeiros violinos, 14 segundos, 12 violas, 10 violoncelos e oito contrabaixos nas cordas. Quatro flautas e um flautim, três oboés mais corne inglês, três clarinetes soprano, um clarinete em mib (mais agudo) e um clarinete baixo, quatro fagotes (um tocando também, em alternância, contrafagote), quatro trompas, três trompetes, três trombones, uma tuba. Cinco percurssionistas, incluíndo dois tímbaleiros.
Duas harpas. Uma orquestra relativamente pequena a que Mahler regressou para terminar a sua obra sinfónica, depois do excesso orgiástico da sua sinfonia número 8, a sinfonia dos mil.
Uma obra tocante, fantástica, mágica, sente-se em toda a obra que estávamos na despedida de Mahler, o adagio, último andamento, marca o ponto supremo, o êxtase perante a morte, que viria sem deixar Mahler concluir o projecto da sua décima sinfonia. A delicadeza de execução da obra é terrífica, solos traiçoeiros percorrem toda a orquestra, violino, viola, violoncelo, flauta, clarinetes diversos, oboé, trompete, trompa, passagens de naipe em agudos dificílimos, pizzicatos obrigando a uma exactidão meticulosa, passagens a descoberto de todos os naipes, em que a menor falha é uma catástrofe incapaz de disfarçar pela massa. E pasme-se, o milagre ocorre! Uma orquestra sem chama, desapaixonada, ao longo de toda uma temporada, desafinada, desorganizada, sem corpo, incapaz de tocar o que quer que seja, transfigura-se, atinge um ponto de energia e prazer de tocar quase inacreditáveis.
Raramente ouvi uma nona de Mahler tocada com tanta entrega, e já escutei esta obra ao vivo muitas vezes: NHK de Tóquio (gélida e tranfigurada), Viena (fúria sinfónica), Berlim (o orgasmo do som), Amsterdão (a finesse holandesa), Chicago (a insuperável técnica americana). Hoje posso dizer, a sinfónica nacional toca Mahler com a paixão da alma. À parte um falhanço logo na entrada do solo do primeiro trompa, e uma desafinação horrenda de alguns instantes, nos segundos violinos, quando no último andamento sobem ao dó bemol agudo (maldade de Mahler), talvez com notas trocadas pelo meio, tudo saiu quase perfeito, apenas ligeiríssimas imprecisões no último andamento. Mais um dia de ensaios e sairia sem mácula.
Como se justifica um tal milagre? Um bom maestro. Um bom material, os músicos são bons, não sobra dúvida. Aquela orquestra tem potencial, só uma orquestra com qualidade pode tocar Mahler assim. Esta orquestra, assim dirigida não envergonha Portugal em parte nenhuma do mundo! Estou feliz por isso.
Não é ainda uma orquestra que toca bem apesar do maestro! Como por exemplo a Berliner Philarmoniker.
A análise acima prova algumas coisas de que se suspeitava.
1. Este concerto dispensou o coro do S. Carlos, será que Tate conseguia domesticar o coro? Penso que seria impossível, o coro é manhoso, não tem vozes, não afina, é um conjunto de comadres e de grupinhos à solta, e nós a pagar. O maestro de coro é bom rapaz, pianista menos mau, mas já provou que não tem capacidade para gerir um grupo daqueles. Aquilo precisa de trabalho, de exigência, de remoção de incompetentes, de concursos para admissão, com júris sérios, e não de entradas para amigos.
2. Outra razão: o maestro titular. Pouco exigente, frouxo, não está presente em Lisboa. Pactua com desafinação, com desacerto, com um coro a cantar atrasado e mal, incapaz de se impor perante o maestro de coro e o coro. Facilita, o resultado é miserável, em música não existe o sofrível, o sofrível é horrendo, é inaudível, sou incapaz de ouvir um Mozart (ou outro) de forma sofrível, ainda por cima por incompetência e falta de trabalho. Seria necessário apostar noutros nomes, e depressa. A Direcção do S. Carlos, se quer melhorar o sistema, tem de mexer em algumas vacas sagradas. Afinal somos nós contribuintes que pagamos esses vícios. É necessário um maestro titular com fibra, mais jovem, melhor tecnicamente, e que esteja presente, que tenha poder. Sobre o maestro de coro: porque não promovê-lo? Se é tão bom rapaz, porque não dar-lhe um cargo onde não chateie? Ponha-se o rapaz na assessoria da Câmara, ou no Ministério da Cultura. Se calhar ainda fazia algum trabalho de qualidade e punha-se alguém capaz de mexer, duramente, nos vícios do coro. É a única solução.
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