30.7.03

ANTÓNIO MARIA LISBOA

Por estar sempre a convocar o Cesariny, e por que não me apetece falar do Mestre Américo, lembrei-me de António Maria Lisboa, uma das mais talentosas promessas, e ainda realidade, do surrealismo português, em má hora morto surrealisticamente (ou nem tanto) de tuberculose aos 25 anos. A partir de 1947, com Pedro Oom e Henrique Risques Pereira, constitui um pequeno grupo algo distinto das actividades já conhecidas dos surrealistas. Em 1949, vai para Paris, onde permanece algum tempo. De volta a Lisboa, colabora com poemas e desenhos na 1 ª Exposição dos Surrealistas, do grupo dissidente. A partir dessa altura, forja-se a amizade com Cesariny, que o acompanhará até aos últimos dias. Em 1950 colabora na redacção de vários manifestos e, em carta a Cesariny, faz as primeiras declarações com referências aos objectivos do movimento surrealista. Apesar destas aproximações, Lisboa prefere ver-se como um metacientista, e não como um surrealista, porque, diz ele, a surrealidade não é só do Surrealismo, o Surreal é do Poeta de todos os tempos, de todos os grandes poetas.

Um exemplo :

PROJECTO DE SUCESSÃO

Para o Mário-Henrique

Continuar aos saltos até ultrapassar a Lua
continuar deitado até se destruir a cama
permanecer de pé até a polícia vir
permanecer sentado até que o pai morra

Arrancar os cabelos e não morrer numa rua solitária
amar continuamente a posição vertical
e continuamente fazer ângulos rectos

Gritar da janela até que a vizinha ponha as mamas de fora
pôr-se nu em casa até a escultora dar o sexo
fazer gestos no café até espantar a clientela
pregar sustos nas esquinas até que uma velhinha caia
contar histórias obscenas uma noite em família
narrar um crime perfeito a um adolescente loiro
beber um copo de leite e misturar-lhe nitroglicerina
deixar fumar um cigarro só até meio
abrirem-se covas e esquecerem-se os dias
beber-se por um copo de oiro e sonharem-se Índias.


(Ossóptico)



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