A HERANÇA
Houve um golpe de Estado em S. Tomé e Príncipe. É o costume. África é um continente abandonado à sua pouca sorte, às guerras civis, à doença e à fome. Ao contrário de Timor, que fez a Nação babar-se toda e promover uns folclores de rua, nunca vi ninguém na rua ou noutro sítio qualquer a clamar por África. De vez em quando alguém se lembra dela e fazem-se uns concertos filantrópicos para comprar massa e arroz. Até George Bush, que não gosta de viajar, passou por lá a semana passada e, pelo que se sabe, comoveu-se e condenou o esclavagismo. Foi mais uma demonstração dos patéticos pedidos de desculpa superstar que os chefes de Estado modernos, do Papa ao Dr. Mário Soares, gostam de fazer para aliviar as respectivas histórias das sombras incómodas. Portugal esteve em África com o mesmo propósito com que está numa aldeia do Minho ou de Trás-os-Montes. Paternalista e interesseiro, o "português suave" passeou-se por Angola, Moçambique, menos na Guiné, em Cabo Verde e em São Tomé, criou "raízes" e explorou o que quis e o que não quis. Salazar impunha a célebre miscigenação da raça e o tal "português suave" montou lojas, estaminés e pretas à fartazana para cumprir a vontade da criatura. O resultado é conhecido e foi despejado em contentores nos cais de Lisboa a partir de 1974. Ficou esse lastro de corrupção das nomenclaturas do tosco marxismo-leninismo emergente, a guerra, os golpes de estado e uma profunda e terrível miséria moral e material, sem fim. Uma sublime herança que, um dia, também terá direito ao seu pequeno pedido de desculpas.
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