24.12.05

O "ESPÍRITO DE NATAL" OU "O TEMPO DOS ASSASSINOS"

Não nutro nenhuma espécie de simpatia pelo chamado "espírito de natal". Não sei o que isso é e, se me apetecer pensar em Cristo, não preciso de um dia específico para o fazer. Julgo, até, que Cristo se ofenderia com o "festim nu" que, a pretexto da discutível data do seu nascimento, conduz meio mundo pelos labirintos dos centros comerciais num insano frenesim consumista sem sentido algum. Por outro lado, trata-se de uma época utilizada em larga escala para arejar a consabida hipocrisia humana. Pessoas que se detestam ou que se ignoram cordialmente durante o ano inteiro, trocam mensagens e presentes como se fossem cúmplices e "amigas". Criaturas especializadas em espetar facadas nas costas dos outros, durante uns dias elevam-se a uma insuspeita beatitude. Para além disto, enfarda-se e engorda-se à conta de incontáveis almoços e jantares de natal. Toda esta pantomina me provoca azia e asco. Às ceias idiotas com bacalhau, prefiro "A vida de Brian" dos velhos Monty Python. Eu bem me esforço por seguir aquela melodia do filme, "always look at the bright side of life". Porém, esta época de boazinhas esforçadas só me lembra o livro de Henry Miller sobre Rimbaud, O Tempo dos Assassinos. É apenas uma ideia para um "cartão" de Boas Festas.

O medo, o medo com a cabeça de hidra, que é generalizado em todos nós, é uma ressaca das formas inferiores de vida. Estamos divididos entre dois mundos, um, aquele de que emergimos, e o outro, aquele em direcção ao qual caminhamos. Este é o sentido mais profundo da palavra "humano": somos um elo, uma ponte, uma promessa. É em nós que o processo da vida está a ser levado a efeito. Temos uma tremenda responsabilidade, e é a gravidade disso que desperta o nosso medo. Sabemos que se não formos em frente, se não realizarmos o nosso ser potencial, recairemos, nos apagaremos, e arrastaremos o mundo connosco na queda. Levamos o Céu e o Inferno dentro de nós e toda a Criação está ao nosso alcance. Para alguns são perspectivas aterrorizantes. Mas desejariamos que fosse diferente? Seriamos capazes de inventar um drama melhor? (...) Se fores capaz de ser um verme, serás também capaz de ser um deus.

Sem comentários: