Estava a mudar livros de um lado para o outro e deparou-se-me Do Corvo a Santa Maria, de Joaquim Manuel Magalhães (texto) e José Sousa Gomes (fotos), Relógio D'Água, 1993. Está "em vigor", contrariamente a toda a poesia que o Joaquim Manuel Magalhães escreveu e que decidiu resumir num só livro. A dado passo há a referência a um jantar com um então famoso autarca continental. Sucede que a passagem é muito ilustrativa para se perceber o regime e os seus "funcionários" que, de públicos, só têm em comum a primeira letra de outra palavra famosa de duas sílabas. O que na passagem me interessa é esse retrato e, consequentemente, retiro o nome do então autarca, da cidade e do seu partido de modo a apenas ficar o nada, ou seja, a criadagem representada por ele e pela propriamente dita dele.
«Pela força associativa do contraste absoluto, lembrei-me de outro presidente da câmara, a do (...), chamado (...) e igualmente do Partido (...), com quem, para azar meu, tive de partilhar um jantar numa noite péssima. Não podia haver nem ambiente nem interesses mais diferentes; nem sinais mais invocadores, nessa noite de (...), do mais repugnante dos políticos que se fazem apenas pela política. O jantar volante era-nos servido na (...), recuperada para esses fins. Embora o mobiliário e a decoração fossem de um bom gosto suficientemente neutro, não deixava de aparecer um ou outro desgostante quadro de flores, de qualquer senhora local bem prendada, estilo cueca. O presidente chegou com um atraso notório, rodeado por três assessores. Percebia-se mais pelos assessores do que pelo presidente que a câmara era do (...) continental. Quando a colher de café de (...) caiu, um dos assessores curvou-se, apanhou-a, pousou-a na mesa, enquanto o presidente nem sequer olhava para o servidor. Talvez anos atrás se tivesse também ele curvado para ascender, e agora era um eleito (pelas eleições, claro). Era o mundo dos pequenos políticos, dos pequenos assessores, em tudo idêntico ao dos chamados políticos maiores. Assim me encontrava com o usual vazio dentro das cautelas usuais. As criadas que serviam o jantar confessaram-nos que eram neutras, quer dizer, que não tinham partido. Embora não percebesse qual a relação entre ser neutro e não ter partido, achei que era um assunto de criadas em que não devia insistir. Percebi as coisas melhor quando o tal presidente explicou que os ricos são apolíticos e julgou, talvez, que eu ironizava ao acrescentar-lhe: "os ricos e as criadas". Mas estava longe de ironizar. Aquele jantar tinha sido um dos bons momentos da encenação esperável do que certa política tem para ensinar: o nada, isto é, ricos e criadagem.»
«Pela força associativa do contraste absoluto, lembrei-me de outro presidente da câmara, a do (...), chamado (...) e igualmente do Partido (...), com quem, para azar meu, tive de partilhar um jantar numa noite péssima. Não podia haver nem ambiente nem interesses mais diferentes; nem sinais mais invocadores, nessa noite de (...), do mais repugnante dos políticos que se fazem apenas pela política. O jantar volante era-nos servido na (...), recuperada para esses fins. Embora o mobiliário e a decoração fossem de um bom gosto suficientemente neutro, não deixava de aparecer um ou outro desgostante quadro de flores, de qualquer senhora local bem prendada, estilo cueca. O presidente chegou com um atraso notório, rodeado por três assessores. Percebia-se mais pelos assessores do que pelo presidente que a câmara era do (...) continental. Quando a colher de café de (...) caiu, um dos assessores curvou-se, apanhou-a, pousou-a na mesa, enquanto o presidente nem sequer olhava para o servidor. Talvez anos atrás se tivesse também ele curvado para ascender, e agora era um eleito (pelas eleições, claro). Era o mundo dos pequenos políticos, dos pequenos assessores, em tudo idêntico ao dos chamados políticos maiores. Assim me encontrava com o usual vazio dentro das cautelas usuais. As criadas que serviam o jantar confessaram-nos que eram neutras, quer dizer, que não tinham partido. Embora não percebesse qual a relação entre ser neutro e não ter partido, achei que era um assunto de criadas em que não devia insistir. Percebi as coisas melhor quando o tal presidente explicou que os ricos são apolíticos e julgou, talvez, que eu ironizava ao acrescentar-lhe: "os ricos e as criadas". Mas estava longe de ironizar. Aquele jantar tinha sido um dos bons momentos da encenação esperável do que certa política tem para ensinar: o nada, isto é, ricos e criadagem.»
2 comentários:
Esta coisa da criadagem, e tal, originou o célebre dito "não sirvas a quem serviu nem peças a quem pediu"...
Não é só na política. Nas empresas também. E no funcionalismo publico.
PC
´Sucede que a passagem é muito ilustrativa para se perceber o regime e os seus "funcionários"`
Muito mais do que isso....a passagem é ilustrativa para se perceber Portugal e o seu povo, independentemente dos regimes.
Enviar um comentário