Enquanto vejo e ouço a Força do Destino de Verdi - que título promissor! - passo os olhos pelo Actual do Expresso, secção livros e subsecção não ficção. Normalmente estas secções dos jornais não se destinam a levar os putativos leitores a ler os livros de que ali se fala. Não. Os literólogos de serviço esmeram-se em asfixiar os livros colocados à sua presunçosa consideração e falam sobretudo deles, literólogos (uma deflexão dos politólogos da televisão) e geralmente dos amigos deles que ocorreram em livros. António Guerreiro é um excelente exemplar desta mistificação. Pegou em dois livros de poesia - de António Osório e de Adília Lopes - e vá de fazer a "poesia" dele com eles. Ora reparem. Adília cria «identidades, representações, figuras que são a cifra de um Eu que constrói uma sumptuosa comédia autobiográfica», por exemplo, quando escreve "os meus gatos/gostam de brincar/com as minhas baratas." Na pobre cabeça guerreira há gatos que brincam com baratas e esses gatos e essas baratas são da Adília, não são do poema. Por isso lhes chama «versos desarmantes e deceptivos» como poderia ter dito que está a chover. Depois, na Adília, «tudo se passa à superfície, mas uma superfície de onde se avista o abismo.» É a chuva de volta. Há um título ("um jogo bastante perigoso") que tem «pertinência analítica» e há «desvios» todavia «passageiros e sem importância». Já António Osório «situa-se no lado oposto.» A quê? Aos «dispositivos lúdicos» e aos «processos formais que absorvem tudo»? Osório, segundo Guerreiro, celebra. Em poucas linhas temos duas «celebrações». Porquê? Porque «a celebração como fim último da palavra poética é um tema recorrente da tradição poética». Guerreiro é um modelar oficiante de disparates que ele toma por crítica literária. É notório, porém, que não consegue distinguir uma barata de um poema ou um gato de uma palavra. Tudo se passa à superfície. Literalmente.
4 comentários:
Se fosse só ele (o Guerreiro)...
E há ainda, no ípsilon do mais recente diário do Governo, intitulado Público, um pítico escriba que resume badanas (ou nem tanto...) e chama a isso crítica.
Interessante, a crítica dos críticos.
Quem me dera ter um orgasmo com a facilidade com que estes fulanos se vêm a ler esta poesia.
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